Patagônia Chilena e Argentina – Relato de Viagem

Quem nunca teve medo de se apaixonar?

De sentir aquela palpitação no peito, a mão suando, mas, ao mesmo tempo, ter o bom senso de que é arriscado e que a vida precisa às vezes andar nos trilhos?

Algumas paixões são proibidas, tem que ser abafadas e escondidas até de nós mesmos.
Não foi o caso das montanhas em minha vida. Eu me apaixonei de verdade, me entreguei de corpo e alma e agora sinto cada pedaço de mim perdidamente dependente da aventura e adrenalina que os picos nevados me proporcionaram.

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Foto: Juliana Falchetti

A Patagônia Argentina e Chilena são um tesouro das Américas e, como todo tesouro, tem que ficar um pouco escondido para ter o devido valor. Embarquei naquele avião no dia 16 de dezembro de 2014 rumo ao nosso primeiro destino.

Em Ushuaia, na Argentina, a programação era intensa. Seriam trilhas, acampamentos, passeios de veleiro, subidas a glaciares e dificuldades que eu nem tinha ideia que passaríamos.

O primeiro desafio foi vencer o preconceito do frio. Naturalmente sou um ser do calor. Amo praia, verão, mar. O sol é minha fonte de energia. Sem ele fico deprimida e sem vida.

Chegamos lá com temperaturas negativas em pleno verão. Era tanto frio que eu mal podia acreditar. A proposta da viagem, além de fotografar, era gravar toda a trip em vídeo, para um futuro documentário.

Junto comigo estavam o Eduardo, meu marido, a Isabela, minha cunhada e o Marciel, um amigo que viria se unir à equipe 15 dias depois, quando chegássemos a El Calafate.

Em Ushuaia fizemos três passeios fantásticos. Começamos por uma navegação de veleiro no Canal Beagle com direito à descida na Isla H, um pedaço de terra tão lindo que era impossível não ficar encantada. Na volta os ventos estavam muito fortes e a embarcação chegou a ficar a quase 45°.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

No terceiro dia subimos o Glaciar Martial e, pela primeira vez, pisei no gelo e vi a neve cair. Nesse dia os ventos estavam fortíssimos e fazia muito frio. Fazer as gravações foi um desafio à parte que exigiu bastante perseverança.

Para conseguir manusear a câmera perfeitamente tive que tirar a luva de neve em vários momentos e o frio gelava até os ossos.

Acampamos no Parque do Fim do Mundo, um lugar sem palavras de tão bonito que contava com uma estrutura de camping exemplar. Nesse dia pudemos constatar a presença das quatro estações do ano em um único dia. Chovia, fazia frio, abria o sol, ventava, fazia calor…

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

E assim sucessivamente, durante todo o dia. Bem vindos à Patagônia!

Os gringos passeavam faceiros como se nada fosse nada. Nós, como todo bom brasileiro que não faz nada quando chove, esperávamos a chuva diminuir um pouco antes de continuar as trilhas do parque.

Demorou até percebermos que a Patagônia é imprevisível e, que se fôssemos esperar o tempo perfeito, não faríamos nada. Nos despedimos da Tierra del Fuego com destino a Puerto Natales, no Chile.

Todos os ônibus estavam lotados para os próximos sete dias e tivemos que ir para estrada pedir carona.

Foram dois dias, cerca de setecentos quilômetros de estrada e quatro caronas até conseguirmos chegar ao nosso destino.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

A última carona foi do Estreito de Magalhães até Punta Arenas, no Chile. Estávamos no meio do nada, eu morrendo de dor devido a uma infecção urinária e ninguém parava. Também pudera. Estávamos em três pessoas com três mochilas enormes.

Um caminhão guincho passou pela gente e sinalizou que havia dois lugares. Só deu tempo de eu olhar para o motorista com uma cara de cachorro pidão e sinalizar que a gente podia se espremer. O Manoel se compadeceu e parou.

De Punta Arenas seguimos de ônibus até Puerto Natales e, de lá, até Torres del Paine. A ideia era fazer o circuito W começando pelo Mirador Las Torres. Já tinha experiência em gravações de viagem, mas essa, sem dúvida, foi a mais desafiadora.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

Os ventos fortes e o frio somado à dificuldade inerente do percurso tornou o processo bastante cansativo. Com a câmera na mão eu corria pra lá e pra cá em busca dos melhores ângulos, mas nem o monopé foi suficiente para estabilizar a imagem. O vento batia e empurrava tudo, até a gente.

Quando finalmente chegamos ao mirador o tempo fechou e começou a chover, mas foi só aguardar uns minutos até que finalmente o sol abriu e ajudou a construir uma das mais belas visões que eu já tive. Naquele momento me dei conta do quanto eu era feliz por estar ali e que aquela seria a primeira de muitas montanhas que eu conheceria nessa vida.

Retornamos ao acampamento no mesmo dia. Eu desci primeiro. Fiz uma boa parte da trilha de volta correndo. Adoro descer rápido. O Du acompanhou a Isabela em um ritmo mais lento.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

Era a primeira trip de aventura dela e naquele dia ela tinha ficado um pouco indisposta. Preparei a nossa ceia de Natal: um miojo bem cozido para dar mais volume e aumentar a sensação de saciedade.

De sobremesa, para não ficar tristes, fui até o refúgio Las Torres e paguei uma pequena fortuna por uma barra de chocolate e uma Coca-cola. Fomos dormir exaustos, mas realizados com a conquista.

No dia seguinte a Isabela acordou diferente. O lado direito do rosto dela não estava simplesmente inchado. Estava enorme. Era como se ela tivesse com uma bola de vôlei na boca.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

Com um histórico de problemas sérios no ouvido e sem médicos em Torres del Paine, tivemos que deixar o parque em busca de ajuda. O circuito W ficaria para uma próxima.

Retornamos a Puerto Natales e descobrimos, após um raio-x, que o problema era uma infecção no terceiro molar. Nada que antibióticos e anti-inflamatórios não dessem jeito.

Seguimos para El Calafate, na Argentina, uma cidade bem turística e muito agradavel.

Como encurtamos nossa estadia em Torres del Paine, sobrou tempo para curtir e descansar um pouco mais. Alugamos bicicletas, caminhamos bastante pelo centro, tomamos muitos cafés e cervejas artesanais.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

O Marciel chegou no dia 29 de dezembro e se juntou à equipe. O bom de viajar em quatro pessoas é que sempre ficávamos com um quarto nos hostels só para nós. O lado ruim é que um grupo maior sempre se fecha e acabamos não fazendo muitas amizades.

Ainda em El Calafate, fomos conhecer o Glaciar Perito Moreno, mas fizemos uma escolha de transporte nada ideal. Contratamos um serviço de ônibus para nos levar até lá. Se arrependimento matasse, todos nós estaríamos mortinhos da silva. Um percurso que levava em média uma hora para chegar, levou quase três. Fizemos um caminho alternativo, pelo interior.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

O local era bonito, mas a guia falava o tempo inteiro no microfone, em inglês e espanhol. Sabe quando você quer sair correndo, mas não tem como?

Pois então… mas valeu muito por conhecer o Perito Moreno, principalmente quando vimos um bloco inteiro de cerca de 40 metros de altura cair bem na nossa frente (tudo filmado!).

De lá seguimos para El Chaltén, também na Argentina. O aviso no ônibus dizia para ninguém, inclusive o motorista, tirar o tênis. Lá o chulé devia ser forte.

Nós levamos o Pó Pelotense, um produto milagroso recomendado pelo nosso amigo farmacêutico de plantão Marciel. O negócio deixou nossos pés cheirosinhos durante toda a viagem.

Nem parecíamos mochileiros.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

Chegamos naquele pequeno paraíso às vésperas do primeiro do ano. El Chaltén é uma cidade verdadeiramente encantadora. Quando vi aqueles paredões, o Fitz Roy ao fundo, os bares, cafés, dezenas de hostels, tive uma taquicardia de tão emocionada.
O meu último dia do ano tinha que ser especial.

Queria fechar 2014 com chave de ouro e o caminho até Laguna Torre tinha sido eleito para o dia. Em El Chaltén a temperatura já estava mais agradavel. Saímos no início de tarde com chuva e tempo completamente fechado.

À medida que íamos caminhando alguns raios de sol foram surgindo no céu e as montanhas lentamente foram dando o ar da graça.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

Pode ser que eu conheça algum caminho mais bonito no futuro, mas, atualmente, quando me lembro daquela trilha no meio do vale, fico com a certeza que foi a paisagem mais bela que eu já vi em toda a minha vida. Acho que o fato de eu ser fotógrafa contribuiu para esse fascínio. Nós sempre vemos o mundo mais belo e cheio de magia.

Retornamos revitalizados. O cansaço era grande, mas nossa energia vital estava nas alturas. Diferente do dia de Natal, nosso virada do ano foi bem gastronômica. Jantamos em um restaurante muito bom com direito a brinde com champanhe e tudo.

Para completar, chegando no hostel, pegamos uma balada forte com música a toda e muitos gringos dançando loucamente.

Nos dois dias seguintes fizemos mais duas trilhas, dentre elas a que leva a Laguna de Los Três, ao pé do Fitz Roy.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

Dormimos no camping Poincenot e saímos bem cedinho. Eu saí na frente para fazer algumas fotografias e me despedir daquela natureza exuberante. Aquela seria nossa última trilha e eu precisava agradecer por ter tido aquela oportunidade incrível.

Sentei na beira do rio de águas cristalinas, tomei um gole de água com as mãos, fechei os olhos e me senti enormemente grata por ter conhecido a Patagônia.

Estava me despedindo da minha nova paixão com uma certeza: ali tinha sido somente o começo.

Foto: Juliana Falchetti

Foto: Juliana Falchetti

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