Mulher que subiu 9 vezes o Everest não tem patrocínio: Preconceito das marcas?

Assim como existe em todo o mundo, o montanhismo também é um universo cheio de contrastes. Uma reportagem do jornal britânico The Guardian jogou uma luz em um problema existente para muitas das mulheres montanhistas da atualidade. Uma realidade incômoda e que por ser algumas mulheres parte de uma minoria racial e social, acaba com a voz sufocada e, muitas vezes, ignorada. Especialmente quando mesmo tendo mérito para um patrocínio em expedição de alta montanha, é preterida por não preencher “requisitos estéticos”.

Na reportagem é destacada a realidade de Lhakpa Sherpa, uma montanhista nepalesa que trabalha com salários mínimos e foi a primeira mulher nepalesa a escalar o Monte Everest (8.848 m) e descer com vida em 2000. Com nove cumes conquistados na montanha mais alta do mundo no currículo, Lhakpa detém também o recorde mundial das mulheres na montanha. Embora a marca norte-americana Black Diamond tenha patrocinado uma escalada de Lhakpa anteriormente, a nepalesa atualmente não tem patrocínio.

Lhakpa Sherpa planeja escalar a montanha mais alta do mundo novamente na primavera de 2020 e partir para o K2 (8.611 m), uma montanha cujo cume a escapou por causa do tempo ruim. Por ser uma atleta sem patrocínios e mãe solteira de três filhos, é difícil pagar por treinamento e viagens. Como se sustenta? Trabalha na Whole Foods (rede de supermercados multinacional dos EUA) lavando pratos, ganhando um salário mínimo. Incapaz de comprar um carro, ela caminha para o trabalho e ocasionalmente usa os serviços de Uber para ir aos destinos de seus treinamentos.

Foto: Kayana Szymczak / The Guardian

Quando criança, Lhakpa não tinha eletricidade e as meninas não frequentavam a escola. A montanhista, atualmente com 45 anos, diz que não tem certeza de sua idade exata, pois não havia certidões de nascimento e todos os 11 filhos de sua mãe nasceram em casa.

A montanhista sempre trabalhou duro para sobreviver e subverter as expectativas. No passado, as pessoas desconsideravam os cumes dos sherpas, afirmando que a familiaridade com a altitude e a localização “diminui” de alguma forma a conquista. Essas são as outras coisas que Lhakpa ambiciona: patrocínio para sua 10ª subida histórica, construir seu negócio de orientação chamado Cloudscape Climbing, passar mais tempo nas montanhas e não precisar mais sem lavar louças nem retirar o lixo. Um outro sonho? Conseguir juntar dinheiro para ajudar a mandar suas filhas para a faculdade.

Abordar o assunto de patrocínio é delicado e, muitas vezes, é o equivalente a mexer em um ninho de vespas. Mas como não se incomodar com o problema de falta de apoio de marcas às mulheres que “não seguem o padrão de beleza” que a marca procura. Afinal, na visão dos publicitários, como esportes de natureza estão também ligados ao estilo de vida vende-se mais com pessoas bonitas.

Exagero? Nem tanto, observe que sempre são os apresentadores (as) de TV que consegue pomposos patrocínios para exibir seus rostos tipicamente caucasianos em propagandas e reportagens desinformadas e sensacionalistas.

Por muito tempo até mesmo o futebol feminino no Brasil, país que se orgulha de ser o “país do futebol”, era considerado invisível para público e marcas. Não há como negar que no jogo de patrocínio de esportes outdoor femininos, a beleza é considerada fundamental para as marcas. O que, obviamente, é um preconceito escancarado ainda mais quando se constata que esta exigência somente é aplicada às mulheres. A consequência deste pensamento é a proliferação de “montanhistas” caucasianas, com fotos sempre de cabelo arrumado e foco em situações comuns nas expedições que parecem incríveis a quem desconhece a realidade de montanha.

Não é somente as montanhistas que vivem esta realidade. O caso da surfista Silvana Lima, duas vezes vice-campeã mundial, em 2016 virou um clássico. Na época, poucos veículos descartaram a busca da atleta e sua luta contra o padrão estético. Curiosamente, todas as “potencialidades” que eram patrocinadas na época eram loiras, olhos verdes e, claro, com bastante apelo estético e poucas conquistas esportivas.

O termo meritocracia estabelece uma ligação direta entre mérito e premiação. Mas nos esportes de montanha parece estar em outro planeta em que a palavra parece não ter sentido. De acordo com a definição “pura” da meritocracia, o processo de alavancamento profissional e social é uma consequência dos méritos individuais de cada pessoa, ou seja, dos seus esforços e dedicações. Por enquanto, o que vemos no montanhismo, tanto no Brasil e no mundo, é uma outra realidade. O mérito, ao menos para as marcas, em especial para as mulheres, é nascer bonita e, preferencialmente, loira.

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