A Travessia de Olleros a Chavín é considerada um dos roteiros clássicos de trekking na Cordilheira Blanca. É altamente recomendada para quem deseja se aclimatar à altitude, antes de tentar escalar acima dos 5.000 ou dos 6.000 metros, pois possui uma altura moderada e é relativamente curta. Ideal para ser realizada no período inicial de uma expedição à Cordilheira Blanca.
O trekking dura 3 dias, percorrendo uma distância de 50 km, aproximadamente. Os dois acampamentos se encontram a pouco mais de 4.000 metros e a altitude máxima alcançada está em torno de 4.700 metros, no Paso Yanashallash, que é preciso cruzar no segundo dia de caminhada.
Mas vale a pena fazer essa travessia não somente com o intuito de aclimatar-se para outras empreitadas. O trekking por si só já justificaria uma visita à Cordilheira Blanca. Além de ser belíssimo, tem a peculiaridade de percorrer um sensacional caminho pré-hispânico, todo calçado de pedras na subida e na descida do Paso Yanashallash, uma incrível obra de engenharia lítica. Essa rota, geralmente, é apresentada como uma antiga estrada inca.
Porém, é um caminho milenar, bem anterior aos incas. Apesar de ter sido incorporado ao Qhapac Ñan (a rede de caminhos incaicos) no século XV, se levarmos em consideração que o templo de Chavín foi construído por volta de 800 a.C., e que o caminho se dirige ao templo, dá para ter uma noção de sua antiguidade.
A caminhada começa na simpática vila de Olleros (3.300 m). Localizada a apenas 20 km de Huaraz, é bem fácil chegar até Olleros por transporte público. Basta perguntar pelas minivans
que vão para Huaripampa e que passam com certa frequência pelo centro de Huaraz. Em Olleros há uma placa indicando o início da travessia, que segue por um caminho secundário que leva até outro povoado, Canrey Chico, acompanhando o rio Negro.
Quem optar por ir a Olleros em transporte privado, pode continuar até Canrey Chico e começar a caminhada nesse ponto, já que os veículos chegam até aqui.
As antigas casas de Canrey Chico são testemunhas de uma época em que a principal ligação entre o Callejón de Huaylas e o Callejón de Conchucos se dava através da milenária rota de Chavín. Antes da construção da moderna estrada de Huaraz a Huari, passando por Chavín e San Marcos, tropas de burros percorriam a antiga trilha, cruzando a Cordilheira Blanca levando
sal, açúcar, cevada, batata e outros produtos andinos e costeiros. Na volta, traziam os produtos amazônicos, como a coca.
De Canrey Chico a trilha continua pela Quebrada Uquián, subindo gradual e suavemente. Aos poucos vai se delineando os contornos de um imenso pico nevado, que surge atrás das colinas que encobrem a quebrada. É o Nevado Urushraju (5.722 m), que se revela em toda sua grandiosidade quando chegamos na confluência das quebradas Uquián e Rurec. A trilha, então, desce em direção ao fundo do vale, levando a uma planície (pampa) onde se encontra o local do acampamento, em Sacracancha (4.023 m). A distância percorrida nesse primeiro dia é de 16 km (ou 14 km, caso a caminhada tenha se iniciado em Canrey Chico).
O segundo dia é o mais bonito e interessante da travessia, quando iremos percorrer o trecho mais bem preservado do caminho pré-hispânico. No início, é preciso caminhar rumo ao fundo da Quebrada Uquián, que a partir de Sacracancha se torna uma imensa área alagada. Impossível seguir a planície em linha reta. A trilha desaparece em alguns pontos, na vegetação que cresce nos alagadiços, e a solução é seguir margeando a planície, buscando o terreno mais firme das encostas, onde se encontram algumas casas de camponeses.
Por fim, se chega a uma trilha bem definida, que começa a subir em direção ao Paso Yanashallash, e logo aparecem os trechos calçados de pedra do antigo caminho. A visão vai se tornando cada vez mais bonita, dominada pelo Nevado Urushraju (5.722 m).
Após um primeiro trecho de longas e íngremes subidas, se chega a um “falso paso”: é preciso descer um pouco em direção a uma nova planície, o último “degrau” da Quebrada Uquián, onde já é possível avistar a vertente norte do maciço do Nevado Urushraju e parte do Nevado Rurec (5.380 m). O Paso Yanashallash se encontra visível ao fundo, bem como o caminho bem marcado do último trecho de subidas do dia.
No “passo”, além das tradicionais apachetas (montes de pedra de função cerimonial), uma construção de pedra em forma de altar chama a atenção. Dizem que é de origem inca, apesar de sua concepção não ser parecida com a tradicional arquitetura incaica. Na descida, novamente, se encontram magníficos trechos calçados de pedra e é, nessa vertente, onde fica evidente a habilidade dos antigos construtores da estrada, que montaram um percurso artificial elevado e nivelado, para suavizar a forte inclinação e as irregularidades da encosta.
Depois de uns 17 km chega-se a outra pampa, um lugar plano e apropriado para armar o segundo acampamento, chamado Shongo.
O último dia é o mais fácil. Serão 13,5 km até Chavín, inicialmente por uma trilha bem marcada que, após o primeiro povoado, se transforma em uma pequena estradinha de terra. As descidas são acentuadas, com lindas vistas para os profundos vales que desembocam no Callejón de Conchucos. Finalmente, se avista a cidade de Chavín de Huantar aos nossos pés, com o templo de Chavín em primeiro plano.
Em um ponto em que a estrada se dirige para a direção oposta a Chavín, é preciso buscar outra trilha calçada de pedras, um desvio que conduz diretamente ao templo de Chavín e que representa um bom atalho nessa parte final.
O templo de Chavín é uma atração imperdível, uma espécie de recompensa após 3 dias de caminhada. Possui diversas galerias subterrâneas, parecidas com labirintos. É incrível percorrer o templo (que é imenso), pensando que foi construído mais de 2.000 anos antes do surgimento dos incas! Recomendo muito não apenas visitar o templo (com calma, sem pressa), mas também dormir no simpático povoado de Chavín, ao invés de tomar o primeiro ônibus para voltar a Huaraz após o final da travessia.
Chavín tem algumas pousadas aconchegantes e é um lugar excelente para descansar.
Guia profissional de montanha, com título de “Guía Superior de Montaña” obtido na EPGAMT. Guia de montanha associado à AAGM e à AAGPM. Guia de montanha credenciado no Parque Provincial Aconcagua. Sócio da empresa SummIT – Gestão de Projetos e Desenvolvimento Humano. Além de liderar expedições de escalada e trekking em alta montanha, trabalha com treinamento e consultoria nas áreas de gestão, liderança, motivação e inovação.
Pratica escalada em rocha desde a década de 1990 e alta montanha desde o início dos anos 2000, tendo realizado mais de 80 ascensões nos Andes e no Himalaia