Entrevista com Leandro Reis

Uma das palavras da moda no Brasil na atualidade, ainda mais em tempos de crise, é empreendedorismo.

Hoje no Brasil, especialmente em esportes de montanha, pensar em empreendedorismo é impossível não lembrar de Leandro Reis e sua companheira Petya.

Popularmente conhecido como Leandrinho, este mineiro de fala mansa e sorriso cativante, sempre junto com Petya, administra aquele que é considerado o melhor abrigo de escaladores do Brasil.

Leandro quando largou tudo o que fazia para se dedicar exclusivamente ao abrigo foi chamado de louco, e poucos acreditaram em seu sucesso.

Passado o tempo a verdade é que hoje o “Abrigo Lapinha” é referência nacional quando se fala de qualidade de hospedagem, infra-estrutura ao escalador além de localização privilegiada.

Por conta de todo espirito empreendedor, a Revista Blog de Escalada foi procurar saber mais sobre este que é talvez das maiores personalidades do universo de esportes de montanha do estado de Minas Gerais: Leandro Reis.

Leandro, este mês de agosto o Abrigo Lapinha está consolidado no universo da escalada da América do Sul. Como foi a caminhada até chegar aí?

Os calcários da região da Lapinha são referência na escalada esportiva mineira desde a década de 1990.

Serviram de escola para os primeiros escaladores da grande BH,  devido à proximidade com a capital, pela facilidade de acesso e pelas incontáveis possibilidades de abertura de vias de dificuldades entre as mais fáceis e as mais difíceis que se podia imaginar naqueles tempos.

Nos primeiros tempos acampávamos, ou dormíamos em sistema de bivaque.

Com o aumento do número de praticantes, a demanda por um meio de hospedagem que seguisse o modelo dos abrigos de montanha se consolidou, já que na grande maioria buscamos hospedagens simples e econômicas, onde possamos fazer nossa própria comida e descansar para mais um dia de escalada.

Depois de um dia incrível de escalada é ótimo encontrar pessoas que saibam do que você está falando e compartilhem das mesmas emoções.

O que faz com que nos abrigos ainda se respire a mesma atmosfera da base das vias.

Foto: Acervo pessoal Leandro Reis

Foto: Acervo pessoal Leandro Reis

O Abrigo Lapinha se concretizou em 2009 a partir do interesse de minha companheira, Petya, em adquirir um terreno em algum lugar tranquilo, onde pudéssemos resgatar o estilo de vida simples que só quem vive no mato sabe viver.

A Lapinha se mostrou o lugar perfeito para esta transição em nossa vida e aqui estamos desde então.

É um lugar de muita paz, onde, além de se hospedar depois do dia de escalada,  pode-se descansar, trabalhar a terra, conviver com os animais, conhecer o estilo de vida dos locais.

Várias pessoas que vieram de fora do Brasil aproveitaram para aprender português aqui, simplesmente se comunicando com pessoas comuns e em situações cotidianas.

É muito legal ver como esse método funciona e é a maneira mais natural e sincera de se aprender uma nova língua.

Muitas pessoas acreditam que ter um abrigo de escalada é sempre uma festa. Qual seria o seu conselho para estas pessoas?

Uai, podem continuar acreditando.

Vivemos momentos muito felizes morando aqui e convivendo com pessoas que, mesmo em pouco tempo de estadia, conseguem usufruir e compartilhar da energia que este ambiente mobiliza.

Receber escaladores gera uma positividade incrível. 

Administrar isso às vezes é difícil, e até o momento temos tido sucesso neste desafio.

Nosso objetivo é proporcionar um ambiente onde todos sintam-se bem, sentindo-se em casa, e convivam numa boa com pessoas diferentes e até então desconhecidas, num ambiente aparentemente sem regras ou regulamentos, mas onde todos precisam saber que devem respeitar o lugar, as pessoas, os bichos, as plantas…

Do jeito que acreditamos que precisa acontecer em nosso convívio com os ambientes naturais onde escalamos.

E é incrível quando tudo flui.

Foto: Patrici Albuquerque

Foto: Patricia Albuquerque

Hoje o Abrigo Lapinha possui 2 unidades, quais são as suas próximas inovações a serem implantadas no estabelecimento?

Alem da casa na Lapinha, ano passado inauguramos nova unidade em Fidalgo, bem próxima à Lapa do Antão.

Nos feriados as casas ficam cheias e pra isso incrementamos a área de camping na Lapinha e também montamos uma parceria com a pousada Estância das Violetas  que fica aqui ao lado e oferece 4 suítes.

Para este ano, o objetivo é melhorar as instalações pros equinos que moram com a gente e que têm se mostrado muito competentes na condução de pessoas aqui nestes sertões. E Petya também tem se dedicado a planejar e fazer funcionar um sistema de reaproveitamento de água.

Tudo isto sem impedir o funcionamento normal dos Abrigos, que estão abertos todos os dias e prontos para receber viajantes a qualquer hora do dia ou da noite.

Implantamos uma oficina de ressolas e o índice de satisfação dos escaladores está alto.

Com um ano de funcionamento foram restaurados cerca de 150 pares de sapatilhas e sabemos que este é um serviço essencial nos polos de escalada esportiva.

Outro motivo de orgulho é que estamos produzindo e incentivando o consumo de produtos artesanais aqui da região (pães, bolos, queijos, doces, molhos, frutas desidratadas), o que tem gerado visibilidade e confiança da comunidade local no nosso trabalho e melhorado a imagem dos escaladores junto a estas pessoas.

Grande incentivo para continuarmos trabalhando

leandro-reis-6

Foto: Acervo pessoal Leandro Reis

Após tantas pessoas terem ficado hospedadas no seu estabelecimento, você saberia colocar isso em números?

Não, não sei.

Alguma estimativa eu poderia fazer mas acho que este número não é tão importante.

É uma grande satisfação verificar que a maioria dos frequentadores quer voltar mais e mais vezes, ou ficar mais tempo na próxima viagem, ou trazer a família para conhecer…

Enquanto isto continuar acontecendo, está bom.

E espero que continue acontecendo sempre

Foto: Acervo pessoal Leandro Reis

Foto: Acervo pessoal Leandro Reis

Você já fez parte da FEMEMG, quais foram os ensinamentos que tirou desta experiência?

A FEMEMG soube cumprir até agora seu papel de legitimadora das iniciativas locais dos escaladores, que se fortificaram e se ampliaram, consolidando áreas de escalada que já tinham tradição aqui em Minas e estabelecendo outras novas.

Falando de aprendizado, percebi que existem muitas armadilhas no universo das entidades representativas.

Muitas pessoas realmente acreditam que ditar regras e estabelecer dogmas em uma atividade tão livre quanto a escalada poderia efetivamente mudar a realidade dos campos-escola e do acesso às áreas naturais.

E minha convicção é de que a única maneira de mudar uma realidade é fazendo parte dela e trabalhando continuamente com as demais pessoas envolvidas.

Qualquer coisa diferente disto me lembra das ditaduras e de outras distorções políticas que vemos por ai.

leandro-reis-2

Vários lugares de escalada são fechados por mau comportamento de escaladores. Qual a sua opinião a respeito disso?

Foto: Portugal Braga

Foto: Portugal Braga

Não concordo.

A minha opinião é de que áreas de escalada são fechadas porque são mau administradas, ou porque são administradas para atender outros interesses.

Seja essa administração formal ou informal, pública ou privada, instintiva ou institucionalizada e burocratizada.

Qualquer uma delas pode funcionar.

Mas é importante ter como objetivo resolver os problemas do lugar (incluindo o mau comportamento de alguns) e identificar oportunidades geradas pelo fluxo destas pessoas.

Aqui em Minas Gerais experiências muito positivas de bom gerenciamento servem pra ilustrar o que estou dizendo.

Salvo  Lapa do Antão, salvo Sítio do Rod, salve a Bocaina, salve Sabará e Serra do Cipó, salve os setores de Montes Claros e região, salve quem está disposto a desenvolver mais e mais polos de escalada, e cuidar deles para que permaneçam de portas abertas.

Se fosse para você traçar o perfil dos escaladores que frequentam o seu abrigo, como ele seria?

Muita diversidade… Mas alguns padrões podemos identificar na maioria. 90% dos hóspedes  vêm de longe.

Apesar da proximidade com Belo Horizonte, ou até mesmo devido a ela, verificamos que a maioria dos escaladores da capital preferem voltar pras suas casas.

Interior de Minas está sempre representado… de outros estados, paulistas, cariocas, gaúchos e capixabas ficam no ranking dos mais frequentes.

A temporada já se dilui durante todo o ano, em viagens de final de semana, e se fortalece nos feriados.

 O público internacional é variado demais da conta… 

Além de europeus de diversos países, já temos certa regularidade na frequência dos hermanos latinos, principalmente de Chile, Argentina, Uruguai e Colômbia.

Alguns ficam uma semana ou duas e outros se empolgam, ficando até três meses e se encaixando na rotina de trabalho dos Abrigos para viabilizar a estadia.

O que todos têm em comum? Gostam do lugar, da pedra, das pessoas, vai saber…

Foto: Acervo pessoal Leandro Reis

Foto: Acervo pessoal Leandro Reis

Comente agora direto conosco

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.