No momento de comprar qualquer equipamento, desde uma jaqueta a um mosquetão com trava, há várias opções para cada um. Aparentemente igual à vista, no preço está a grande diferença. Muitos dizem que é apenas por ser da marca X ou Y, que torna o equipamento mais caro. Para quem não está acostumado a observar implementações de design, isso pode até mesmo parecer verdade.
Por trás de cada equipamento outdoor, existe um volume de estudo, projeto, trabalho, retrabalho, conceitos, avaliações, etc. Pensar um produto (um conceito definido pelo termo “Product Thinking”) significa explorar as diferentes formas em que diferentes funcionalidades podem ser combinadas para resolver o mesmo problema.
Entender qual o problema, quem é o usuário e qual a visão do produto, são decisões que precisam vir antes do “como” o problema será resolvido. Lembrando para os “criativos”, que há criatividade “do bom”, mas também há criatividade “do ruim”.
A distância entre pensar que consegue fazer e saber fazer de fato, é abismal. Exatamente por isso que não é de uma hora para outra que alguém se intitula designer. É um processo de transformação intelectual, que une teoria (muita teoria mesmo) e prática.
Portanto, no caso de um designer de produto, existem 10 princípios do bom design que devem ser seguidos pelos projetistas. Estes princípios foram criados por Dieter Rams, considerado um dos mais revolucionários e grandes designers da história da humanidade.
Quem foi Dieter Rams
Se você quer saber mais sobre qualquer tópico de design, deve ter em mente uma pessoa: Dieter Rams. Rams é um designer industrial alemão que trabalhou exclusivamente para a empresa de eletrodomésticos Braun. Dieter Rams, apesar de ter formado em arquitetura e feitos cursos de carpintaria (por influência do avô), é um dos mais influentes designers do século XX.
Ele passou a integrar o setor de eletrônicos da Braun, do qual ele se tornou diretor em 1961 e trabalhou nela até 1995. Hoje é uma lenda em todos os ramos de design. Muitos dos produtos desenvolvidos por ele tornaram-se peça fixa de vários museus, incluindo o MoMA (Museum of Modern Art) em Nova York.
Ao designer de Dieter Rams é associado à frase “menos é mais”. Seu estilo e filosofia influenciou Jonathan Ive, da Apple, que foi o designer de produtos de produtos também considerados revolucionários: iMac, iPod e iPhone. Como característica de seu trabalho, eram produzidos produtos modulares com botões reduzidos ao mínimo, com peças únicas de partes coloridas. O restante era banco ou cinza.
Durante todo o tempo em que trabalhou com a Braun, Dieter Rams desenhou mais de 500 produtos, elegantes e extremamente versáteis. Todos os produtos seguiam os princípios do bom design.
O bom design é inovador
A primeira piqueta de escalada em gelo e um modelo atual
As possibilidades para inovação não são, por qualquer que seja a razão, limitadas. Desenvolvimento tecnológico é sempre para oferecer novas oportunidades para inovação e design.
Mas o design inovador sempre se desenvolve em conjunto com tecnologia inovadora e nunca pode ser um fim em si mesmo. Um dos maiores seguidores desta filosofia, sobretudo com equipamentos outdoor é Yvon Chouinard, atualmente CEO da marca Patagonia.
Quando administrava a Chouinard Equipments, desenvolvia peças que estavam sempre a uma geração adiantada dos seus concorrentes, que procuravam imitar o que ele desenvolvia.
Primeiros pitons vendidos por Yvon Chouinard
Portanto, a cada nova geração de equipamentos outdoor deve, preferencialmente, procurar seguir a regra do “menos e mais”, tornando o produto melhor e mais revolucionário.
Lembrando que revolucionar um produto é fazê-lo melhor, não necessariamente diferente.
O bom design faz um produto ser útil
Modelo das primeiras cadeirinhas e um modelo atual
Um produto é comprado para ser usado. Por isso ele tem de satisfazer certos critérios, não somente funcionais, mas também psicológicos e estéticos para o usuário.
O bom design enfatiza a utilidade de um produto, ao mesmo tempo que ignora tudo aquilo que vai contra ela.
O bom design é estético
A diferença entre a primeira jaqueta com penas de ganso e a atual
A qualidade estética de um produto é essencial para sua utilidade, porque os produtos que usamos todos os dias afetam nossa pessoa e nosso bem-estar.
Mas apenas objetos bem executados podem ser bonitos. A empresa que mais investe no quesito design estético e funcional é a canadense Arc’teryx. A marca é reconhecidamente a que mais produz objetos inovadores e esteticamente seguindo os parâmetros de Dieter Rams.
Até mesmo o logotipo da empresa tem um significado e simbolismo especial. O desenho se refere ao Archaeopteryx, um dos primeiros pássaros conhecidos no mundo. A empresa é, talvez, a que mais ganhou prêmios de design por seus produtos.
O bom design nos ajuda a entender um produto
O bom design esclarece a estrutura do produto. Ou melhor ainda, ele pode fazer o produto falar: design deve ser na melhor das hipóteses, auto explicativo.
Se o seu usuário não sabe usar seu produto, é porque há um defeito no seu design.
O bom design é discreto
Produtos que cumprem uma finalidade são como ferramentas. Eles não são objetos decorativos nem obras de arte.
Seu design deve, portanto, ser neutro e restrito, para deixar espaço para a auto expressão do usuário. As principais headlamps eram objetos pesados e poluentes, pois utilizavam carbonetos. A marca francesa Petzl, conseguiu minimizar tanto o peso, quanto o impacto ambiental da fumaça do carboreto.
Atualmente são largamente usadas por corredores urbanos e por trail runners.
O bom design é honesto
O bom design não torna um produto mais inovador, poderoso ou valioso do que realmente é.
Não deve tentar enganar ou mesmo manipular o consumidor com promessas que não podem ser mantidas.
A marca Leatherman é sem dúvida referência quando se fala em termos de cutelaria. Possui uma linha de multi-ferramentas compacta, que fala por si. Nenhuma destas até hoje apresentou defeito, ou mesmo não realizou algo que não foi projetado. Suas atualizações de design, foram deixando o produto mais leve e com contornos mais orgânicos.
O bom design é de longa duração
O bom design evita modismos e, portanto, nunca parece antiquado.
Ao contrário do design da moda, deve durar muitos anos, mesmo na sociedade descartável de hoje. Portanto, quando comprar uma jaqueta, garrafa térmica ou mesmo um mosquetão, deve analisar se ele irá, ou não, ter uma vida útil duradoura enquanto o usar.
Se não tiver durabilidade, o produto pode até ser considerado bom, mas possui um design ruim.
As garras térmicas da Stanley é o exemplo cristalino desta filosofia. Qualquer produto da empresa, além de realizar aquilo que ela promete, também é reconhecido por sua durabilidade. A marca Patagonia também procura investir na durabilidade, apostando em campanhas de reflexão do cliente a comprar um de seus produtos, perguntando-o se realmente necessitava.
A atitude é porque a empresa investe na durabilidade e no bom design.
O bom design é detalhado até o último detalhe
Nada deve ser arbitrário ou deixado ao acaso.
Cuidado e precisão no processo de design mostram respeito ao usuário. Cada elemento tem uma determinada função. Não há “penduricalhos” ou simplesmente visando a estética.
O bom design é amigo do ambiente
O bom design faz uma contribuição importante para a preservação do meio ambiente.
Conserva recursos e minimiza a poluição física e visual ao longo do ciclo de vida do produto. A empresa Patagonia, assim como outras, tem investido pesadamente em implementar a economia circular.
Produzindo casacos com lã reciclada, dando manutenção em seus produtos gratuitamente e buscando alternativas de materiais que impactem menos o meio ambiente
O bom design é o menor design possível
Menos, é mais. Mas por que esta definição? Porque se concentra nos aspectos essenciais e os produtos não são sobrecarregados com itens não essenciais.
De volta à pureza, significa de volta à simplicidade. Tudo aquilo que é excessivo em qualquer equipamento outdoor, o usuário sentirá na pele.
A natureza é simples e o design deve seguir esta simplicidade.
Argentina de nascimento e brasileira de coração, é apaixonada pela Patagônia e Serra da Mantiqueira.
Entusiasta de escalada, trekking e camping.
Tem como formação e profissão designer de produto e desenvolve produtos para esportes de natureza.
Excelente artigo.
Excelente texto.
Muitas das vezes olhamos o produto com um valor de mercado muito superior (também devido a alta do dólar mas….) e não entendemos que existe um estudo para tal…