A quantidade de recursos para executar um filme de escalada é seguramente um fator limitante na execução de projetos.
Porém não deve ser encarado como tal.
Entenda por “recursos” desde equipamentos de filmagens como também aquele necessário “aporte financeiro” para a realização da aventura.
Inegavelmente que uma quantia considerável de dinheiro a possibilidade de realização de um trabalho de qualidade é alta.
Porém há um pré-julgamento, errôneo ,de que para se realizar um bom filme é necessário bastante dinheiro.
Não é.
Este tipo de pensamento é equivocado porque se fosse realmente verdade, por exemplo , a saga “Crepúsculo” seria garantia de verdadeiras obras de arte.
Muito pelo contrário.
Trazendo para o universo de filmes de montanha, além do fator monetário, também é comum equivocar-se sobre a obrigatoriedade de existir um feito extraordinário como motivação de se realizar uma boa história.
Não necessariamente.
Há um grande volumes de filmes sobre “cadenas” de vias difíceis, ou “solos” impressionantes, e que o conjunto geral de baixa qualidade técnica o filme diminui o feito documentado.
Importante realçar que não necessariamente uma escalada de alta dificuldade resultará em garantia de qualidade de um filme.
O mérito do escalador que realiza algo difícil é indiscutível, entretanto se a maneira de retratar esta realização não for de qualidade, o feito em si pode vir a ser considerado sem valor ou mesmo “vazio”.
Produções que seguem este exemplo não faltam.
Para realizar uma produção de qualidade, ou até mesmo ganhar o status de “filme”(leia-se não ser apenas um videozinho a mostrar para amigos), são necessários quesitos simples.
Há de ter em mente que é fundamental também transmitir uma mensagem a quem assiste.
A produção dos brasilienses Márcio César , Guilherme Pahl e Luciana Melo é uma cristalina demonstração de que quando se escolhe o caminho da simplicidade ,e simpatia, com qualidade de história, o fator limitante de recursos financeiros é contornado.
O filme “quanta patagônia” pode ser considerado uma produção simples e eficiente.
Possui o mínimo de imagens e diálogos e mesmo com dificuldades de recursos técnicos (câmera, grua e etc) se destaca dentre as produções brasileiras do gênero.
O filme documenta a história de viagem de uma dupla de escaladores oriunda de Brasília até a região do Frey em Bariloche, na Patagônia Argentina, para uma temporada de escaladas tradicionais.
Toda a aventura é captada em câmera única no estilo POV (point of view) por Guilherme.
Com carisma e simpatia Guilherme Pahl guia o espectador pela da história, e mesmo nas mais diversas situações sua fala demonstra a calma e concentração.
Toda a viagem é mostrada desde a aterrissagem até suas últimas escaladas em terras argentinas.
A qualidade da edição realizada por Luciana Melo é o ponto forte de “Quanta Patagônia”, privilegiando a história e não apenas costurar fatos isolados.
Tanto em cenas de cunho cômico ou dramático a edição é segura, harmônica e equilibrada.
Alternando momentos cômicos com dramáticos “Quanta Patagônia” é entretenimento garantido.
Por ter uma qualidade de um roteiro bem escrito pelo trio, sua duração passa despercebida ao público, muito em função da maneira despojada e tranquila de apresentar cada acontecimento.
Como captação de imagens é eficiente (apesar de imagens não estarem em HD , nem com qualidade exuberante), a compreensão de cenas é fácil.
Com uma trilha sonora de bom gosto, embora não original, há boa harmonia entre imagens e música.
Mérito total da edição e um trabalho de pós produção de qualidade.
Não apenas pela qualidade de roteiro e edição apresentados, mas também por mostrar que é possível realizar filmes outdoor sem a necessidade de “feitos heróicos” ,ou escalada de grande dificuldade, “Quanta Patagônia” merece o status de clássico.
Pode, inclusive, constar nas referências a qualquer pessoa que deseja realizar um filme sobre uma viagem.
Indiscutivelmente o filme tem como mérito não procurar enaltecer ninguém, e sim contar uma história simples de maneira simples.
Como deve ser.
Por ter tantas qualidades merecidamente ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Filmes de Montanha do Rio de Janeiro em 2011.
Nota do Blog de Escalada:
Crítica originalmente publicada no Mountain Voices de Janeiro/Fevereiro 2013
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.