Qual a origem da palavra ‘crux’ na escalada?

Um crux na escalada, no montanhismo e no turismo de alta montanha é a seção mais difícil de uma via, ou o lugar onde existe o maior perigo. Na escalada esportiva e no boulder, o ponto mais desafiador também é chamado assim.

O termo vem do latim, portanto e, estritamente em termos linguísticos, o plural seria cruces. No entanto, as referências de escalada também usam cruxes

Ao descrever uma via de escalada usando um croqui, crux (ou cruxes) são geralmente mostrados com um símbolo de chave. O grau de uma via de escalada é baseado na dificuldade do seu crux e o resto do percurso pode ser consideravelmente mais fácil e, além disso, uma via pode compreender vários cruxes.

Mas de onde vem a palavra crux?

Crux

Em latim crux significava genericamente “uma árvore, moldura ou outros instrumentos de execução de madeira, nos quais os criminosos eram empalados ou pendurados” e, em particular, “uma cruz”. O termo crux simplex foi inventado por Justo Lípsio (filólogo e humanista flamengo e um dos eruditos mais famosos do século XVI) para indicar uma estaca de madeira, sem trave, usada para executar fixando a vítima nela ou empalando-a com ela.

Assim, Lípsio distinguiu dois tipos de crux simplex:

  • Crux simplex ad affixionem: tipo de crux simplex em que alguém era deixado para morrer ao ser preso a ele.
  • Crux simplex ad infixionem: tipo de crux simplex em que era usado para empalar alguém.

Todos esses termos são invenção do próprio Justo Lípsio e não eram usados ​​nos tempos da Roma Antiga. A palavra crux assumiu o significado metafórico de tormento ou tortura, especialmente mental (crucio).

O idioma inglês e a escalada

Crux

No idioma inglês, o termo crux designa o ponto básico, central ou essencial. Em inglês, crux ou crux of the matter significa o ponto mais importante, o básico, central e essencial de algo.

Crux pode ser traduzido ao português como sendo o ponto crucial de qualquer conteúdo. Ou seja, crux (do idioma latim) e ponto crucial (do idioma português) são a mesma coisa e faz referência a tudo aquilo que envolve grande dificuldade, que foi ou é difícil, árduo, penoso, doloroso, duro ou espinhoso.

Sinônimo de indispensável e essencial, o adjetivo “crucial” tem a sua origem etimológica no inglês crucial embora os antecedentes mais remotos do termo nos levem ao francês crucial e ao latim crucis ou crux.

O uso desta palavra como metáfora de algo decisivo foi criada pelo escritor e filósofo inglês Francis Bacon em 1620 em sua influente obra Novum Organum (o nome inteiro é Novum Organum, sive Indicia Vera de Interpretatione Naturae ou “Novo organon, ou direções verdadeiras sobre a interpretação da natureza”). E sim, os escritos de Bacon foram em latim.

O título é uma referência à obra de Aristóteles Organon, que era um tratado sobre a lógica e silogismo. No livro Novum Organum Bacon detalha um novo sistema de lógica que ele acreditava ser superior às velhas formas de silogismo, o que agora é conhecido como Método baconiano.

O trabalho de Bacon foi fundamental para o desenvolvimento histórico do método científico.

Crux

Político, filósofo, cientista e ensaísta inglês Francis Bacon – 1561 / 1626

O sentido “decisivo” de crux de Bacon vem da frase latina instantia crucis (instância crucial), que ele explicou como uma metáfora de um ponto crucial ou sinalização marcando uma bifurcação em uma encruzilhada. Isaac Newton e Robert Boyle adotaram a metáfora no “experimento crucial” do experimentum crucis.

Portanto, como explicado, a metáfora do filósofo refere-se não à cruz, símbolo do cristianismo, mas ao cruzamento, à encruzilhada formada por duas estradas que se cruzam e onde viajantes, não familiarizados com o caminho, teriam que tomar uma decisão “crucial”, que afetaria drasticamente seu destino.

Portanto, o crux de uma via, especialmente no idioma inglês, é o ponto crucial e faz referência a tudo aquilo que envolve grande dificuldade, que foi ou é difícil na escalada.

Crux no Brasil

Crux

Foto: Fábio Moreira

Mas por que esta palavra descreve a parte mais difícil de uma via de escalada no Brasil? A resposta para essa pergunta passa pelo tipo de escola que teve influência em uma determinada área de escalada. No continente americano somente para quem escala no Brasil, EUA e Canadá, crux significa a parte mais difícil de uma via.

Nos EUA e Canadá foi pelo idioma local. Mas no Brasil a palavra se disseminou pela popularidade de mídias norte-americanas de escalada que foram distribuídas no país a partir da década de 1970.

Na América Latina inteira, assim como na Espanha, o crux é conhecido como “el pasito” ou “el paso duro”. Em alemão Schlüsselstelle (algo como o ponto chave) é a palavra que designa a parte mais difícil de uma escalada. Assim, de forma resumida:

  • Versão italiana de crux: passo chiave
  • Versão francesa de crux: pas dur (apesar de alguns lugares da frança usar crux, que faz parte do francês antigo)
  • Versão alemã de crux: Schlüsselstelle

A escalada e o estrangeirismo

Em termos de linguística, a adoção de palavras estrangeiras é um vício de linguagem chamado estrangeirismo. Ou seja, utilizar uma ou mais palavras e expressões que não estão de acordo com a norma culta. Mas o fato é que o estrangeirismo é um fenômeno linguístico que pode auxiliar nossas atividades discursivas.

Vocábulos oriundos de outras línguas são incorporados em um processo natural de assimilação de cultura ou ainda por conta da proximidade geográfica com regiões cujos idiomas oficiais sejam outros. Sendo assim, podemos dizer que o estrangeirismo é um fenômeno linguístico orgânico, pois acontece de maneira espontânea e, quando menos percebemos, estamos utilizando empréstimos linguísticos para nos referir a objetos e ideias.

Mas por que isso ocorre? Uns culpam a globalização, outros o imperialismo econômico, outros a tecnologia, outros a receptividade do brasileiro.

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