Lapinha em chamas: Lições para um chileno escalando em Minas Gerais

Por Ignacio Solar

Através deste relato, quero contar sobre o acidente que aconteceu comigo durante minha viagem escalando na Lapinha. Aproveito para tirar lições de aprendizado e agradecer a quem me acompanhou a partir do ocorrido.

Fui à Lapinha com a intenção de escalar em um lugar pouco conhecido no Chile, para logo depois fazer uma parada tradicional na Serra do Cipó. Logo após conhecer as primeiras vias e escalar no Sítio do Rod, fui com as pessoas locais, reunindo mãos e mosquetões, até a Lapa do Seu Antão. O lugar, impressionantemente escondido entre a flora, é um paraíso para quem gosta de escalada esportiva de dificuldade. A única “desvantagem” presente, são os mosquitos que poderiam ser efetivamente espantados queimando caixas-de-ovos em um fogo lento.

Visitamos três setores, escalamos até cansar, deixando uns projetos sem resolver. Já estávamos nos preparando para voltar à casa. Antes de subir no carro, reparei que algumas caixas de ovos ainda estavam queimando no chão.

Pisei com força até apagá-las e coloquei dentro do saco de lixo. O dia estava perfeito, o clima gostoso e a companhia melhor ainda. Nada parecia prever a tragédia. Já na estrada, enquanto cruzávamos um pequeno povoado, recebemos um alerta desesperado de um pedestre.

– A caçamba da caminhonete está pegando fogo!

O fogo somente queimou a parte interna da caçamba e a lona. Por sorte não chegou ao tanque

Imediatamente paramos e fizemos manobras desesperadas para apagar o fogo. Logo depois de várias tentativas desesperadas, o motorista decidiu levar o carro até uma casa, que possuía uma mangueira e extintor, para fazer o trabalho final.

Já com mais calma e ainda sem entender bem o que aconteceu, tentamos catalogar os estragos.

Costuras, mosquetões, lona, corda e cadeirinha inutilizados. Ao centro um que deveria ser um capacete

Minha mochila ficou completamente queimada, incluindo meus documentos, dinheiro de viagem e minha “quena” (instrumento musical andino). Tudo por causa do fogo.

Na caixa de ovos havia ainda uma “micro brasa” ainda ardendo e, estimulada pelo vendo produzido pela locomoção do carro, acabou por acender os papéis do lixo e a mochila.

Depois do incêndio

No Sítio do Rod é possível visitar o “Memorial del fuego”, construído com restos de material de escalada

A partir de então fui literalmente adotado pela comunidade escaladora da Lapinha. “Estamos juntos nisso”, me disse o dono de um Hostel à noite, logo após o acidente. E assim me senti nos dias que me restavam na região. Conscientes do quão delicada era minha situação, além das minhas boas intenções que acabou por causar o incidente, me apoiaram com tudo que necessitei. Me alimentaram de maneira abundante, generosa e deliciosa.

Me cederam de maneira gratuita: alojamento, dinheiro e transporte. Tanto na Lapinha, quanto em Belo Horizonte, para organizar com o consulado do Chile local os documentos de emergência. O mais importante para mim foi ser incorporado à comunidade escaladora da Lapinha como mais um deles.

Com o apoio de todos, pude escalar sem nenhum problema até o final da viagem por Minas Gerais. Conheci novas vias. Retornei à Lapa do Seu Antão, onde pude encadenar projetos que havia deixado pendentes. Vi a quantidade de lugares pendentes ainda por conhecer: Gruta do Baú, Gruta da Lapinha, Sete Lagoas e, claro, Serra do Cipó. Fiz várias promessas de voltar e, o melhor de tudo, fiz amizades que, imagino, somente o fogo pode forjar com tal intensidade em tão pouco tempo.

No meio de tudo isso, se levanta um alerta sobre o perigo potencial que significam as caixas de ovo pegando fogo para espantar os mosquitos. Tudo acontece por algum motivo e prefiro acreditar que esta “tragédia”, aconteceu para gerar uma consciência e prevenir uma tragédia maior. Na qual um setor inteiro de escalada, ou até mesmo várias vidas humanas, poderiam ter sido vítimas.

Salvo-conduto para poder viajar a Chile junto à flauta que Ana Flor me presenteou para me consolar pela perda de minha ‘quena’. Beleza!

Já de volta ao Chile, falando sobre o que aconteceu, somente me resta recomendar e agradecer a todos quem me fizeram sentir em casa. Especialmente a André, Wagner, Marco, Tadeu, Grazi, Felipe e toda a comunidade de escaladores da Lapinha. São pessoas “muito legal”!

Obviamente a Paula, Thiago e Ana Flor, a família que me acolheu no Sítio do Rod.

A todos vocês meus mais sinceros abraços e carinhos. É NÓIS!

There are 2 comments

  1. Cristian Avencurt

    Lamento pela parte ruim do episódio e que bom que obteve ajuda.

    Fogo Classe “A” (papel, papelão, madeira, tecidos, …) é fogo de profundidade, precisa ser combatido com saturação de água, ou submersão do material se possível.

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