Aconcágua: Uma aventura solo no topo das Américas

Ao chegar em São Paulo, depois quase 6 meses andando pelos Parques Nacionais da Pacific Crest Trail, deparei-me com outra realidade; com uma verdadeira selva de pedra. Após quase um mês em terras paulistas, reencontrando amigos e família, me senti um pouco deslocado na capital e, estando sem algum desafio, comecei a pensar qual seria minha próxima aventura.

Foi quando um grande amigo que conheci anos atrás na Índia, me convidou para ser embaixador do primeiro grande festival de música eletrônica e arte em Mendoza, Argentina. Por coincidência, se localiza na mesma região da maior das montanhas das Américas e do Hemisfério Sul, o famoso Monte Aconcágua (6.962 m). Sendo assim, comecei a mentalizar a ideia de subi-la, dando início às minhas pesquisas sobre ela.

O planejamento

As primeiras coisas a serem analisadas quando se tem em mente alguma aventura como essa são a parte burocrática, a estratégia geral e o preço de tudo que envolve para escalar a montanha. Foi então que me chamou a atenção o preço de subir a montanha com grupo e guia.

Era muito caro para a minha realidade de jovem aventureiro, no momento desempregado, e sem achar muita informação na internet de como ir sozinho.

Ocorre que, após pensar muito e conversar com minha família, me animei e vi que era uma ótima oportunidade para me testar novamente; dessa vez a missão seria subir o gigante das Américas sozinho, sem guia e sem agência. Montei minha estratégia de alimentação e de aclimatação.

A aclimatação é o processo necessário, em que você tem que esperar o seu corpo se adaptar às condições atmosféricas extremas com um baixo teor de oxigênio.

Equipamentos

Já em Mendoza, em uma loja de equipamentos especializados em alta montanha, aluguei as botas duplas (necessárias para a última etapa do trekking: o cume do Aconcágua)e uma barraca de quatro estações. Também comprei uma boa calça de snowboard, paguei US$ 450 do Permit (permissão de escalada) de baixa estação para o cume.

Também contratei o serviço da Global Rescue (que inclui plano de saúde e eventual resgate de helicóptero) por US$ 160 e paguei meia mula por US$ 125 para transportar 20 kg dos meus 45 kg de equipamento e 18 dias de comida. Ao todo foram US$ 735 para começar a aventura.

O início

Foto: André Fuão

Dando início à jornada, peguei um ônibus para Penitentes, que fica a quatro horas de Mendoza. Lá deixei a minha duffle bag com a mula e segui para Horcones, a porta de entrada do parque Aconcágua. Lá iniciei o trekking de duas horas até o primeiro acampamento: Confluencia (3.400 m).

Em Confluencia, minha primeira missão foi organizar minha barraca (onde dormiria duas noites), cozinhar, me hidratar e descansar. No próximo dia teria um trekkking de 20 km (ida e volta) para aclimatar na Plaza Francia (4.300m).

Acordei cedo e, juntamente a um cachorro companheiro, andei os 10 km em passo rápido. Descansei um par de horas para almoçar e retornei ao acampamento Confluencia. Lá passei minha segunda noite para dar sequência à próxima etapa; o segundo maior dia da expedição.

O segundo e terceiro dia

Foto: André Fuão

No longo trekking de 6 horas de Confluencia para Plaza de Mulas (base camp), fui castigado por ventos fortes, sol escaldante e uma vista um tanto quanto diferente. Comecei a entrar em um terreno mais árido, em que todas as plantas sumiram. Pude começar a entender o que me aguardava pela frente.

Chegando em Plaza de Mulas, fui direto para o controle médico e, graças a minha boa hidratação, estava com níveis de oxigênio no sangue marcando saturação a 96% (muito bom). No base camp, peguei o resto da comida e o equipamento mais pesado, os quais a mula havia deixado.

Montei a barraca em um lugar preestabelecido e comecei a me enturmar com outros aventureiros que estavam lá. O prognóstico dos dias anteriores e dos próximos era de 100 km/h de vento no cume. Sem chances de subir, mas mesmo assim o plano seguia.

O quarto dia

Foto: André Fuão

Acordei descansado no dia seguinte e comecei meu rumo sentido a uma montanha de 5.100 metros, chamada Cerro Plata. A montanha fica a três horas do base camp (Plaza de Mulas), para outro dia de aclimatação. A subida foi boa, um desafio legal – no topo almocei junto a dois guias que lá estavam, fiquei duas horas e voltei ao base camp, já aclimatado.

De volta à Plaza de Mulas, comi mais uma refeição de macarrão instantâneo e sardinhas, descansei uma hora e, como recompensa, pude contemplar um dos mais bonitos pores do sol da viagem antes de me recolher para dar sequência à meta.

Acordei e coloquei as botas duplas para andar uma hora e ver se estava tudo certo. Elas são horríveis, porém necessárias para evitar congelamento dos dedos do pé (o que ocorreu comigo na PCT).

Depois dessa caminhada, subi ao acampamento 2: Nido de Condores (5.500 m). Ao todo a subida foi de 3h30. Deixei cinco dias de comida lá em cima, quatro cartuchos de gás para derreter neve e as botas duplas que não seriam necessárias até ali (apenas para atingir el cumbre).

Enquanto me aclimatava, fui perturbar os Rangers (autoridades da montanha) e beber um chá com bolachas com eles para me recuperar um pouquinho. Passada uma hora e pouco, retornei ao base camp, onde estava nevando MUITO. Esperei a hora de contemplar outro belíssimo pôr do sol antes de dormir, ocasião em que as montanhas ficaram totalmente brancas da neve, com seus cumes devidamente iluminados pelo crepúsculo.

A janela de bom tempo

Foto: André Fuão

Já de pé, por volta das 9 horas da manhã, quando o sol normalmente atinge o acampamento (meu sexto dia de aventura). Empacotei a barraca, coloquei meus casacos e subi com cerca de 18 kg de volta ao acampamento 2 (Nido de Condores) para dormir e planejar o ataque ao cume.

A minha subida demorou uma hora a mais que no dia anterior, pelo peso e o cansaço que estavam se acumulando. Logo quando cheguei, conheci alguns mexicanos que me informaram que havia uma janela de tempo bom no dia seguinte. Seria meu sétimo dia na montanha.

Os mexicanos me disseram que eles iriam tentar subir. Não pensei duas vezes e decidi que também tentaria. Se não desse certo, pelo menos aclimataria. Dormi uma das piores noites da minha vida em razão do ar rarefeito.

O ataque ao cume

No ar rarefeito, você acorda de 10 em 10 minutos meio que se afogando, sem ar. É uma sensação terrível dormir acima de 5.500 metros. Definitivamente não é legal.

Acordei as 4:30 horas da manhã já com todas as roupas no corpo, cozinhei uma sopa, comi umas barrinhas de cereal, bebi dois litros de água e saí da barraca às 6:00 horas cravado. Fazia muito vento e frio (normal).

Comecei a caminhada na companhia de um canadense e encontramos no caminho dois ingleses (gêmeos) e um israelita. Todos jovens, sozinhos e sem guia. Assim como o que vos escreve.

Quatro horas depois de começarmos, a 6.200 metros de altitude, os gêmeos e o israelita voltaram. Este último de helicóptero, pois estava com edema pulmonar. Duas horas depois, a 6.400 m, meu parceiro canadense me abandonou na luta, pois estava com falta de energia e ânsia de vomitar.

Fiquei, assim, sozinho para a guerra mental que estava por vir, sendo cada 2 passos uma respirada, dor nas coxas e adrenalina a mil. Pensava comigo mesmo: só mais um pouquinho e eu volto (que nada; esse é um velho truque pra vencer os pensamentos negativos que pairavam em minha cabeça).

O cume

Foto: André Fuão

Cheguei a 6.700 metros, na famosa Canaleta, a parte mais difícil e íngreme do percurso. Nesse ponto era difícil controlar a respiração. Estava muito ofegante e o ritmo já era de um passo para cada respirada.

Coloquei os crampons, ingeri um litro a mais de água, comi uma barra inteira de chocolate e fiz as últimas, e mais dolorosas, 3 horas até chegar ao topo das Américas. Estava feliz, emocionado, realizado e exausto. Uma sensação indescritível.

Fiquei quase 30 minutos a quase 7.000 metros de altitude e iniciei o retorno à minha barraca em Nido de Condores (acampamento 2), sendo três horas de descida que castigaram muito os meus pés, os quais ficaram por volta de 13 horas confinados e apertados nas botas de plástico alugadas, muito semelhantes àquelas que usamos em estações de ski.

Chegando, fui presenteado pelos mexicanos, que conhecera anteriormente, com um litro de água, lotado de eletrólitos, para o meu subsequente “coma” de 12h até o dia seguinte. Dormi após dar uma pequena espiada pela entrada da barraca e assistir outro pôr do sol maravilhoso.

O dia seguinte

Foto: André Fuão

Acordei até zonzo de tanto dormir. Empacotei a barraca e desci para o base camp, sendo recebido com elogios por amigos que ainda estavam lá. Estava com um problema: ainda tinha 9 dias de comida e iria deixar na montanha.

Consegui trocar tudo por uma refeição e uma cerveja com um guia. No dia seguinte, meu nono dia, fiz em 6h o percurso do base camp até Horcones. Lá finalmente poderia realizar o meu maior desejo enquanto estava na montanha: comer um churrasco argentino completo, ligar para meus pais e amigos e tomar a Quilmes mais gelada que poderia encontrar.

Essa foi a minha aventura solo no Aconcágua, que se deu em nove dias muito longos e cansativos, mas que a recompensa valeu a pena.

Fiquem ligados para próximas aventuras.

O que vem depois?

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