Você precisa de um treinador? Pense bem para responder

Calma, calma. Parece que o “sim” é uma resposta de certo modo rápida. Afinal, a ideia de um treinador parece interessante. Um tutor, um guia. Alguém para me orientar e dizer que preciso fazer para melhorar. Novamente, calma.

A ideia aqui é descrever o que seria um “treinador ideal”. Claro que tal conclusão é muito difícil de se dar, e talvez até impossível. Mas, por que não, darmos um pontapé inicial?

Foto: Liam Lonsdale | https://www.thebmc.co.uk

Treinador: para que serve?

O que entendemos por treinador? O seu educador físico na academia, aquele que te passa seu micro, meso e macro ciclo, é seu treinador? E se for, esse é o papel completo de um treinador?

Acredito que gastamos a palavra treinador de maneira errada, inadequada. Normalmente quando pensamos em treinamento buscamos soluções físicas. Queremos saber os exercícios, os métodos, a periodicidade. E se o anseio é voltado para essa esfera nada mais natural que considerar o educador físico como um treinador.

Mas me parece restritivo pensar em aplicar a palavra treinador e pensar em treinamento dessa maneira. Podemos desconsiderar o aspecto mental em nosso treinamento? Mental, mas técnico também. Escalada é extremamente técnica.

Ah, e vamos definir estratégias: não apenas no treino, mas no desempenho.

Ao optarmos por utilizar a palavra “treinador”, creio importante estabelecer uma visão mais ampla. É necessário entendermos que a prática esportiva necessita de mais conhecimento do que a especialização em apenas uma área. Temos que lembrar que a performance é dada pela união de aspectos diversos: físico, mental, técnico, tático, etc. Temos que lembrar que cada um desses campos é extremamente amplo e extremamente complexo. Temos que lembrar que é irreal somente uma pessoa centralizar tudo.

Foto: TrainingBeta | http://cruxcrush.com

Qual a solução então? Se necessitamos de diversos conhecimentos de diversas áreas, se necessitamos de diversas especialização, o que fazemos?

Aí entra a figura do treinador.

Quando penso em treinador penso em algo como um gestor. No mundo “ideal” teríamos um grupo de profissionais de diversas áreas, todos unidos em prol do atleta. Mas como cada profissional deve estar focado em sua própria área, se faz necessário alguém que una todos conhecimentos em prol de uma estratégia, em prol de um objetivo, em prol de uma meta.

Portanto, podemos pensar em uma equipe. Teríamos um educador físico, alguém com amplo conhecimento dos fatores de desenvolvimento físico. Teríamos um psicólogo, um nutricionista, um fisioterapeuta. E teríamos o treinador.

Bem, pensar o treinador como um “gestor” obriga-o a ter diversas habilidades. Me parece razoável pensar que este deveria centralizar conhecimento em todas as áreas. Conhecimento em psicologia, nutrição, treinamento físico. Obviamente, careceria de profundidade, mas o suficiente para permitir a comunicação.

E por que necessitamos de um centralizador? Aí creio que entra outro ponto chave do treinador: experiência.

Adianta treinar se não sabe “o que” treinar? Estabelecer um padrão, um objetivo, um caminho. Avaliar o atleta baseado no que falta em termos de desempenho não é trivial e demanda tempo. Uma forma fácil de ver isso é aquele beta salvador. Aquele beta que você escuta e que te diz, “joga o quadril um pouquinho para direita”. Dar betas é até fácil, mas talvez receber e dar um bom beta seja algo mais difícil.

E note que é relevante a experiência não apenas no esporte, mas no treinamento. Saber a dificuldade que é um determinado exercício, as frustrações que um projeto pode passar, a luta que é recuperar-se de lesões. Me parece importante também.

Foto: Sofia Bunger | https://rootsrated.com

Com uma visão mais holística, faz sentido distinguir e falar em treinador. Responsabilidade por unir conhecimento e definir a melhor abordagem. Passar para sua equipe o que ele com a experiência que angariou, com o conhecimento que possui e com a análise que efetua, os fatores necessários a se melhorar. E, através da troca de experiência e conhecimento com sua equipe, definir os melhores planos alimentares, ciclos de treinamentos, aconselhamentos psicológicos, etc.

Mas eu te dizia no campo do “ideal”. Afinal, quantos de nós tem condições de contratar uma equipe gerenciada por um treinador? Quando centralizamos nosso treinador em uma pessoa, a coisa complica. Complica porque, como já dito, um super especialista não existe.

Podemos entrar em uma discussão interminável do tipo ser “forte” é melhor que ser “técnico”, o jogo mental não é tão importante quanto a força de reglete, e outras comparações quase sempre vazias. Qual a contribuição de cada fator chave do desempenho? Poderei algum dia chegar a um valor objetivo e dizer que concentração, fator chave para performance, é 7,59% responsável por meu desempenho por exemplo? Creio que não.

E isso tornaria tudo mais fácil. Se concluísse que os fatores mentais equivalem a 65% da performance por exemplo, meu técnico poderia ser especializado em psicologia, mas com conhecimentos superficiais de outros assuntos. Assim estaria com o profissional mais especializado nos fatores de performance mais importantes.

Mas infelizmente não é assim.

Agora, treinamento não é feito apenas de aspectos estritamente técnicos. E, antes que você pule para a conclusão de como deve ser seu “técnico ideal”, devemos responder a outras perguntas.

Foto: http://onlineclimbingcoach.blogspot.com.br/

Eu realmente quero um técnico?

Treinar é sofrimento. Dói de verdade. E veja bem, não estou falando apenas de dor física. Claro que essa aí incomoda: músculos e articulações doloridas, bolhas e calos nas mãos e pés. Falo também da dor mental. Lidar com a queda de rendimento durante um ciclo de treinamento, acreditar que você é capaz de melhorar, persistência. É, treinar é sofrimento.

E por ser tão difícil treinar, uma análise do seu perfil pessoal é importante.

Gosto de treinos longos ou não? E se não gosto, estou disposto a fazê-los quando o ciclo determina necessário? E que tal adicionar uma corridinha a rotina, tem disposição? Ou até mesmo ter que descansar um dia completo! Nada de escalada mesmo. E aí, como você lida com essas imposições?

Tudo bem, gosta de treinar. Um perfil condizente com o do seu treinador ajuda também né?

Pense comigo: um treinador do tipo “sargentão” talvez seja uma grande fonte de inspiração para vários atletas, mas uma grande fonte de desmotivação para vários outros. E isso é estritamente pessoal. Um treinador que conversa demais, talvez seja algo interessante para aquele pupilo curioso, enquanto outros querem fugir do aspecto educacional do treino. Podemos pensar que um treinador com presença diária talvez seja o grande sonho dos atletas, mas outros talvez queiram alguém menos presente.

E aí elencamos outra habilidade do treinador: habilidade interpessoal.

Eu gosto de um treinador que me explique as coisas. Mas esse sou eu. Assim como converso com meu treinador, já tive pupilos que não se preocupam do por quê das coisas. Confiam de maneira silenciosa. E note que não estou falando que o curioso não confia. Novamente, habilidade interpessoal.

Habilidade interpessoal, análise pessoal própria de disposição e interesse.

E confiança? Claro, confiança. Cada treinador aplica uma estratégia, mesmo em itens e em conhecimentos pacíficos. Se te oriento por um caminho pouco convencional, parece razoável pensar que a confiança tem que existir. Afinal, ver todos os amiguinhos treinando campus e você de fora, pode ser sim desmotivador. Peixe, por quê não estou fazendo finger board? Por quê não estou fazendo campus board?

Muitas dúvidas e muitos aspectos. Eu acredito no trabalho do treinador. Acredito tanto que não me treino. Acredito na ideia de um terceiro avaliando meu desempenho, me passando experiências diversas e me fazendo fugir da minha constante e já conhecida auto análise.

E realmente um treinador ideal talvez seja impossível de se encontrar. Mas me apetece a ideia de que a escalada no Brasil está se desenvolvendo a ponto de pensarmos em discutir sobre isso. E me encanta encontrarmos profissionais de diversas especialidades buscando assessorar nossos atletas. Não se enganem, no Brasil temos excelentes treinadores em escalada em todas as regiões.

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