Xenofobia, provincianismo e localismo: Por que estes sentimentos estão atrapalhando o crescimento do montanhismo?

A evolução humana, tanto biológica quanto social, parece viver de altos e baixos. Sobretudo quando abordamos relações humanas. Nestas mesmas relações humanas parece que muitos insistem em viver dentro da bolha social que habitam, tanto virtual como real, padecendo de uma necessidade quase patológica de querer ser personalidade no mundinho que vive.

Não ocasionalmente, é possível verificar dentro do montanhismo e escalada brasileiro o mito da “caverna das sombras”, também mais conhecido como Caverna de Platão.

Caverna de Platão

Para quem não está familiarizado com o termo, o mito da Caverna de Platão é uma teoria que foi formulada a partir de uma história elaborada por Platão. Ela foi contada pelo filósofo e faz parte de sua obra intitulada “A República”. O texto está no Livro VII e foi escrito entre 380-370 a.C..

Segundo a história criada por Platão, existia um grupo de pessoas que viviam em uma grande caverna desde que nasceram, com seus braços, pernas e pescoços presos por correntes. Nela, as pessoas eram forçadas a olharem unicamente para uma parede dessa caverna.

Estas mesmas pessoas nunca saíram de lá e nem podiam olhar para trás, para saber a origem das correntes que os prendiam. No entanto, atrás destas pessoas havia um muro e um pouco mais longe uma fogueira.

Entre o muro e a fogueira alguns homens transportavam objetos que se projetavam sobre as paredes da caverna. Graças à fogueira, os homens acorrentados podiam vê-los projetados na parede.

Foto: http://www.pantagruelista.com/

Estas pessoas só tinham visto estas projeções desde que nasceram, por isso não tinham necessidade, ou curiosidade, de se virar e ver o que produzia essas sombras. Para elas, as projeções eram a própria realidade.

Em um determinado dia, um deles resolveu virar e olhar o que estava acontecendo. No momento em que voltou para contar aos seus companheiros o que tinha visto, foi recebido com desconfiança e desprezo por todos.

Todos desprezaram o que o “aventureiro” relatava. Passou por mentiroso e acabou sendo ridicularizado. Ele foi, inclusive, ameaçado de morte por seus colegas que alegavam alto grau de “loucura” e devaneio no que descrevia.

Mas o que esta história tem a ver com os montanhistas e escaladores brasileiros? Muito mais do que se pode imaginar. Basta observar que todo aquele que aparece pensando de maneira diferente, é julgado e criticado intensamente pelos “acorrentados que somente olham sombras”.

Costumam, inclusive, ofender e denegrir qualquer pessoa, ou veículo, que procura mostrar que o mundo não é somente sombras projetadas na parede.

A partir desta ignorância, aparecem os “chefes” regionais e a forte resistência a pessoas que são “forasteiros”. Estes “caciques” geralmente lideram os linchamentos de ideias diferentes das suas. Perpetuando, assim, a ignorância generalizada que permite que esta pessoa seja a personalidade local.

Xenofobismo nas montanhas

Frequentemente é possível observar atitudes de xenofobismo, localismo e provincianismo, encrustada em cada um dos montanhistas e escaladores do Brasil. Sobretudo em quem vive em localidades afastadas de grandes centros.

O medo, aversão ou a profunda antipatia em relação aos “estrangeiros,”, com a demonstração explícita de desconfiança em relação a pessoas estranhas ao meio é comum e corriqueira. Por este tipo de comportamento, criou-se a cultura de que somente pessoas locais podem fazer algo pelos lugares.

Nesta linha de pensamento, vários eventos organizados por “forasteiros” são boicotados pelos próprios habitantes do local.

Segundo estas pessoas, somente os habitantes locais que tem o “direito” de fazer algo. Desta maneira, a espiral viciosa do subdesenvolvimento acaba prevalecendo: ninguém faz nada, fazendo com que o local nunca tenha nada, quem é “de fora” deseja fazer algo, mas as pessoas “locais” boicotam, fazendo o local nunca tendo nada.

Como pode ser percebido, esta espiral viciosa acaba acontecendo recorrentemente. Quando um local, que por alguma razão parece inexplicável, nunca recebe um evento ou região parece não desenvolver, este é o real motivo.

É bastante comum observar que muitos reclamam que em seu local preferido nunca acontece nenhum evento. Mas, tão logo profere esta reclamação, aproveita para maldizer qualquer pessoa “de fora” que realize, ou tente realizar, algum.

Mas estas mesmas pessoas percebem que este tipo de comportamento é exatamente o que faz com que qualquer pessoa se desmotive em enfrentar este xenofobismo?

Poucos sabem, mas a xenofobia pode ter como alvo não apenas pessoas de outros países, mas de outras culturas, subculturas, sistemas de crenças ou características físicas. O medo do desconhecido pode ser mascarado no indivíduo como aversão ou ódio, gerando preconceitos.

Não seria, portanto, a prática da escalada e montanhismo uma maneira de procurar conhecer pessoas e lugares diferentes? Seria portanto uma contradição ou, pior ainda, um sentimento de superioridade ilusória, de que uma região é “melhor” a outra e, consequentemente, que as pessoas nascidas ali são “melhores” que em outros lugares.

Ter apego à região que se vive é importante, mas não deve ser confundida com superioridade a outro lugares ou pessoas que ali não vivem ou nasceram.

Portanto, para estes mesmos “montanhistas” e “escaladores”, que sempre reclamam da vida ser injusta, possuidores de um imenso complexo de vira-latas, é um bom momento de fazerem-se algumas perguntas a si mesmo.

Por que então alguém, que quer ver a própria região valorizada, possui resistência a alguém que quer, inclusive, valorizar esta mesma localidade? Por que esta valorização deve, necessariamente, ser de alguém da região, mas não pode ser de alguém de fora?

Seria esta uma certa resistência a descobrir que esteve olhando para sombras todo o tempo, sem saber que eram necessariamente sombras?

Montanhismo e escalada com letras maiúsculas

Acreditar que o universo de esportes de montanha ser isento de preconceito, ou qualquer outro sentimento negativo, é inocência. O esporte é feito de pessoas. Pessoas estas que, inevitavelmente, possuem vários graus de inteligência emocional.

Além disso, estas mesmas pessoas possuem um histórico social diferente, carregando, portanto, suas visões particulares sobre o mundo e a coisas que a cercam. Assim, infelizmente, quem sofre de nanismo moral acaba também ingressando no montanhismo e escalada. Estas mesmas pessoas, por sofrerem de inevitável baixa autoestima, acabam desesperadamente procurando tornarem-se celebridades em seu círculo social.

Por possuírem esta debilidade, acabam criando este pânico de quem possa por ventura “desmascarar” suas debilidades e ignorância. Pois, como introduzido acima, este tipo de pessoa se beneficia de todos acreditarem que o mundo é “feito de sombras”.

Mas não seria o momento, com tantas incertezas a respeito de vários aspectos sociais e políticos do momento, começar a praticar o montanhismo com “M”, ou mesmo escalada com “E”, maiúsculos? Por que então frequentemente é visto esta espécie de “localismo”, com relação a qualquer evento realizado no Brasil?

Foto: Eric Gessner | https://eatandclimb.com

Que denegrir qualquer pessoa, ou veículo de comunicação (mesmo que sem argumentos concretos), é muito mais fácil, do que de fato fazer algo pelo local e comunidade que vive, todos sabem. Por isso mesmo que grande parcela recorre às redes sociais para apedrejar quem quer que seja.

Pois assim, mesmo sendo carrascos por nenhum motivo concreto, conseguem estender a fantasia pessoal de que seja “superior” ou “melhor” que todos. Mas, infelizmente, sua cegueira social e nanismo moral não permitem observar que ele mesmo colabora para sufocar o crescimento do esporte que pratica.

Estes mesmos montanhistas e escaladores, que preferem que o esporte seja marginalizado, contribuem para a transgressão dos direitos de um outro praticante, baseando-se em raciocínio sem conhecimento adequado sobre o assunto, tornando sua decisão pessoal injusta e infundada.

Portanto, com tantas possibilidades de divulgar o esporte e a atividade de montanha, já é hora de esquecer o xenofobismo e fazer algo pelo que gosta. Pois se a escalada e montanhismo é um estilo de vida, ficar resistente a ideias, técnicas e eventos novos é nada mais que um preconceito barato.

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