Quem foi Vitaly Abalakov: O montanhista sobreviveu a Stalin

Embora pouco difundido, o russo Vitaly Abalakov foi um dos maiores inventores de equipamentos para montanhismo de todos os tempos. É creditado a Abalakov até mesmo a invenção de rudimentos do que hoje conhecemos como Friends e Camalot (sistema SLCD de proteção).

Abalakov era conhecido como “O Pai do Montanhismo Soviético”. Um dos primeiros a praticar o montanhismo de maneira mais profissional dentro do sistema socialista. O russo contribuiu muito para o desenvolvimento da escalada russa e, junto de seu irmão Yevgeniy Abalakov, foram os primeiros montanhistas russos a chegar ao cume do Pico Lenin (7.134 m) em 1934.

Stalin e o montanhismo

Vitaly Abalakov

Josef Stalin (na verdade seu nome verdadeiro era Ioseb Besarionis Djugashvili e sequer era russo, e sim natural da Geórgia) foi um ditador da extinta União Soviética (URSS), governando o país de 1924 até 1953. A partir da década de 1930 Stalin implantou uma economia centralizada, estimulando a industrialização e a coletivização de propriedades agrícolas.

Seu regime totalitário perseguiu e matou opositores e realizou transformações profundas na União Soviética, que ainda funcionava como uma espécie de feudalismo, fazendo do país uma potência industrial. Além disso, é atribuído a ele ser o pai da Guerra Fria.

Por ser considerado por historiadores como um monstro, Stalin, é claro, não era um ‘cara legal’: sua esposa Nadejda Krupskaia se matou, um filho bebeu até morrer, outro foi prisioneiro dos alemães e Stalin recusou a oferta de trocá-lo, uma filha desertou para o Ocidente e incontáveis ​​milhões de cidadãos soviéticos e seus vizinhos morreram. Ele também assassinou “por procuração” milhões de outras pessoas em vários países que formaram o bloco comunista. Stalin conseguiu criar “uma sociedade na qual todos tinham medo”.

Durante sua vida anterior ao seu governo viveu uma situação que se repetiu por anos: prisão e exílio na Sibéria por seis vezes entre os anos de 1902 e 1913. Todas as vezes conseguiu fugir de seu exílio. Assim nasceu sua fama de ser o “montanhista no Kremilin”, como define o livro biográfico do historiador e jornalista Paul Johnson “Stalin: The Kremlin Mountaineer“.

No início do século XX, o montanhismo e atividades de exploração de lugares remotos eram atividades usadas para fins políticos. Stalin, assim como outros governantes, viu no montanhismo uma maneira de enaltecer as autointituladas grandezas da nação que governava. Quando subiu ao poder, o cume das montanhas mais altas do país não haviam sido pisadas por nenhum soviético.

Em 1932, dois grupos alpinistas encontraram um pico misterioso não documentado por expedições anteriores com 7.495 metros acima do nível do mar. Quando Joseph Stalin celebrou seu 55º aniversário em 1933, o novo pico foi incluído no mapa da União Soviética e batizado de Pico Stalin.

Vitaly Mikhaylovich Abalakov

Vitaly Mikhaylovich Abalakov nasceu em 13 de janeiro de 1906 na Sibéria, em um assentamento perto da cidade de Yeniseisk. Seu pai Mikhail Onisimovich, segundo o próprio Vitaly era guarda-caça, mas na realidade foi revelado por uma reportagem biográfica que era um empresário rico, que possuía minas de ouro no norte da região de Yenisei. Sua mãe também era de uma família rica, com pais donos de barcos a vapor.

Presumivelmente, eles, como muitos outros industriais na revolução russa, desapareceram sem deixar vestígios após a revolução como típicos “inimigos do povo”. Segundo documentos oficiais, a mãe morreu no parto, e seu pai, em 1909, de uma doença grave.

Após a morte de seus pais, Vitaly foi levado a casa de parentes, junto com seus irmãos. Seus parentes os levaram para Krasnoyarsk, localizada muito ao sul, onde cresceram com seu tio. A mudança para Krasnoyarsk desempenhou um papel fundamental na carreira de escalada dos irmãos, pois a cidade é o berço de escaladores e montanhistas da Rússia.

Os irmãos Abalakov começaram a escalar com 12 e 13 anos, respectivamente. A partir de 1917 Vitaly interessou-se por esportes, primeiro escalada e depois outros esportes, especialmente esqui, patinação e natação.

No ano de 1925, depois de se formar na escola, foi enviado para o Instituto de Tecnologia Química de Moscou Mendeleev, a faculdade de mecânica da qual se formou em 14 de março de 1930. Ainda estudante, Vitaly começou a organizar expedições às regiões montanhosas na região e, depois de se formar em 1931-1932, fez várias primeiras ascensões soviéticas ao Cáucaso Central. Sabe-se que em 1931 pagou as férias nas montanhas com os fundos recebidos para o pedido de patente.

Vitaly Abalakov é conhecido como “O Pai do Montanhismo Soviético”, sendo um dos primeiros a praticar o montanhismo de maneira séria. Abalakov contribuiu para o desenvolvimento da escalada soviética como o líder das primeiras ascensões de montanhistas de seu país.

Como engenheiro mecânico soviético, montanhista e inventor, Vitaly era um inventor criativo e obstinado. Foi membro da primeira equipe soviética a visitar os EUA e foi nomeado membro honorário do American Alpine Club em 1976.

No início dos anos 1930, ele ganhou destaque realizando ascensões notáveis ​​nos Pamirs, Tien Shan, Altai e no Cáucaso. Seus parceiros de escalada incluíam a esposa Valentina Cheredova (a melhor escaladora soviética de seu tempo), e o irmão Yevgeniy, a primeira pessoa a atingir o cume do Pik Kommunizma (7.495 metros), o mais alto da então União Soviética.

No ano de 1936 fez uma escalada Khan Tengri (7.010 m), enfrentou uma violenta tempestade e perdeu vários 13 dedos dos pés e parte de um outro pé após sofrer congelamento. Vitaly parou de escalar, voltando à atividade somente 15 anos depois . Quando se recuperou, o soviético embarcou em um programa de exercícios intensos que serviu de base para montanhistas como Hermann Buhl, Hong-Gil Um e Reinhold Messner eu suas respectivas preparações físicas. Os nomes citados são todos que escalaram todas as montanhas com mais de 8.000 metros.

A prisão

Sob o governo de Stalin, o terror ultrapassou todas as fronteiras concebíveis. Qualquer um que, mesmo remotamente, pudesse ser um “inimigo do povo” ou mesmo que fosse injustificadamente suspeito de fazê-lo, acabava na prisão. A partir de 1934, sentenças instantâneas foram proferidas quase sem julgamento. Em 1937, foram estabelecidas cotas de prisão que deveriam ser cumpridas.

De 1937 a 1938, foram detidos 767.397 cidadãos, dos quais 386.798 foram executados. Esta foi a época mais negra da história soviética. Sob tortura, os nomes de pessoas inocentes foram obtidos e novas ondas de prisões aconteceram por todo o país. Uma delas também capturou a elite do montanhismo soviético.

Fotografias de montanha tornaram-se a base para suspeitas de espionagem em regiões de fronteira, e materiais estrangeiros sobre montanhismo recebidos por escaladores de estrangeiros foram considerados traição à pátria.

Assim Vitaly foi acusado de participar de uma organização de espionagem cujo objetivo era “neutralizar os melhores escaladores”. Foi acusado ainda de admirar tudo o que é estrangeiro e preferir o equipamento estrangeiro ao equipamento soviético.

Vitaly era um membro ativo da OPTE, uma organização dedicada ao lazer e ao esporte, mas que quase não estava sob o controle do estado e do partido. Do ponto de vista do estado totalitário, o OPTE era uma fonte de alimentação para os livres-pensadores anticomunistas. Assim todos os membros foram condenados e presos. De acordo com o relatório de interrogatório, Vitaly traiu vários outros escaladores. Todos foram executados, por exemplo, seu amigo íntimo Georgy Kharlampiev.

O próprio Vitaly cumpriu dois anos de prisão, perdeu muitos dentes sob tortura e, de acordo com uma rara lista de anistiados, foi libertado em 1940. Depois disso Abalakov se dedicou principalmente ao trabalho pedagógico, de design e de pesquisa. Após sua liberação, trabalhou como engenheiro sênior e designer-chefe do Laboratório Central de Equipamentos Esportivos da União Soviética.

Na década de 1950, durante sua reabilitação, escreveu um artigo de 16 páginas sobre as qualidades humanas de cada montanhista desapareceu sob a influência da tortura.

O legado

Durante esse tempo, o russo criou um complexo de equipamentos para novas técnicas de montanhismo e uma série de simuladores e equipamentos originais para desfiles e apresentações estrangeiras de atletas soviéticos. A partir de 1945 Abalakov começou a escalar novamente à frente da equipe de mestres da sociedade de montanhismo “Spartak”. Vitaly ganhou o campeonato da URSS 12 vezes e não teve um único caso de acidente ou lesão.

Sua preparação consistia técnicas um tanto pouco ortodoxas, como dispensar luvas no inverno da Rússia temperava suas mãos contra o frio. O Inverno russo dura 5 meses (novembro até o final de março) e dependendo da localidade atinge temperaturas médias de -55 a -69°C.

Os exercícios de ginástica idealizados por Abalakov fortaleciam os braços e os dedos. O russo conseguia fazer flexões com apenas um braço. As corridas de esqui desenvolviam o sistema cardiovascular para a eficiência de um atleta profissional.

Engenheiro de profissão, Abalakov desenvolveu vários tipos de equipamentos de escalada, muitos deles construídos em titânio leve. A maior parte de seu talento, no entanto, foi investido no Instituto Central de Pesquisa Científica do Esporte da extinta União Soviética, onde por vinte anos ocupou o cargo de diretor de laboratório.

Lá Abalakov se especializou na construção de dispositivos para monitorar o desempenho atlético em diferentes esportes. Seu trabalho foi creditado com a melhoria dos métodos de treinamento atlético na URSS e em outros países socialistas. O russo trabalhou no equipamento para a bem-sucedida expedição soviética ao Monte Everest (8.849 m) em 1982 e deu palestras em todo o seu país, encorajando jovens a se envolverem em organizações de montanhismo.

Vitaly impressionou especialmente a UIAA com sua máquina de teste de corda, que, sem dinheiro e materiais, foi simplesmente presa a duas árvores na floresta e usada com sucesso. Para as Olimpíadas de Moscou, em 1980, desenvolveu não só efeitos de iluminação, mas também aparelhos de ginástica transformáveis,

Seu livro de Abalakov “Basics of Mountaineering” foi traduzido para vários idiomas. Preparou e conduziu 72 atividades de montanhismo como chefe, técnico sênior, capitão e líder. Na sua cidade natal, Krasnoyarsk, há uma rua com o nome dos irmãos Abalakov. Pelo sucesso na atividade esportiva e pedagógica em 1935 foi agraciado com o título de Mestre Homenageado do Montanhismo, em 1942, Mestre Homenageado do Esporte da URSS, em 1961 e Treinador Homenageado da URSS.

Vitaliy Abalakov faleceu aos 80 anos em Moscou em 26 de maio de 1986.

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