Crítica do filme “Silence”

No início dos anos 2000, havia um considerável número de escaladores que se enamoraram da ideia de que a escalada indoor e na rocha era mundos separados. À época todos acreditavam que, para escalar em alto nível na rocha, era somente necessário estar ali na base das vias e as masturbando incessantemente. Estas pessoas tinham como credo de que aquele que gastava um tempo no ginásio, ou mesmo utilizando métodos científicos, para atingir o objetivo apenas iria perder o seu tempo.

Todos estes puristas pareciam querer estabelecer a escalada com a cultura dos Amish, os quais são conhecidos por seus costumes conservadores, e assim viver em um mundo à parte da realidade. Uma busca injustificada de um purismo desnecessário e ignorante que cada vez mais perde espaço nos dias de hoje.

Adam Ondra

Seguramente estas mesmas pessoas devem ter vomitado sangue de ódio quando assistiram ao filme “Silence”. Nele o escalador Adam Ondra estabelece o, outrora impensável, grau de 13a brasileiro (9c francês), utilizando ciência, ajuda fisioterápica e investindo muitas horas em um ginásio de escalada particular. Munido de uma humildade singular, além de um inabalável senso de trabalho e em equipe, o escalador tcheco faz questão ainda de agradecer a todos ao reconhecer, sem nenhum constrangimento, que todos foram importantes na sua conquista. Esta cena simboliza a mudança de paradigma na escalada esportiva e a consolidação da nova geração de produtores de filmes de escalada e de escaladores.

O filme “Silence”, dirigido e editado pelo argentino Bernardo Giménez, documenta a busca obstinada de Adam Ondra em encadenar uma via de escalada graduada em 9c francês (13a brasileiro) em Flatagen, na Noruega. Esta graduação, até então, nunca tinha sido escalada no planeta. Na produção o diretor não se esquivou de mostrar todos os recursos que Ondra utilizou para conseguir, tampouco o lado mais humano e frágil do escalador. Obviamente que, mesmo com uma abordagem mais humana, fica evidente o quanto acima da média Adam Ondra é e em como ele não tem o menor pudor em utilizar ciência ou qualquer outro método eficiente para atingir seu objetivo.

Adam Ondra

Mesmo tendo curta duração (possui pouco mais de 17 minutos), “Silence” procura a todo tempo ser um filme simples e não criar um herói no estilo Highlander (que era orientado pela lei de que “somente pode existir um”), mas mostrar o ser humano Ondra, que mesmo sendo um dos escaladores mais fortes de todos os tempos, também fica enfermo e tem de consultar o médico. No filme há o detalhe interessante, que aponta uma tendência nas produções de escalada, o protagonista se emociona com as conquistas. Enquanto outrora filmes de escalada mostrava escaladores como gladiadores e guerreiros do esporte, a produção procura mostrar que Adam Ondra é “gente como a gente”.

Alternando momentos de vergonha alheia, com Adam Ondra cantando músicas pop italianas, com cenas emocionantes, o diretor Bernardo Giménez estabelece não somente uma empatia com o protagonista, mas também consolida uma tendência: mostrar personagens reais e humildes. Não há em nenhum momento desejo de criar um ídolo máximo, que possui a vida perfeita e que “deu certo na vida”. O que é exibido em toda a produção é que Adam Ondra, assim como as pessoas que o cercam, é que menos é mais. O próprio filme é prova disso, sendo contido e discreto em trilhas sonoras, efeitos especiais e elogios de amigos a Ondra.

Adam Ondra

Assim como a Marvel fez com os heróis em quadrinhos, quando incluíram problemas mundanos e reais aos heróis, Giménez fez o mesmo com “Silence”. Assim como “Duro de Matar” (Die Hard, 1988) estabeleceu um novo tipo de protagonista em filmes de ação (mais humano e menos brucutu), “Silence” faz o mesmo com Adam Ondra. Desta maneira, com sobras “Silence” começou, sem trocadilho, silenciosamente a aposentadoria do formato desgastado de filmes de escalada. Formato este que parecia tentar emular entre os escaladores o ditado do anel de “Senhor dos Anéis” (The Lord of the Rings, 2002) : Um anel para governar todos os outros (neste caso substitua a palavra anel por escalador).

O grande mérito de “Silence” não é somente documentar um momento histórico de um esporte, que é o estabelecimento do grau 9c francês, mas de apontar de maneira simples e eficiente os rumos que devem ser tomados em produções do gênero. Desta maneira há, ao mesmo tempo, o estabelecimento de um marco no esporte. O da adoção da simplicidade, valorização da humildade do protagonista e, principalmente, reconhecimento e uso das ciências do esporte e utilização de recursos possíveis. O mais espantoso foi que “Silence” fez tudo isso de maneira simples, mas terminando de maneira apoteótica, entrando para a história como uma espécie de divisor de águas do esporte.

Nota Revista Blog de Escalada:

Adam Ondra

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