Não há na humanidade conhecimento sobre sociedades que não se manifestem musicalmente de uma forma própria.
Nos esportes também é mais ou menos assim: praticantes de determinadas atividades esportivas se predispõem a ouvir um tipo de música mais específico. Isso se mostra com os sons de berimbaus e atabaques da capoeira, na surf music embalada por astros do cunho de Jack Johnson e Kelly Slater, ou mesmo nos reggaes, rock’s e pop’s de skatistas, corredores e também de escaladores.
De acordo com o Dr. Costas Karageorghis, um dos maiores especialistas em psicologia do esporte no mundo, treinador e pesquisador inglês da Universidade Brunel em Londres, a música correta, antes e durante a prática de esportes, melhora o desempenho em até 20%. Karageorghis é autoridade no que diz respeito aos estudos mais recentes e significativos sobre a influência da música nos esportes.
Ele e outros pesquisadores de renome mundial fazem algumas considerações interessantes, respaldadas em pesquisas científicas a esse respeito, tais como:
- A música é motivadora, inspiradora e relaxante; quando alta e mais rápida, pode ser usada como estimulante, ou lenta e mais baixa, como calmante.
- A música aumenta nossa velocidade, técnica, humor, ritmo, percepção do cansaço, motivação, confiança, concentração, energia e entusiasmo.
- A música reduz a depressão, tensão, fadiga, ansiedade e raiva.
Em suma, a música é um estimulante natural porque ouvi-la aumenta o nível de oxigenação no sangue, maximizando assim o desempenho durante o desporto.
“Long live rock and roll” – Rainbow
Rainbow (também conhecido como Ritchie Blackmore’s Rainbow) é uma banda de rock formada pelo guitarrista Ritchie Blackmore (ex-integrante da banda Deep Purple).
As siglas que nomeiam a banda de hard rock australiana AC/DC não significam antes de Cristo/depois de Cristo como pensam muitos, mas simplesmente corrente contínua/corrente alternada, uma espécie de 110/220 Volts para os australianos.
O que talvez não gere dúvidas é que as músicas do AC/DC são ótimas pra embalar treinos mais hard core.
Mas a grande novidade, porém, é que cientistas de uma grande universidade do sul da Austrália concluíram que as vibrações causadas pela musica “Thunderstruck” ajudam pacientes com câncer durante o processo quimioterápico, uma vez que tais vibrações geram micro partículas que auxiliam o medicamento a atacar apenas as células doentes, preservando as saudaveis.”
Vida longa aos pacientes e ao Rock n Roll então.
Roadhouse Blues – The Doors
‘’Keep your eyes on the road, your hands upon the wheel.
Yeah come to the roadhouse
We’re gonna have a real
Good time’’. – The Doors
Costumo ouvir sempre essa música a caminho de algum local de escalada.
Mesmo antes de saber sua tradução que retrata bem aquilo que escaladores costumam fazer em fins de semana, suas batidas frenéticas e ritmadas de guitarras, bateras e gaitas já me impulsionavam, alegravam meu espírito.
O filósofo moderno Baruch Espinosa que viveu no século XVII, define a alegria de uma forma muito simplista e autêntica:
- “Alegria é a passagem para um estado mais potente do próprio ser”.
Penso que a música em sua simplicidade tem esse poder de nos alegrar e de aumentar nossa energia, capacitando-nos a fazer o que nos parecia improvável; seu ritmo nos instiga, sua letra nos acalanta o espírito ao mesmo tempo em que nos remete à luta.
Palavras e silêncio
“Palavras e silêncio que jamais se encontraram.” – Zeca Baleiro
Ludwig van Beethoven (1770-1827) que talvez tenha sido o maior músico de toda a história, conviveu de forma extrema com as dualidades som e silêncio. Mesmo depois de acometido de perda progressiva da audição, continuou a praticar sua virtude.
Seguiu compondo com notas cada vez mais altas, para que, no principio da perda auditiva, pudesse ouvi-las.
Após a conclusão e apresentação de sua grande obra, a “Nona Sinfonia de Beethoven“, há quem diga que ele sequer ouviu os aplausos do público extasiado.
O escritor britânico Aldox Huxley afirmava que, depois do silêncio, o que mais se aproxima de expressar o exprimível é a música. Então presumo que, com toda a magnitude da música, o silêncio ainda é mais relevante de alguma forma.
E nós, escaladores de montanhas, sobretudo altas montanhas, já presenciamos esse momento singular. Momento em que estamos tão alto que ficamos acima das próprias aves e as vemos planar com maestria ao sabor das correntes de ar.
Ali, muito longe da civilização, de toda sua música, de seus sons e de seus verbos, saboreamos a verdadeira paz e quietude interior. Quando o vento cessa seu açoite às rochas e ao nosso próprio corpo, nós nos deparamos perplexos com o inaudível som do silêncio, momento em que podemos ouvir uma gota do nosso próprio suor espatifar contra a rocha, ou o grão de areia que desliza na ponta de nossos dedos, ou, por fim, ouvir as batidas calmas e desaceleradas do nosso coração.
Como Vovó Já Dizia
‘’A formiga só trabalha por que não sabe cantar’’ – Raul Seixas
Escaladores que já participaram do alucinante Festival de Escalada de Araxá-MG, sabem a que se refere Raulzito quando cita a fábula “A formiga e a cigarra”, do escritor grego Esopo (VII A.C), anunciando que formigas talvez abdicassem da labuta se soubessem cantar.
Durante o Festival de escalada Rock Bocaina de Araxá que acontece sempre na primavera, a gente se encanta com o canto das cigarras a anunciar que o verão esta próximo. Nessa época, após ficarem anos enterradas, elas emergem e por apenas alguns dias nos deslumbram com seu canto, acasalam e morrem. Viveram pouco, porém, pela sua virtude. Valeu a pena.
A música que verdadeiramente nos alegra e nos torna mais potentes, talvez seja essa proferida por cigarras, bem-te-vis, cachoeiras, trovões, vento açoitando rochas ou o simples o chuá-chuá de um pé esmagando uma folha seca e interrompendo o silêncio, ou o som inaudível e quase inalcançável do próprio silêncio, ou mesmo aquela canção que nos engrandece e nos agrada, arrancado-nos um sorriso discreto de satisfação mesmo sem, às vezes, sabermos sua tradução.
É necessário encontrar, independente de nossa prática, a trilha sonora perfeita para cada episódio de nossa breve história por aqui, lembrando sempre que música, sons e silêncio não precisam estar na parada de sucessos, ou ter letra filosófica, ou ainda que tenhamos de escalar por horas uma montanha para nos depararmos com ela. A música precisa simplesmente mexer com nossa alma.
Rui Paulo é escalador, formado em educação física e trabalha como Personal trainer na região metropolitana da cidade de São Paulo
Maravilhoso seu texto. Gosto de ouvir música em todas atividades que faço. Parabéns.
Boa reflexão! Hoje em dia são muitos os ruídos nos centros urbanos! O silêncio é algo raro. Sem falar na falta de qualidade das músicas atuais – pré-fabricadas por produtoras que certamente não zelam pela qualidade e genialidade musical.
Ótimo
Muito bem escrita
Vale para a vida
Só um adensa o nome de huxley é aldous
Excelente texto Rui… Parabéns!!!
Muito boa a matéria, eu gosto de treinar ao som de rap nacional e de vez em quando um rock