Mais um episódio de assédio no Carnaval, desta vez na Pedra da Galinha Choca, em Quixadá, Ceará. No entanto, diferente do que ainda é comum ver, esta vítima — que terá o nome preservado — comunicou as autoridades locais e a história chegou até o https://blogdescalada.com eventualmente.
Neste informe, fica um encorajamento a todas as pessoas, especialmente mulheres, que não se calem nesse tipo de situação. E para fazê-lo, nada melhor do que a mensagem de alguém que tenha voz para tal, alguém que tenha passado o que você ou um conhecido viveu e não soube como reagir. Confira.
Episódio de assédio no Carnaval na Pedra da Galinha Choca
Colocando em perspectiva que diversos levantamentos mensais e anuais relatam altas porcentagens de assédio ou agressão, fica difícil acreditar em melhoria futura.
A título de informação, em uma pesquisa realizada com 3 mil mulheres pela FEBRABAN (Federação Brasileira de Banco) no ano passado, 8 de cada 10 mulheres (77%) confessaram sofrer assédio na própria casa. Dentro disso, 7 de cada 10 mulheres (69%) também alegaram passar por situações constrangedoras ou pior com pessoas consideradas próximas, ou apenas conhecidas.
E esta mulher teve sangue-frio no ato para não se submeter a qualquer situação por medo. Enfim, como dito, este é um relato onde o nome da vítima e do assediador serão preservados, pois o caso já está em andamento com as autoridades locais e divulgações detalhadas podem atrapalhar este processo.
Relato da vítima na Pedra da Galinha Choca
Primeiro contato
Ela conheceu o sujeito em Igatu na última viagem a Bahia, no dia 23 de janeiro. O mesmo estava sentado comendo numa lanchonete em que ela sempre ia com seu namorado e amigos. O sujeito estava sentado de frente para uma amiga dela. No relato ela fala que ficou surpresa de ver a amiga conversando com um estranho, mas depois a mesma explicou que era um amigo que já conhecia há um tempo.
Devido à amizade em comum, o sujeito se juntou ao grupo que realizaria a escalada no setor labirinto. O sujeito até fez uns vídeos de dois integrantes do grupo na via Asteroide. O mesmo passou os vídeos via WhatsApp para a vítima no intuito de divulgar para todo o grupo. Finalizada a escalada, o grupo se dividiu, com o sujeito seguindo viagem para Itatim, enquanto a vítima e seus amigos ficaram mais uns dias em Igatu até partirem para Itatim.
Em Itatim, eles voltaram a se encontrar, pois estava acontecendo um Encontro de Escaladores na região. Encontro esse que reunia praticantes de todos os lugares. Em visitas mediadas pela amiga, o sujeito encontrava o grupo e conversava com todos, inclusive ela. Numa das conversas a vítima indicou os picos do Ceará, pois o sujeito queria conhecer os mais interessantes do Nordeste.
Com o fim do Encontro de Escaladores, todos seguiram seu rumo. O sujeito ficou interessado nos picos e pediu conselhos. A amiga em comum de ambos indicou a vítima que também compartilhou o contato de dois amigos residentes de Quixadá (um homem e uma mulher).
Passadas as informações de hospedagem e rota, o sujeito chegou no dia 17 de fevereiro em Quixadá. A vítima confirmou sua presença, chegando no dia seguinte para se reunir com o grupo.
Pedra da Galinha Choca
A primeira escalada estava marcada para o dia 19. Após o café, a vítima, os dois amigos e o sujeito seguiram em direção a Pedra da Galinha Choca. Primeiro, o grupo escalou o rabo da Pedra da Galinha pela via reféns da biomecânica até o cume. Ao descerem de rapel, tiveram a ideia de seguir pela via cavalo-do-cão, localizada na cabeça da galinha.
Como aquela trilha era mais movimentada e tinham alguns turistas, a dupla de amigos desceu para vigiar as mochilas enquanto a vítima e o sujeito escalavam.
Ao finalizar a via, o sujeito disse que queria ir até o cume. Então, seguiram na rota, realizando uma escalaminhada de uns 6 metros até o cume. Às 10h10 chegaram ao cume, comemoraram, contemplaram a vista, tiraram selfies e algumas fotos individuais.
- Fica um adendo em nossa conversa, pois a vítima nos comunicou uma troca de palavras anterior que até então para ela não fazia sentido questionar.
Não sei exatamente em que momento entre o dia que cheguei até às 10h10 daquele cume que o sujeito veio me fazer a seguinte pergunta:’ O teu namorado vem?’ assim de supetão.
Estranhei a pergunta em primeiro instante, mas empolgada respondi dizendo:’ sim, ele vem, vem com a K….’ Daí lembro na mesma hora que a amiga K. havia desistido de vir e eu falo com tom de desapontamento: ‘valha, vem mais não, esqueci que a K não vem mais, ele viria de carona com ela.’ — disse a vítima em nossa conversa.
Assédio na Pedra da Galinha Choca
No momento que guardava o celular na pochete, a vítima sente uma mão no ombro direito. Na tentativa de olhar o que era se depara com o rosto do sujeito se aproximando e ordenando: ‘me dá um beijo’. Prontamente a vítima recusou detalhando o diálogo.
- V — você tá doido?, seu doido, sai pra lá!
- S — é porque me deu vontade…
- V — mas eu não tô com vontade, você tá doido.
Foi uma situação altamente constrangedora… 0 sujeito querendo me acuar num cume, se aproximando de forma íntima, sem eu nunca ter dado liberdade alguma para esse sujeito… me senti invadida e vulnerável naquele momento. – disse a vítima.
Apesar da cena, a vítima manteve o sangue-frio e sabia que precisaria dele para descer.
Ficamos ali uns 15 segundos em silêncio e em seguida falei: ‘vamos descer, precisamos fazer rapel’. Voltamos a última parada da via, o sujeito juntou as cordas para montar o rapel e nesse momento ele disse: ‘Você não fique chateada com isso não, viu!’ ‘Eu já tava com vontade há muito tempo’ e eu disse: ‘vontade é uma coisa que dá e passa e não é não.’
Enfim, ambos realizaram a descida um por vez.
Pós-assédio
Reencontrando o grupo, ela opta por não contar, esperando pessoas de sua total confiança e que entenderiam sua situação. Voltando da escalada todos foram almoçar e combinaram a próxima escalada.
Como a vítima ainda processava o ocorrido e não havia contado o episódio ao grupo, seguiu viagem com eles. Pararam para descansar e seguiram para a Pedra Riscada, o mesmo grupo.
Conquistaram o cume e desceram antes do sol se pôr. No retorno a cidade, deixaram um amigo em casa e pegaram uma amiga. Os quatro seguiram para uma pizzaria e na sequência chegou seu namorado e mais uma amiga na reunião.
O choro compulsivo
No dia seguinte eu já não aguentava segurar toda aquela história, tava com tudo engasgado na garganta. Precisava contar para alguém que não duvidasse de mim. Contei pro meu namorado e minha amiga. Os dois ficaram atônitos com o ocorrido e a ficha foi caindo, me dando conta do perigo, sozinha, tendo somente o rapel como rota de fuga.
Em nossa conversa ela explica que foi questionada do porquê ter continuado nas escaladas com o sujeito.
Ainda estava processando toda a cena na minha mente, duvidando até de que aquilo realmente tinha me acontecido.
Por curiosidade, uma de suas amigas é psicóloga e explicou que pessoas em situações de trauma demoram até 2 dias para assimilar o ocorrido. E passados exatos 2 dias a vítima relatou choro compulsivo.
Contando para pessoas de minha confiança, me senti segura e acolhida. Alguns se mantiveram parciais e quiseram analisar a situação.
Por isso não me senti à vontade em contar quando desci do rapel (dois homens) por mais que fossem meus amigos, pois imaginei a reação contida de ambos.
Enfim, no dia 20 de fevereiro o sujeito partiu, mas não por vontade própria. Ele foi porque um homem teve que ir lá falar grosso, colocando-o em seu devido lugar, assim relatou a vítima.
Mensagem final da vítima
De fato, não é fácil e só quem sabe, quem passou, sabe expressar a cena. E nesse caso, não existe mais ou menos grave, assédio é assédio. Ademais, cada um recebe de um jeito. Como dito, com outra pessoa, poderia ter acabado num fim trágico.
Por isso a importância de não deixar algo passar para não acumular ou piorar. Se você ou algum conhecido passou por algo semelhante, não fique em silêncio. Assim como quem tem boca vai a Roma, quem se comunica o mundo transforma.
Converse com pessoas próximas na falta de coragem para buscar justiça e principalmente busque conselhos com órgãos anti-assédio, juntamente de vítimas abertas a dividir palavras de aprendizados.
Por fim, confira abaixo uma reflexão de alguém com voz para tal.
Foto destaque: Amarilio Dantas /Unsplash
Trabalho com esportes em geral, além dos americanos, redação e SEO há alguns anos. Coberturas em Taça Brasil FA, Superliga Masculina/Feminina, Seleção Brasileira de vôlei masculino, NBB, LNF e Powerlifting. Somo experiências em portais como Quinto Quarto, Esportelândia, Minha Torcida, Futebol Interior, entre outros.
Obcecado pelo diferente, tento poetizar quando as notas merecem um tom especial. Longe de ser poeta, apenas um aprendiz, mas o jornalismo, esporte, verdade e escrita foi o meio que encontrei de me conectar com a raiz.