Uma temporada de escaladas quase perfeita em Chalten

Por Leandro Oliveira Iannotta (Mr. Bean)

Em 19 de novembro de 2017 decido ir a El Chalten. Mando uma mensagem de voz ao amigo e parceiro de escalada Wagner Machado. Lembro como se fosse hoje: “Vamos fevereiro para Chalten? Parceria nós dois velho. Dupla. Vamos tentar o Fitz Roy… Se for para ir… Nós dois focados, quero ir com você e voltar com você”.

Assim começa várias leituras, conversas e no final de dezembro Wagner me chama em sua casa e com o computador aberto me mostra as passagens aéreas. Pronto! Sem pensar muito estava feito. Volto para casa mais forte, focado e feliz, sabia que estava próximo meu encontro com Fitz Roy.

Foto:
Leandro Oliveira Iannotta

Com a passagem nas mãos comecei a organizar meus equipamentos de escalada e, claro, faltava muita coisa. Esta era a primeira vez que ia caminhar sobre glaciares e escalar no gelo, porém após vários anos de escalada e parcerias consegui emprestado com grandes amigos alguns equipamentos.

Durante uma ida à Decatlhon em Belo Horizonte conheci os responsáveis pelo setor de Montanhismo e Esqui e fizemos uma parceria, me apoiaram com o equipamento que faltava.

Chegando em El Chaltén

Estava tudo dando certo e a cada dia me sentia mais confiante. Imaginava os lagos, glaciares os ventos e as montanhas que tanto havia visto por fotos e filmes. Saímos da Serra do Cipó dia 23 de janeiro de 2018 bem cedo em direção ao Aeroporto Internacional de Confins e após algumas horas e paradas chegamos as 16:20 em El Calafate. Buscamos um transporte para El Chaltén, que estava a 230 km de distância. Tudo era novo para mim e buscava aprender e assimilar o máximo possível, pois a escalada já havia começado.

Chegamos a El Chaltén no final da tarde. Não conseguia conter meu sorriso e admiração pelas montanhas e suas dimensões. Ainda da estrada avistei o Monte Fitz Roy as agulhas ao seu redor e a esquerda entre as nuvens o Cerro Torre. Impressionante! Fomos direto para casa da “Nati” escaladora e amiga de Wagner, que nos recebeu com grande sorriso e nos informa sobre os outros escaladores brasileiros que “subiram para montanha”. Uma forma local de dizer quando vamos escalar alguma das diversas agulhas ao redor de El Chaltén. Fizemos um choripan (pão com linguiça), tomamos um vinho e logo fomos dormir, porque chegamos em uma janela (período de tempo bom). No dia seguinte subiríamos para a montanha e eu não via a hora.

Foto: Wagner

Decidimos escalar a Agulha Guilhaumet pela via “Comesãna-Fonrouge”, velha conhecida de Wagner, mas devido à viagem e a longa caminhada chegamos tarde ao setor Pedras Negras amontoado de pedras usado como bivaque pelos escaladores. Caminho para algumas agulhas e para uma face do Fitz Roy, subimos a rampa de neve que da acesso à base da via, mas devido a condição da neve demoramos e decidimos voltar ao local de bivaque para escalar somente no dia seguinte.

No dia seguinte escalamos a via “Brenner-Moschioni” de 300 metros, 6b francês (6sup brasileiro) também na agulha Guilhaumet. Concluímos a via, mas não fizemos o cume da agulha devido o receio de mudança brusca do clima. Descemos por uma via de gelo usando os crampons, chegando até o inicio do passo superior, um glaciar incrível que leva a uma das faces do Fitz Roy. Continuamos por trilha até o pedras negras. Organizamos os equipamentos e voltando para El Chaltén, refleti sobre como é difícil alcançar o cume destas agulhas. Não pela escalada em si, mas por outros fatores importantes como o clima, parceria e a logística que são fundamentais para o sucesso da escalada.

Em Chalten conheci e convivi com grandes escaladores (as) argentinos e brasileiros. A vila vive a natureza, os animais, rios, lagos e glaciares as travessias e caminhadas, a escalada seja boulder, esportiva ou tradicional. Fiquei maravilhado com tudo ali, mas não conseguia desviar meu foco das agulhas. Ficava inquieto e esperando a janela para subir para montanha.

Foto: Wagner Machado

Vale do Cerro Torre

A segunda experiência foi tão rica quanto a primeira. Éramos cinco escaladores e saímos de Chalten em direção ao Vale do Cerro Torre. Estava motivado apesar do site de meteorologia apontar apenas um dia e meio de tempo bom. Caminhamos 10 km de trilha, atravessamos o glaciar Torre até o bivaque Niponino, montamos as barracas e preparamos uma sopa. Enquanto comíamos, dentro de uma das barracas, observamos o aumento da velocidade do vento. Vento este que não demorou muito para quebrar uma das barracas.

Pela manhã saímos em direção da Agulha de La Medialuna. Quando chegamos havia alguns escaladores na via “Rubio y Azul” então buscamos a “Variation” 200 metros, 6c francês (7a brasileiro). Entretanto, na segunda enfiada, o vento aumentou muito e dois escaladores resolveram voltar. Logo decidimos também descer e nos juntar a eles. Quando olhei para cima mais uma vez, ali estava ele: Cerro Torre. Sem parar, continuei descendo e caminhando em direção a Chalten. O vento me ajudava.

Na segunda semana chegou a janela esperada para tentarmos o Fitz Roy. Pensamos escalar a via: “Mate, Porro y todo lo demás”. A cordada era eu, Wagner e Lucas. Pensamos a logística e organizamos todo o equipamento, chegamos ao pedras negras na tarde anterior à janela. O clima não estava bom, muito frio e nevando, encontramos com um amigo e escalador argentino que estava com objetivo de escalar uma via próxima a nossa. Ele havia desistido devido às fissuras estarem congeladas e isso já era indício de que teríamos problemas.

Resolvemos montar a barraca no caminho da via no passo do quadrado. A noite foi a mais fria do mês: -15 graus de temperatura. Tivemos dificuldades, mas na manhã seguinte resolvemos mudar a estratégia e nos juntar a outras duas cordadas: uma de amigos brasileiros e outra um casal de argentinos para escalar a via AFANASSIEFF. Sinceramente nossa logística estava completamente errada, pois estávamos muito pesados e teríamos que nos superar e fortalecer uns aos outros, o que não aconteceu.

 

Foto:
Leandro Oliveira Iannotta

Durante os primeiros 100 metros de uma via de 1.500 metros, fizemos contato com um guia de local e dois clientes que disseram que a condição da via não estava boa e o tempo iria piorar. Rapidamente meus parceiros optaram em descer e assim fizemos. Dormimos na base da via. Foi uma noite incrível, pois o clima estava ótimo, o que aumentava a tristeza de baixar. Volto à caminhada pensando nas dificuldades, erros e observando tudo ao redor para construir uma nova possibilidade. Durante o retorno, descendo uma rampa de gelo, meu parceiro Wagner torce o tornozelo e fica impossibilitado de escalar nas próximas duas semanas.

Cheguei a Chalten frustrado com meu desempenho nesta escalada. Não conseguia pensar em outra coisa. Mas a Nati, com sua hospitalidade, fez os ânimos se acalmarem e com que nos sentíssemos em casa. Fizemos um mate, um assado e confraternizamos. Como é bom estar em Chalten! Mas eu já pensava em voltar para montanha.

Conheci vários escaladores do Brasil e foi com dois deles Formiga e Neto, com quem fiz uma caminhada irada até o cume da Pirâmide, montanha ao lado de Chalten e tem um visual incrível do lago Viedma, de alguns glaciares. Das agulhas conseguíamos ver a agulha de L´S passando pelo Fitz Roy até a Guillaumet, essa aventura me manteve forte e com foco na escalada, alucinante.

Foto:
Leandro Oliveira Iannotta

Na terceira semana aproveitamos uma janela de dois dias de tempo bom para escalar a agulha de L´S. Saímos de Chalten bem cedo e caminhamos até o acampamento Poincenot. Passamos pela Lagoa Sucia e pelo glaciar Rio Blanco. Um visual realmente espetacular. Chegamos à base da agulha e formamos duas cordadas : uma de três e outra de quatro pessoas. Fizemos o cume pela via: Cara Este e variantes 450 metros 6a francês (6° brasileiro), sem dificuldades. Na última enfiada, avistamos o Cerro Torre ali ao lado. Imponente. Voltei para Chalten me sentindo leve, foi bom.

A última semana

Na última semana os sites meteorológicos apontam uma janela de três dias, quinta, sexta e sábado porém minha volta ao Brasil estava marcada para sábado o que me fez decidir por uma escalada de menor duração, comecei a pensar sobre tudo o que aconteceu nas últimas semanas e decidi por escalar em solitário, agora era pensar onde, conversei com algumas pessoas sobre onde elas iriam escalar e ao mesmo tempo construindo a minha escalada decidi pela agulha Guillaumet, via “Fonrouge”.

Organizei meus equipamentos de escalada, bivaque e alimentação fui à sede do Parque Nacional Los Glaciares e preenchi minha permissão, despedi de meus amigos e parti para a montanha na tarde de quarta feira dia 21/02/2018, sai andando até o final da Vila consegui uma carona até o Rio Elétrico e depois de caminhar por mais ou menos quatro horas cheguei ao Pedras Negras, estava frio e nevando, escolhi um lugar protegido para passar a noite eram 20:00 horas quando comecei a preparar uma sopa quente e admirava a agulha Guillaumet meu objetivo do dia seguinte.

Foto:
Leandro Oliveira Iannotta

Acordei cedo porém levantei só às 08:00 horas com a conversa de dois escaladores argentinos enquanto organizavam seus equipamentos, me perguntaram qual seria minha escalada disse que tentaria a via “Fonrouge” sozinho e eles disseram que iam escalar a mesma agulha por outra face e me desejaram sorte, organizei minhas coisas peguei a mochila e começamos a caminhada juntos mas logo depois nos cumprimentamos e fomos para lados opostos, cheguei a rampa de gelo que dá acesso a via, coloquei os crampons e comecei meu desafio.

Com cautela subi a rampa de gelo, sozinho a escalada tem outra proporção, me sentia confiante e após uma hora e meia de caminhada alcancei a base da clássica via Comesanã – Fonrouge 400 metros, 30° 6b+ conquistada no inicio da década de 60 toda em móvel, porém com alguns pitons que avaliava com cuidado na hora de usar, havia alguns trechos molhados e pedaços de gelo, mesmo assim as fendas e diedros não apresentavam muita dificuldade escalei até a base do crux um diedro de 6b+ sem usar a corda.

Na base do crux parei para me equipar, comer e hidratar, o visual era incrível o vale que leva ao Fitz e toda aquela imensidão, fixo a ponta da corda na base da enfiada usando camalots os mesmos que seguram minha mochila e começo a escalar, usei algumas pecas para progredir e após chegar ao final fixo a corda e desço para retirar meus equipamentos da fenda e buscar minha mochila. O momento mais emocionante de toda a escalada foi uma linda travessia aérea e exposta que escalei sem corda logo após o crux, inesquecível.

Foto:
Leandro Oliveira Iannotta

Continuo a escalada e as 16:15 horas chego ao cume, uma sensação estranha uma mistura de êxtase e admiração, fiquei alguns minutos observando o gelo continental e de repente lembrei dele, Fitz Roy imenso logo ali do meu lado, a agulha Poincenot que me encantou e a assustadora parede vertical da agulha Mermoz, fiz meus pedidos agradeci e comecei a descer, alguns rapeis a trilha e por volta das 19:30 estava no pedras negras confraternizei com amigas(os) que estavam ali para escalar no dia seguinte e comecei a caminhar, foram 26 km até Chalten.

Lembro como se fosse hoje eu abrindo a porta da casa da Nat às 5 horas da manhã, jamais me esquecerei destes 30 dias, de tudo e de todos, hoje me sinto mais forte como escalador e como pessoa, grato pela experiência é certo que voltarei.

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