Montanhismo de exploração – Parte 2: Definição e contexto histórico

O que significa “montanhismo de exploração”? Nessa definição utilizamos a ideia de “explorar” como a busca de “algo novo”, sendo que esse algo novo pode ter um sentido físico ou geográfico, como na realização de uma expedição para se percorrer uma região inóspita e pouco conhecida, ou um sentido conceitual, como na ascensão em estilo alpino de uma rota previamente aberta e muitas vezes escalada de outra forma em uma montanha de 8 mil metros no Himalaia.

Quando pensamos em exploração, o primeiro sentido que apresentamos acima é o mais evidente: explorar é chegar a um lugar onde ninguém foi, isso é o que, geralmente, vem à nossa mente. Mas a concepção do que significa “explorar” é mais abrangente e é, justamente, o “espírito de exploração” que faz do montanhismo um esporte e define as regras e a ética desse esporte.

Foto: Marcelo Delvaux

Todo esporte possui regras de conduta específicas que, por sua vez, estabelecem metas a serem atingidas. O mérito esportivo de um atleta vem quando tais metas são alcançadas, seguindo os limites técnicos e éticos estabelecidos pelas regras correspondentes. Para dar um exemplo básico, no futebol a meta é fazer o gol, mas existem limites para que um gol seja considerado válido (não pode ser feito com as mãos, o jogador não pode estar em situação de impedimento, etc.).

A escalada de uma montanha pode ser vista como um esporte não competitivo (não existe uma competição formal com atletas ou equipes competindo entre si, nem se divide os participantes de uma ascensão entre vencedores e perdedores), mas, diferentemente do que muitos pensam, sua meta não se encontra em, simplesmente, chegar ao cume. Voltando ao exemplo das montanhas de 8 mil metros do Himalaia, quando as mesmas ainda eram virgens, o objetivo principal das expedições que exploraram suas paredes era chegar pela primeira vez ao cume. Essas expedições foram executadas no contexto histórico que chamamos de montanhismo de exploração no sentido geográfico. Havia pouco conhecimento sobre as regiões onde se localizavam essas montanhas e não se sabia onde estaria a rota mais acessível para se chegar ao ponto mais alto.

Uma vez que as montanhas de 8 mil metros do Himalaia foram escaladas, os montanhistas passaram a buscar novos objetivos para suas atividades: abrir novas rotas com maior grau de dificuldade técnica, escalar as rotas existentes em estilo alpino (trazendo para o Himalaia o modelo de escalada mais leve e mais rápida, como praticada nos Alpes), escalar sem o uso de oxigênio suplementar, etc. Nesses novos objetivos, o “espírito de exploração” continuava presente na busca de algo novo, estabelecendo, ao mesmo tempo, novas regras para o esporte e novos critérios para o mérito esportivo.

Com o tempo ficou claro que chegar ao cume por si só não tinha importância, o mais importante seria a forma como se chega ao cume, os seja, os meios utilizados para tal. Desse modo, podemos dizer que a exploração se encontra no coração do montanhismo, sendo responsável por sua evolução técnica e por sua consolidação como um esporte não competitivo, definindo metas e estabelecendo os critérios do mérito esportivo.

Foto: Marcelo Delvaux

Em um primeiro momento, o montanhismo de exploração estava relacionado, principalmente, com o sentido de exploração geográfica. Como destaca o sociólogo Joy Logan em seu livro “Aconcagua: the invention of mountaineering on America’s highest peak”, no século XIX o montanhismo de exploração foi executado no contexto da expansão imperialista europeia, principalmente nas regiões dominadas pelo Império Britânico, sendo que muitos montanhistas e exploradores pertenciam às Sociedades Geográficas de seus respectivos países, que organizavam as expedições com apoio e financiamento de seus governos. Até meados do século XX o perfil nacionalista predominou no montanhismo, como nas explorações realizadas no Himalaia e no Karakorum: no Nanga Parbat (8.126 m) pelos alemães; no Annapurna (8.091 m) pelos franceses; no K2 (8.611 m) pelos italianos; no Everest (8.848 m) pelos suíços e britânicos; no Dhaulagiri (8.167 m) pelos argentinos, dentre outros exemplos.

Além das expedições nacionalistas ao Himalaia e aquelas organizadas pelas Sociedades Geográficas europeias em várias partes do mundo, os clubes de montanhismo tiveram bastante importância durante a fase áurea do montanhismo de exploração, participando em diversas ocasiões junto com as iniciativas governamentais para a ascensão das grandes montanhas do Himalaia. No caso específico da Cordilheira dos Andes, os clubes foram bastante ativos, principalmente a partir de meados do século XX.

Tantos os montanhistas pertencentes a clubes sul-americanos, localizados em cidades como Mendoza, Santiago, Buenos Aires, Bariloche, Salta e Huaraz, como aqueles oriundos de clubes europeus, americanos, neozelandeses e japoneses, para ficar só nesses exemplos, foram importantes atores no desbravamento, mapeamento, realização de primeiras ascensões e abertura de novas rotas na Patagônia, nos Andes meridionais, na região da Puna e nas cordilheiras bolivianas e peruanas.

Na Cordilheira Vilcanota, no Peru, por exemplo, importantes expedições exploratórias foram realizadas entre as décadas de 50 e 70 por clubes como o Akademischer Alpenclub Munich, o Deutscher Alpenverein, o Harvard Mountaineering Club, o clube da Kwansei Gakuin University, o clube da Rikkyo University, o Stanford Alpine Club, o Club Alpin Français, o New Zealand Alpine Club, o Grenoble-Universite-Montagne, o Club Andinista Cordillera Blanca e o Club Alpino Italiano.

Trecho do Circuito Ausangate | Foto Marcelo Delvaux

Se as expedições de caráter nacionalista desapareceram a partir da década de 1960, na década de 1980 vemos uma menor quantidade de expedições exploratórias organizadas pelos clubes de montanhismo. Essa é a época do surgimento das expedições comerciais e da criação do projeto Sete Cumes (o livro de Frank Wells e Dick Bass, Seven Summits, que impulsionou a difusão desse projeto, foi publicado em 1986). Com o novo modelo das expedições comerciais e a maior disponibilidade de serviços de guias de montanhas, os clubes perderam parte do protagonismo que ocupavam em seu papel de iniciação de novos praticantes no mundo do montanhismo.

A partir de então, tornou-se mais fácil comprar um pacote de montanhismo oferecido por uma empresa, ou contratar os serviços de um guia, do que seguir o longo caminho de aprendizado e experiência que fazia parte do tradicional modelo dos clubes de montanhismo. E as ascensões dos novos adeptos do montanhismo, que se juntavam aos grupos das expedições comerciais, passaram a concentrar-se em algumas poucas montanhas, onde tais serviços foram implementados e disponibilizados.

Os montanhistas e escaladores de elite, por sua vez, começaram a buscar novos desafios a partir das décadas de 1980 e 1990: por exemplo, escalar em estilo alpino rotas de dificuldade técnica no Himalaia e no Karakorum, escalar “em livre” grandes paredes até então escaladas “em artificial”, escalar graus de dificuldade cada vez mais elevados, abrir novas rotas de extrema complexidade, etc. O montanhismo de exploração continuou sendo praticado, tendo agora uma conotação mais conceitual e menos geográfica.

O imponente Jatunhuma (6.093 m) | Foto Marcelo Delvaux

Pode-se observar, a partir de então, uma clara divisão entre os objetivos estabelecidos por aqueles que frequentam as montanhas do mundo: objetivos de cunho pessoal versus objetivos de cunho esportivo. Atualmente, existe uma grande confusão entre mérito pessoal e mérito esportivo, que passa pela não distinção, intencional ou não, entre os objetivos do montanhismo enquanto um esporte cada vez mais técnico e de alto nível (e que envolve o “espírito de exploração”), e os objetivos dos projetos pessoais realizados no âmbito das expedições comerciais.

No próximo artigo vamos detalhar as características que definem o montanhismo como um esporte, e que estão estreitamente relacionadas com o conceito de montanhismo de exploração, buscando esclarecer as diferenças entre mérito esportivo e mérito pessoal.

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