A historia do trekking – Das caminhadas lúdicas às rotas de longa distância

A prática do trekking vem se popularizando ano após ano. O número de visitantes nos parques estaduais é um reflexo do aumento do interesse pela prática esportiva. Somente no ano de 2018, os parques nacionais brasileiros registraram aumento de 6,15% na visitação, um total de 12,4 milhões de pessoas.

Este é o segundo recorde consecutivo nos índices de frequência nos parques geridos pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Além dos parques nacionais, as Unidades de Conservação (UC) também receberam em 2018 um maior número de visitantes em relação a 2017. Os dados são do Ministério do Meio Ambiente.

Mas alguém já se perguntou como que a prática do trekking se popularizou? A história do montanhismo foi nos Alpes, como contada em artigo completo aqui na Revista Blog de Escalada, mas a prática lúdica, de somente passear na natureza sem objetivo exploratório, quando começou?

Para abordar a história do hiking e trekking, iremos não abordar a história do montanhismo. O que será abordado é o crescimento da existência da atividade de caminhar na natureza, sem haver espírito de exploração, simplesmente para refletir sobre a vida, observar a natureza e aproveitar o momento.

Era uma vez Thomas West

Pintura Romantica inglesa

A ideia de passear na natureza apenas por prazer se desenvolveu no século XVIII, por causa da mudança de pensamento das pessoas em relação às paisagens e à natureza. Esta mudança de mentalidade que aconteceu na sociedade é associada ao Romantismo, um movimento artístico, político e filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII na Europa.

Tecnicamente falando, o culto à natureza e à imaginação já havia começado com os escoceses no século XIII. Porém se espalhou a outros países muito lentamente com o Romantismo. Na verdade o romantismo surgiu na Europa, em uma época em que o ambiente intelectual era de grande rebeldia. Inicialmente considerado apenas uma atitude, uma espécie de estado de espírito, o romantismo toma mais tarde a forma de um movimento intelectual.

Os autores românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo. Caminhar pela natureza tornou-se então o símbolo máximo de escapar das grandes cidades que começavam a se formar após o final do feudalismo europeu. No ambiente social europeu, imperava o inconformismo.

O romantismo surge inicialmente na região que conhecemos hoje como Alemanha e Inglaterra. A natureza funciona quase como a expressão mais pura do estado de espírito do poeta, e caminhar passou a ser uma atividade de busca para inspirações e criação de conteúdo dos poetas.

O primeiro caminhante “sem propósito”, historicamente documentado, é o italiano Francesco Petrarca, que em 1336 e seu irmão subiram o Mont Ventoux (1.900 m). Mas historicamente falando, o termo Wanderer (hiking ou trekking) também era conhecido na Alemanha na Idade Média. Na Alemanha, somente com o Iluminismo (movimento intelectual e filosófico durante o século XVIII), que começaram a haver aulas para o contato com a natureza.

Após o Iluminismo, os românticos assumiram a caminhada e moldaram sua imagem que existe até hoje. Harz, Rügen e a Suíça Saxônica eram os destinos favoritos dos românticos na época. Como os iluministas ainda pareciam hostis ou depreciativos, os românticos tornaram a caminhada socialmente aceitável.

Anteriormente ao século XVIII, a caminhada na natureza geralmente indicava pobreza e era associada à vadiagem do indivíduo. Thomas West, um padre inglês, foi quem popularizou a ideia de caminhar por prazer em seu guia para o Lake District de 1778, que foi um grande sucesso.

O padre jesuíta foi um dos primeiros a escrever sobre as atrações da região. Em parte através de seu livro A Guide to the Lakes, a visão romântica da paisagem e do deserto do norte da Inglaterra inaugurou um período de turismo contínuo na região

Lake District

West foi um dos primeiros escritores a desafiar a vista do norte selvagem e natural. Seu livro foi um dos primeiros a enfatizar a noção de ambiente pitoresco. O livro de West foi o começo da era do “verdadeiro turismo” no Lake District.

O Lake District é uma região da Inglaterra que ocupa uma área de mais de 2.200 km² e até hoje é uma das áreas preferidas dos ingleses para a prática de trekking. A região tornou-se o primeiro parque nacional do Reino Unido a ser agraciado com o status de Patrimônio Mundial da UNESCO.

Crescimento do Romantismo

William Wordsworth

Outro expoente famoso da caminhada por prazer foi o inglês William Wordsworth, o maior poeta romântico de seu país. Em 1790, Wordsworth embarcou em uma longa turnê pela França, Suíça e Alemanha, uma jornada gravada posteriormente em seu longo poema autobiográfico “The Prelude”.

Já na segunda geração de poetas românticos ingleses havia John Keats , que realizou em 1818, um notório passeio a pé pela Escócia, Irlanda e Lake District com seu amigo Charles Armitage Brown. Apesar do percurso não ter ficado conhecido, é considerado por muitos como a primeira prática lúdica de caminhadas pela natureza.

No auge do movimento romântico europeu, mais e mais autores começaram a exercer a prática, não somente na Inglaterra, mas também na França e Alemanha. Na época vários livros surgiram da experiência de autores românticos praticando a caminhada como atividade lúdica e institucional.

O alemão Karl Baedeker publica no início do século XVIII guias nos quais descreve caminhos para pedestres, o “Guia de Viagem Baedeker”. Na França, em 1837, é publicado o primeiro guia de caminhadas na floresta de Fontainebleau.

Na Holanda, o pastor, professor, escritor e desenhista Jacobus Craandijk teve um papel importante no desenvolvimento do trekking e hiking em seu país. Ele relatou todas as caminhadas em livros que receberam o título “Wandelingen door Nederland met pen en potlood”. A primeira parte apareceu em 1875 e a última parte em 1888. As obras de Craandijk fornecem uma riqueza de informações sobre como era a Holanda no século XIX e sua história.

Revolução industrial

Manchester

A Revolução Industrial é um divisor de águas na história. Quase todos os aspectos da vida cotidiana nos séculos XVIII e XIX foram influenciados de alguma forma por esse processo. Entre 1760 a 1860, a Revolução Industrial ficou limitada, primeiramente, à Inglaterra. A segunda etapa ocorreu no período de 1860 a 1900, quando Alemanha, França, Rússia e Itália também se industrializaram.

Devido à industrialização na Inglaterra, as pessoas começaram a migrar para as cidades onde os padrões de vida eram insalubres. Para escapar deste estilo de vida insalubre, começou a ser comum as pessoas saírem dos limites da cidade para caminhar no campo.

A partir de meados do século XIX, houve uma crescente institucionalização da caminhada através de trilhas e clubes de montanha.

Clubes majoritariamente burgueses (nova classe social que ascendeu com a revolução industrial) foram pioneiros no desenvolvimento da natureza por meio de trilhas, placas, mapas de trilhas, abrigos e torres de observação.

Londres em 1875

Na Inglaterra, particularmente nas áreas urbanas de Manchester e Sheffield, toda a região era feita de propriedades privadas. Os proprietários destas terras começaram a ver estas pessoas andando pelas suas propriedades como uma invasão.

Para coibir este comportamento os proprietários começaram a usar a lei de proteção à propriedade particular, alegando que estavam sendo invadidos por pessoas “não convidadas a entrar na propriedade”.

Clubes de caminhantes logo surgiram no norte da Inglaterra e começaram a fazer campanha política pelo “direito de vagar”. Um dos primeiros clubes desse tipo foi o Sunday Tramps, fundado por Leslie White em 1879.

Fundada na Alemanha em 1883, a Verband Deutscher Gebirgs- und Wandervereine, uma organização unificada para organizar os clubes de montanha e caminhadas na Alemanha. Suas organizações membros supervisionam até os dias de hoje cerca de 200.000 km de trilhas para caminhadas.

Os Naturfreunde, fundados em Viena em 1895, tornaram possível a caminhada para o proletariado pela primeira vez. Com um forte caráter socialista, eles abriram o primeiro Naturfreundehäuser, onde os caminhantes podiam passar noites e feriados baratos, sendo a semente dos albergues e hostels que conhecemos hoje.

Os projetos de lei sobre o acesso às montanhas, que exigiam “direito de perambular” por alguma terra privada, eram apresentados periodicamente ao Parlamento Inglês de 1884 a 1932. Todos sem sucesso. Somente em 1939 a Inglaterra assinou o decreto de Lei de Acesso à Montanha.

John Muir

John Muir

Um dos primeiros exemplos de interesse em caminhadas nos EUA é Abel Crawford, que abriu trilhas para o cume do Monte Washington (1,916.6 m), em 1819. Este caminho de 13,5 km é a mais antiga trilha de trekking usada continuamente nos EUA.

Como já citado aqui na Revista Blog de Escalada, as maiores influências em termos de consciência de atividades de natureza foi Ralph Waldo Emerson e, com maior destaque, Henry David Thoreau. Os escritos mais lembrados de Thoreau sobre a natureza e a caminhada originou seu livro mais famoso de caminhadas “Walking”.

Entretanto, sua obra anterior “A Walk to Wachusett “, de 1842, descreve um trekking de quatro dias que fez da cidade de Concord até o cume do Mount Wachusett (611 m).

John Muir

Porém, falar da origem do trekking como conhecemos hoje é impossível sem tocar no nome do escocês John Muir. Sua figura é tão importante que ele é conhecido, entre outras coisas, como o “Pai do Parques Nacionais Norte-Americanos”. Muir teve papel fundamental na criação das primeiras áreas protegidas norte-americanas e é considerado um dos fundadores do movimento conservacionista moderno.

Como descrito aqui na História do Parque Nacional do Itatiaia, John Muir foi o grande responsável pela criação do Parque Nacional de Yellowstone em 1841 e ele foi um marco na história das áreas protegidas. John Muir solicitou ao Congresso dos EUA o projeto de lei do Parque Nacional, aprovado em 1890, estabelecendo os Parques Nacionais de Yosemite e Sequoia.

Além disso, foi John Muir que fundou o Sierra Club em 1892, uma das organizações de conservação mais importantes dos EUA. O Sierra Club foi uma das primeiras organizações de preservação ambiental em larga escala do mundo. O clube organiza atividades de recreação outdoor e tem sido historicamente uma organização importantíssima para montanhismo e escalada nos EUA.

A qualidade espiritual e o entusiasmo de John Muir em relação à natureza, expressos em seus textos, inspiraram outras pessoas, incluindo presidentes e congressistas norte-americanos, a tomar medidas de preservação de grandes áreas naturais.

Trekkings de longa distância

Slovenian Mountain Trail

No final do século XX, mais precisamente após a Segunda Guerra Mundial, houve uma proliferação de rotas de longas distâncias. Algumas oficiais e outras não oficiais.

Os primeiros exemplos de percursos de longa distância incluem a Appalachian Trail (criada em 1923) nos EUA, Slovenian Mountain Trail (1950) na Eslovênia, Pennine Way (1965) e The South West Coast Path (1978) na Grã-Bretanha, Te Araroa Trail (1975) na Nova Zelândia e Grand Italian Trail (1995) na Itália

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