O que é hiking e qual a sua história?

Conforme explicado em diversos artigos aqui na Revista Blog de Escalada, hiking e trekking são atividades aparentemente semelhantes, mas, ao menos para a indústria, com diferenças entre si. O hiking é uma das atividades outdoor mais populares do mundo, mas você sabe como surgiu a caminhada pela primeira vez?

A história do trekking foi já explicada em um artigo aqui na Revista Blog de Escalada, mas ainda não foi explicado detalhadamente sobre o hiking e, para quem não sabe (ou possui conhecimento superficial sobre o assunto) difere do trekking, backpacking (conhecido como mochilão no Brasil) e do montanhismo.

De onde vem o termo hiking?

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Historicamente, o idioma inglês originou-se da fusão de línguas e dialetos, que hoje coletivamente são denominados como “inglês antigo”, e que foram trazidos para a costa leste da Grã-Bretanha por povos germânicos (anglo-saxões). O período anglo-saxão denota o período na Grã-Bretanha entre cerca de 450 e 1066 d.C..

O idioma inglês teve assimilação das palavras de muitos outros idiomas ao longo da história moderna. O inglês foi mais influenciado pela língua nórdica antiga (uma língua germânica setentrional falada pelos habitantes da Escandinávia), devido as invasões viquingues nos séculos VIII e IX.

Assim, o termo hiking vem do inglês dialetal (variedade regional do idioma corrente à época) hyke, que significa “andar vigorosamente”. O termo é considerado uma variação do que no norte do Reino Unido era dito hitch, e do inglês médio hytchen, hichen, icchen e que significava “mover, sacudir, mexer”.

O termo também vêm do escocês hyke que significa “mover-se com um solavanco”, do dialético alemão hicken, que significa “mancar, andar mancando” e do dinamarquês hinke que significa “pular”.

Graças ao fato de não vivermos em uma sociedade opressiva com um governo totalitário que usa para sua vigilância as teletelas, e proíbe o uso de determinadas expressões, existem muitas palavras para descrever a ação de caminhar. Caminhar é um verbo e também existe passear, divagar, andejar, calcorrear, marchar, andar, saltitar, peregrinar, rodar, seguir, etc.

O que é exatamente o hiking?

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John Muir

A ideia de passear pelas trilhas é bastante divertida, mas John Muir, notoriamente não gostou do termo hike (caminhada em português). Muir teve papel fundamental na criação das primeiras áreas protegidas norte-americanas e é considerado um dos fundadores do movimento conservacionista moderno. Para ele o homem era parte da própria natureza, e como tal, não poderia ser dotado de direitos maiores que os animais.

Para John Muir “as pessoas deveriam passear nas montanhas, não fazer caminhadas (hike em inglês)”. No entanto, apesar de seus esforços, hoje partimos para as trilhas usando nossas melhores botas de caminhada (hiking boots), não nossas melhores ‘botas de passeio’.

‘Hiking’ se tornou o termo mais comumente usado para descrever o processo de fazer uma caminhada revigorante no campo. Um hiking costuma ter um pouco de aventura, ocupando boa parte do dia e exigindo que a pessoa carregue suas provisões em uma mochila, sendo mais do que um passeio simples e curto.

Conforme explicado no artigo sobre as diferenças com o trekking (a palavra trek significa migrar), o hiking, para a indústria de equipamentos outdoor, é uma atividade que não fica implícito o uso de barracas para o pernoite e exige pouquíssimos, ou nenhum, equipamento de camping. Sendo assim, para a indústria de equipamentos outdoor, o hiking exige equipamentos mais leves e com menor capacidade de carga.

A história do hiking

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Francesco Petrarca

Houve um tempo em que as montanhas não eram vistas como lugares a serem procurados para lazer, mas como habitat de terríveis criaturas para serem temidas e evitadas. Por exemplo, o Rübezahl, era um espírito de uma montanha do folclore alemão, o Iéti, uma criatura que supostamente viveria na região dos Himalaias, os Óreas, os deuses das montanhas na mitologia grega. e por aí vai.

Francesco Petrarca pode ser conhecido como o ‘pai’ do hiking. Pesquisador e filólogo (estudo da linguagem em fontes históricas escritas), divulgador e escritor, é mais tido como o “pai do Humanismo”, uma filosofia moral que colocava os humanos como os principais numa escala de importância, no centro do mundo. É ele, inclusive, quem fixa a forma do soneto (poema composto por 14 versos).

Petrarca é frequentemente mencionado como um dos primeiros exemplos de alguém que caminhava por lazer. Ele buscava refúgio nos Montes de Vaucluse, na região da Provença (França), para seus momentos de meditação.

Em seus diários, é relatado que no ano de 1336, junto de seu irmão mais novo Gherardo e dois servos, escalou o topo do Monte Ventoux (1.912 m). Um feito que ele empreendeu por recreação e não por necessidade.

O jornalista e escritor francês Jean-Louis Hue, no livro L’Apprentissage de la Marche, registrou que, na época, caminhar não tinha o mesmo sentido de agora. Não se andava por esporte ou para a contemplação, mas por necessidade ou peregrinação a algum lugar santo.

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No entanto, a ideia de passear na natureza só se desenvolveu realmente durante o século XVIII na Europa e surgiu devido às mudanças de atitudes em relação à paisagem e à natureza associadas ao movimento romântico. Antigamente, andar longas distâncias geralmente indicava pobreza e também estava associado à vadiagem.

Além disso, culturalmente falando, longas caminhadas eram realizadas como parte das peregrinações religiosas. Mas, como dito, o movimento do Romantismo do final do século XVIII mudou tudo isso.

O Romantismo foi o principal movimento do final do século XVIII e início do século XIX. Foi, acima de tudo, um movimento artístico, político e filosófico e durou por grande parte do século XIX. Era um movimento consequente do movimento literário romântico alemão Sturm und Drang que ocorreu no período entre 1760 a 1780.

Na Europa, o Romantismo data do final da década de 1760, com centenas de autores que fizeram parte da arte romântica, e se estendeu até o fim do século XIX. Em 1774, Johann Wolfgang von Goethe publica Die Leiden des jungen Werthers (Os Sofrimentos do Jovem Werther) e marca o início do romantismo.

Com a obra Goethe é apresentada a ideia central do Romantismo: a de que a força mais poderosa da vida é o sentimento, e não a razão. O Romantismo foi um movimento fértil em temática e autores, abordando desde amores inatingíveis às questões sociais. Por volta de 1820, o termo Romantismo já era amplamente usado em vários países europeus.

O Romantismo impactou significativamente e de maneira complexo na política, com pensadores românticos influenciando o liberalismo, radicalismo, conservadorismo e nacionalismo.

Seu contexto histórico nos remete à Revolução Francesa (1789) que levou a burguesia ao poder. Lembrando que a estética romântica é burguesa por excelência. Os românticos não viam mais a natureza como objeto de imitação, mas como objeto de inspiração para dar vazão ao sentimento.

A Revolução Francesa consistiu, em essência, na luta e busca de uma sociedade com mais harmonia, na qual se respeitassem todos os direitos individuais. Isso gerou a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão e do homem em geral e foi o documento culminante da Revolução Francesa.

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Uma outra consequência pós Revolução Francesa foi o escapismo e a utopia. O homem romântico ansiava pela fuga de sua realidade e poetas e escritores começaram a escapar das cidades, cada vez mais industrializadas, para explorar belas paisagens.

Não essencial para o Romantismo, mas tão difundido a ponto de ser normativo, havia uma forte crença e interesse na importância da natureza. Principalmente no efeito da natureza sobre o artista quando ele está rodeado por ela, de preferência sozinho.

Numerosos viajantes exploraram a Europa a pé no último terço do século XVIII e registraram suas experiências em livros e quadros. O exemplo mais conhecido foi Johann Gottfried Seume, que partiu a pé de Leipzig, na Alemanha, para a Sicília, na Itália, em 1801 e depois voltou para Leipzig, via Paris.

Sua caminhada para a Sicília levou nove meses e foi descrita em seu livro Spaziergang nach Syrakus (1803). Seume percorreu grande parte dos 6.000 km a pé e no livro descreve as impressões como uma experiência de viagem de uma nova maneira: subjetiva, idiossincrática, política, crítica, próxima à vida cotidiana.

Seume pode ser considerado também o pai das viagens de mochilão, pois anos depois, visitou a Rússia, Finlândia, Suécia e Dinamarca em uma viagem descrita em seu livro Mein Sommer im Jahr 1805 (1807).

Um grande número de outros autores seguiram o exemplo de Seume, que descreveu vividamente as respectivas condições e as convulsões do século XIX em suas obras. Exemplos são Ferdinand Freiligrath e Carl Schlickum.

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Thomas West

Paralelamente ao alemão, Thomas West, um padre escocês, popularizou a ideia de caminhar por prazer em seu guia para Lake District em 1778. Na introdução, ele escreveu que pretendia “estimular o gosto de visitar os lagos, fornecendo ao viajante um Guia”. O livro foi um grande sucesso.

Outro famoso expoente do caminhar por prazer foi o poeta inglês William Wordsworth, que em 1790, embarcou em uma longa viagem pela França, Suíça e Alemanha, e registrou em um longo poema autobiográfico The Prelude (1850). O amigo de Wordsworth, Coleridge, era outro caminhante entusiasta e, no outono de 1799, junto de Wordsworth empreenderam uma excursão de três semanas no Lake District.

Cada vez mais pessoas empreenderam passeios a pé ao longo do século XIX, dos quais o mais famoso é provavelmente a viagem de Robert Louis Stevenson pelas Cévennes na França, registrada em Travels with a Donkey in the Cévennes (1879). O livro é considerado um clássico pioneiro da literatura outdoor. Atualmente o caminho de Robert Louis Stevenson é conhecido como Stevenson Trail.

O crescente interesse pelo hiking motivou a criação e manutenção de grandes trilhas, como a Appalachian Trail, ou a rede de trilhas de longa distância e vê o surgimento dos clubes de caminhada. Jean Loiseau liderou o projeto para manter e marcar as trilhas na França.

O momento do nascimento do hiking em nível europeu é considerado aquele em que Henri Viaux, um caminhante francês, inaugurou em 1947 o primeiro percurso pedestre que podia ser percorrido com segurança graças às indicações que evitavam se perder.

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