Cânhamo: Tudo o que você quis saber e ninguém te contou

Coloque no seu radar a possibilidade de usar roupas de cânhamo, pois a indústria da moda, especialmente do mercado de esportes outdoor, está abraçando fortemente. As possibilidades de quem investir na produção de cânhamo nos próximos anos é de um retorno surpreendente.

O Brasil se consolidou nos últimos 20 anos como potência mundial do agronegócio, sendo que somente em 2020, em torno de 45% de todas exportações brasileiras foram de produtos do agronegócio. Esta revolução veio através da pesquisa, ciência e tecnologia. Portanto, que fique claro que a engenharia e a ciência têm, e terão sempre, um papel determinante na consolidação do agronegócio brasileiro.

Porém, pelo menos em solo brasileiro, o cultivo de cânhamo, assim como a produção de CBD, esbarra no preconceito e desinformação. Assim, o cultivo de cânhamo (Cannabis ruderalis), que é uma variação da Cannabis Sativa (cujo teor de THC é bem superior ao do cânhamo), que não produz efeito psicotrópico, está emperrada. Mesmo o Brasil possuindo potencial de cultivo de cannabis com o menor custo internacional (o que daria ao país uma vantagem econômica excelente), ainda está longe de ter este quadro revertido.

Para uma planta de Cannabis ser considerada cânhamo, ela deve conter no máximo 0,3% de tetrahidrocanabinol (THC), algo como 33 vezes mais baixo que encontrado na Cannabis Sativa e tem um teor mais alto de canabidiol (CBD), que é autorizado a produção e comercialização pela ANVISA desde dezembro de 2019.

Sim, a venda de remédio à base de cânhamo é liberado no Brasil, mas o seu cultivo não. Por varios motivos que não cabe aqui expor, uma excelente oportunidade de negócio com o cultivo de cânhamo está longe de se concretizar. A tempo: A União Europeia em 1998 legalizou, e autorizou subsídios, para a produção de linho de cânhamo.

canabidiol

Em junho desse ano, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou proposta para legalizar no Brasil o cultivo de Cannabis para fins medicinais (Projeto de Lei 399/15) e aguarda deliberação na Mesa Diretora da casa. Toda a explicação a respeito das diferenças entre os tipos de cannabis, além dos potenciais de negócio para tecidos feitos de cânhamo, podem ser lidos em artigos explicativos aqui mesmo na Revista Blog de Escalada.

Por séculos, o tecido de cânhamo foi usado para roupas. Agora, com consumidores mais atentos à procura de alternativas de moda sustentáveis ​​e ecologicamente corretas, as roupas de cânhamo estão de volta.

Cannabis para leigos

Começo o texto com uma comparação simples entre dois vegetais que pertencem à mesma família e, de maneira intuitiva, a população em geral sabe que são de fato distintos: o brócolis e a couve-flor. O brócolis (Brassica oleracea) pertence à família do repolho também conhecido como família Brassicaceae. Já a couve-flor (Brassica oleracea) também pertence à família do repolho, mas é categorizada como Botrytis.

O mesmo acontece com a mandioca de mesa, a mandioquinha e a mandioca brava. Isso porque, na natureza, duas plantas do mesmo gênero podem pertencer a famílias diferentes. Pois os seres vivos são classificados, por ordem, em reino, filo, classe, ordem, família, gênero e espécie.

Da mesma maneira acontece com a cana-de-açúcar, que possui variedades voltadas para a produção de açúcar outras para álcool (seja em cachaça ou combustível). Mesmo o álcool sendo considerado uma droga (sendo proibido m alguns países), não foi banido o seu plantio.

Existem Institutos de pesquisa especializados em desenvolver novas variedades de cana, como o Centro de Tecnologia Canavieira e o Instituto Agronômico em Campinas. Ambos trabalham para o melhoramento genético das espécies de cana e tem contribuído de forma intensa para a modernização da canavicultura.

Assim, acontece a mesma diferenciação para as plantas do gênero cannabis. Cannabis é um gênero de plantas que inclui três variedades diferentes: Cannabis sativa, Cannabis indica e Cannabis ruderalis. Todas elas produzem compostos chamados canabinoides.

Os dois canabinoides geralmente produzidos em maior abundância pelas plantas cannabis são o canabidiol (CBD) e/ou tetrahidrocanabinol (THC). A apenas o THC é psicoativo. Assim, para que fique claro, Cannabis que não são usadas como drogas produzem níveis relativamente baixos de THC (em torno de 0,3%) e altos níveis de CBD, enquanto as plantas voltadas para o uso como drogas produzem altos níveis de níveis de THC e baixos de CBD.

Para ser classificado, em termos legislativos, o cânhamo não pode conter mais de 0,3% de THC (o composto da planta mais comumente associado com deixar uma pessoa chapada). A cannabis usada para deixar alguém chapado tem entre 5% e 20% de THC.

Em suma, o cânhamo não pode deixar você chapado.

Cânhamo pode ajudar a salvar o mundo?

Devido ao estigma negativo da cannabis, historicamente tem sido muito difícil ter acesso a roupas de cânhamo sustentáveis. Conforme já foi explicado aqui sobre roupas de cânhamo, a aprovação da Farm Bill nos EUA em 2018 legal o cultivo de cânhamo nos país desde que foi proibido em 1937.

Importante saber que a Farm Bill legaliza o cânhamo, mas não cria um sistema no qual as pessoas possam cultivá-lo com a mesma liberdade com que cultivam tomate ou manjericão. Além disso, a safra de cânhamo é altamente regulamentada nos EUA, tanto para a produção pessoal quanto para a industrial.

A Farm Bill tratou o cânhamo como uma commodities agrícola e permitiu que empresas de moda dos EUA dessem a oportunidade aos seus designers terem acesso ao cânhamo. Pela primeira vez, as empresas puderam mudar legalmente suas estruturas de manufatura e se afastar da indústria tradicional do algodão (a qual é extremamente poluente).

Mas o que o cânhamo pode mudar a nossa vida no futuro, ou mesmo “salvar o mundo”? A resposta a isso passa pela possibilidade de grandes marcas utilizarem fontes alternativas ao algodão, pois, se analisarmos friamente, é muito difícil encontrar quem não tenha no seu armário uma peça de roupa feita de algodão.

O cultivo de algodão é a que usa a maior quantidade de recursos naturais entre todos os processos de produção. Para o cultivo de algodão é necessário uma área muito grande para que sejam alocadas as sementes, ocupando um local que poderia ser destinado a florestas ou a cultivos mistos, atribuindo maior valor ambiental, pois não é cultivado para alimentação humana.

O cultivo de algodão demanda o emprego de grandes doses de agrotóxicos, inseticidas e pesticidas. Além disso quem trabalha exposto ao algodão e seus derivados corre o risco de contrair a bissinose, ou pulmão marrom, uma doença que afeta os pulmões e é causada pela inspiração constante de partículas das fibras sem ventilação adequada e máscara de proteção.

Quem trabalha com botânica, apelidou o cânhamo como uma espécie de erva daninha, pois é uma planta de crescimento denso, sufoca quaisquer plantas concorrentes. Essa característica dispensa herbicidas químicos agressivos não são necessários e requer muito pouca água.

O cânhamo também reduz naturalmente as pragas e não são necessários pesticidas e, surpreendentemente, retorna de 60 a 70% dos nutrientes que retira do solo e usa apenas 1/20 da quantidade de água para crescer e processar que o algodão normal.

O cânhamo é uma cultura ecológica que realmente retribui ao mundo de várias maneiras. A planta é biodegradável, evita a erosão do solo e absorve materiais tóxicos do solo. A única alegria que há com a compra de roupas de cânhamo é saber que está ajudando a reduzir o desperdício que a indústria da moda acumulou ao longo dos anos.

Como o cânhamo é transformado em tecido?

Tecidos de cânhamo são feito de longos fios de fibra que compõem o caule da planta. Essas fibras são separadas da casca por meio de um processo denominado “maceração” e então fiadas juntas para produzir um fio contínuo que pode ser fiado em um tecido.

As várias etapas desse processo de “maceração” podem ser feitas por meio de um processo mecânico que não requer produtos químicos. No entanto, muitas empresas produzem tecidos de cânhamo quimicamente, em um processo que é muito mais danoso para o meio ambiente, mas mais rápido e barato de criar.

O cânhamo possui uma cultura altamente sustentável e de baixo impacto que pode ser convertida em tecido de forma sustentável. Além de ser incrivelmente durável, o tecido de cânhamo também é antibacteriano, o que significa que alguém que tem mau cheiro, roupas de cânhamo podem ajudá-lo, pois impede o crescimento de bactérias causadoras de odores.

As roupas de cânhamo são resistentes a raios ultravioleta, mofo e bolor e possui excelentes propriedades antimicrobianas que o fazem durar mais tempo do que qualquer outra fibra têxtil como algodão, poliéster, etc. As roupas de cânhamo não ficam distorcidas mesmo após vários usos e lavagens e como é mais absorvente de água do que o algodão, retém a tintura melhor do que qualquer outro tecido, evitando que as cores desbotem.

A fibra de cânhamo possui uma alta porosidade que o permite respirar, mantendo-o fresco no verão. E assim como o bambu e a lã, o cânhamo é mais quente em climas mais frios.

Existem tecidos de cânhamo passaram por um processo intensivo de “maceração”se for rotulado como “viscose de cânhamo”, que normalmente envolve o mesmo processamento prejudicial com produtos químicos tóxicos que o algodão. Algumas empresas podem usar o processo do liocel (fibra artificial extraída da celulose), o qual é menos impactante.

Portanto, não é somente por ser cânhamo que uma camiseta é ecologicamente correta. É necessário verificar duas vezes antes de comprar algo feito de cânhamo.

Mas atenção: embora o cânhamo seja uma cultura sustentável para o cultivo, ainda precisamos ter certeza de que o processo que está sendo usado para transformar a planta em um tecido é de baixo impacto. Os produtores têm a responsabilidade de garantir que seu processo de fabricação leve em consideração o meio ambiente, a saúde de seus trabalhadores e a transparência com os consumidores.

There is one comment

  1. Tadeu

    Boa tarde.
    Sou Engenheiro Agrônomo, formado a mais de 35 anos, e também M.Sc e D.Sc.

    Trago alguns comentários sobre as explicações relativas às classificações botânicas das plantas citadas na matéria.

    Mandioca e mandioquinha não são plantas (ou espécies) da mesma família. A mandioca é da família Euphorbiaceae e a mandioquinha é da família Apiaceae (antiga Umbeliferae).

    Couve-flor, brócolis, repolho, couve são da mesma espécie (Brassica oleraceae) porém cada uma representa uma variedade botânica da mesma especie. Assim, a couve-flor é Brassica oleraceae var. botrytis, sendo da mesma família, gênero e espécie do repolho, couves e brócolis.

    É impossível plantas pertencentes a um mesmo gênero serem de famílias diferentes. O que ocorre é exatamente o oposto, ou seja, a família, por estar um grau hierárquico acima de gênero, abarca ou contém diversos gêneros.

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