Um dos termos mais comuns dentro da prática de escalada em rocha é a noção de “encadenar” uma via de escalada.
O termo encadenar é largamente utilizado por todos praticantes de escalada no Brasil e países hispanoparlantes e foi cunhado ao longo do tempo por todos que praticaram e desenvolveram a escalada esportiva na Europa. No Brasil alguns outros termos são usados para definir a mesma coisa, porém o ato de “encadenar” já foi internalizado por todos os praticantes de escalada esportiva.
A definição do ato de encadenar uma via de escalada é bem simples: quando um escalador (ou escaladora) durante todo o percurso da via não se apoia nem na corda, sem segura em nenhum objeto que não faça parte da linha natural diz-se que encadenou a via.
De maneira mais simplista, é que na hipótese do escalador estivesse sem a corda e sem as proteções, o praticante não cairia. Importante salientar que para “enadenar” uma via de escalada necessariamente deve-se estar guiando a via (ir com a corda desde baixo e colocando-as nas proteções).
O desenvolvimento da escalada esportiva, assim como suas pequenas nuances que se tornaram regras, além de classificação dos tipos de cadena, foram desenvolvidas fortemente por escaladores da Europa, e absorvida por comunidades de outras localidades espalhando-se e popularizando-se em todo o mundo.
Do Rotpunkt à cadena
Historicamente a escalada esportiva iniciou seu desenvolvimento a partir dos anos 70, e teve seu amadurecimento e consolidação até meados dos anos 80.
Anteriormente se havia alguma parte difícil em uma via de escalada (hoje denominado “crux”), era comum, e aceitado como ético pela comunidade colocar algum tipo de proteção, como por exemplo um piton em fendas ou uma fita em algum grampo ou agarra, e a partir daí usa-se como estribos. Havia também a prática de apoiar-se diretamente nas proteções com os pés e/ou mãos para progredir na via.
Porém um grupo de escaladores alemães, liderados pelo escalador Kurt Albert, tiveram a ideia de escalar as vias sem utilizar o recurso de apoiar em nada (pítons ou grampos e estribos). A partir deste princípio, de nunca usar apoio artificial, começou a requerer que o escalador usasse somente suas técnicas corporais e força muscular.
Foi aí que o grupo tomou a decisão de colocar um ponto vermelho em cada proteção que usualmente servia de apoio mas eles conseguiam ultrapassar sem usá-lo.
Com isso as proteções (fixas ou móveis) começaram a ser utilizadas unicamente para colocar as costuras.
Este tipo de escalada ficou conhecida como realizar “em livre”, isto é livre da utilização de artifícios artificiais.
Depois de algum tempo o grupo de alemães decidiram colocar apenas um ponto vermelho na base das vias, e não mais em todas as proteções. Este ponto vermelho significava que tinham completado toda a linha da via sem utilizar técnicas de escalada artificial. No jargão de escaladores, eles “livraram” a via.
A iniciativa deste ponto vermelho influenciou as novas gerações de escaladores a adotar a mesma postura, e é considerado a pedra fundamental da escalada esportiva.
No idioma inglês foi traduzido por redpoint enquanto em alemão conservou-se o tempo “rotpunkt”. Os escaladores espanhóis tinham o costume de instalarem correntes ao final das vias de escalada. Com isso, ao colocar em cadeia de movimentos sem cair e chegar às correntes, dizia-se que o escalador “encadenou” (colocou em cadeia ou chegou as correntes) da via.
Com o tempo, especialmente na década de 80, a cultura da escalada esportiva foi amadurecendo e criando regras de “encadenar” vias de escalada como conhecemos hoje. Hoje já é largamente aceito que “encadenar” uma via as costuras já estejam postas nas chapeletas ou grampos previamente na tentativa da “cadena”, assim como o escalador sair com a primeira proteção já com a corda clipada, o que para escaladores mais conservadores ainda não é aceitável, chamando a este tipo de ascensão de “pink point”.
Com o tempo, e a evolução das graduações das vias de escalada esportiva, este tipo de preconceito foi-se diluindo e resistindo somente em comunidade de escaladores ultraconservadores.
Traduções do termo rotpunkt e free-climb
O termo “escalada em livre” é uma tradução do termo “free climb”, e provoca confusão até hoje em jornalistas quando necessitam descrever o estilo de escalada pois ficam confusos afirmando erroneamente que a prática é sem utilizar “nada” (escalada em solo).
Acostumados a preservarem o idioma de maneira mais rígida os escaladores portugueses utilizam o termo “encadear”, pois consideram que o escalador executou “em cadeia” (em sequência ininterrupta) todos os movimentos da escalada sem cair ou apoiar-se na corda ou proteções.
No Brasil com a popularização de escaladores espanhóis na segunda metade da década de 90, o termo “encadenar” foi incorporado ao vocabulário do escalador comum, e difundido por todo o Brasil.
A adoção do termo “encadenar” por escaladores brasileiros sofreram alguma resistência por alguns praticantes e houve tentativa de criação de alguns termos genéricos, ou pseudointelectuais, utilizados no início do desenvolvimento da escalada esportiva no Brasil mas foram esquecidos.
Pequenas variações de cadena
Com o tempo algumas pequenas variações de cadena foram ganhando forma, e se popularizando dando ao fato maior, ou menor, grau de dificuldade.
Os tipos de cadena considerados são:
Cadena à vista – O termo vem do inglês “on sight”, e é usado quando o escalador nunca escalou uma via, e a encadena sem nenhum tipo de dica, ou sem nunca ter visto alguém tentar. É considerado por muitos como o tipo de cadena mais puro e mais valorizado. Por possui um grau de dificuldade que exige grau apurado de técnica e força. É tipo de ascensão mais utilizada em campeonatos de escalada.
Cadena “flash” – É usado quando o escalador nunca escalou uma via, e tem a oportunidade de observar uma outra pessoa escalando a linha. Após observação, o atleta realiza a tentativa de a escalada. Para este tipo de “cadena” é necessário que o escalador tenha uma excelente leitura de movimentos assim como boa memória. Também é considerada nesta “categoria” quando o escalador recebe informações sobre alguns segredos a respeito da via como por exemplo onde está a parte mais difícil, ou dicas de movimentação durante a sua ascensão.
Cadena “malhando” ou “trabalhando” – O termo é utilizado quando o escalador já escalou a linha uma ou várias vezes, e com isso memorizando os principais pontos de dificuldade, agarras chave e pontos de descanso para o “encadenamento”. Este tipo de cadena é comum quando a linha esta acima do limite da força e técnica do escalador.
Cadena “Sacando” – O termo é utilizado quando o escalador está com as costuras na cintura, e as coloca na proteção e posteriormente a corda. Esta na verdade é mais uma subdivisão dentro dos outros tipos de cadena. É tido como regra geral que quando um escalador encadena sacando em uma via, é porque sua força e técnica está muito superior ao exigido pela linha.
Cadena “saltando costura” – este é o tipo de cadena quando o escalador opta por não clipar a corda na proteção, arriscando uma queda considerável, ou mesmo um choque ao solo. Este tipo de “aposta” é realizada por escaladores mais arrojados. Entretanto este recurso quando aplicada em campeonatos de escalada acarreta na eliminação do escalador.
Más interpretações do termo encadenar
Como sempre vem acontecido na história da humanidade alguns termos acabam se pervertendo com o tempo e sendo mal interpretados por pessoas adeptas da cultura de segregação de indivíduos. Por isso seguidamente alguns escaladores acreditam que uma pessoa que encadena uma via de alto grau automaticamente a faz melhor escaladora que outra. Este tipo de atitude antiesportiva apenas contribui para que se crie animosidade entre escaladores, e em nada tem a ver com o espírito do esporte.
Importante dizer que encadenar uma via de escalada em nada faz uma pessoa, ou escalador, ser melhor que o outro, pois mais importante do que o grau encadenado é o tipo de atitude que cada um tem com a natureza e com as pessoas a sua volta. Encadenar uma via é uma conquista pessoal de cada um, e não uma competição aberta para que seja menosprezada a capacidade de um ou outro escalador.
Por conta do aspecto segregador acerca do grau encadenado por alguns atletas alguns locais de escalada possuem o reflexo direto no volume vias de graduação alta em relação à de grau intermediário ou baixo. Muitos partidarios desta miopia intelectual acreditam que um lugar com grande volume de vias de alta dificuldade e baixíssimo volume outras vias configura um bom lugar de escalada. O importante a ter-se em conta no conceito de encadenar uma via de escalada é que encadenar uma via ou não é apenas um detalhe, e que o volume de pessoas praticando o esporte é o número que deve ser buscado por todos.
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.
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