A cada vez que um homem alcançasse o cume de uma montanha.
Uma nova estrela deveria irromper no manto celeste.
E seu brilho seria indescritível e impossível de se macular.
Espécie de algum animal, há tempos extinto, deveria regressar.
E dessa vez não seria mais predado pelo próprio homem.
Sementes germinariam por entre as frestas dos paralelepípedos octogonais de nossas aldeias.
E nossos automotivos se desviariam delas, ate o dia em que teríamos que abandoná-los.
E nos readaptarmos a andar por entre arvores e flores como antes.
Um homem se apaixonaria pela mesma mulher novamente.
E outro perdoaria seu semelhante sem ao menos questionar de quem era o juízo.
Amém.
Este foi um insight que me ocorreu no cume de alguma montanha e que, para mim, tornou-se uma prece.
E então, onde está e o que é a tal virtude do título?
Aristóteles definiu a virtude como uma disposição adquirida de fazer o bem, e que se aperfeiçoa com o hábito.
Porém o questionamento sobre o que a vida precisa ter para se tornar excelente parece ser a mais crucial dentre as indagações que assolam nossas mentes. Creio que o encontro com a própria virtude talvez seja o caminho acertado.
O escritor alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) não sustentava crença em preces devido às suas convicções teológicas um tanto quanto peculiares. No entanto, ele tem uma abordagem muito acuidade acerca da virtude e a expressa com primor em uma de suas maiores obras, o famoso “Assim falava Zaratustra”:
‘’Leve o tempo que for, haja o que houver, custe o que custar, mas no dia em que descobrires qual é a tua virtude, não recues ante nenhum pretexto, pois o mundo tentará te dissuadir.’’
– Zaratustra
Descobrindo a sua própria virtude
A primeira estrofe da prece inicial, ‘’A cada vez que um homem alcançasse o cume de uma montanha’’, fala de um tipo específico de virtude, obviamente não aplicável a todas as pessoas, uma vez que nem todos possuem tais pretensões.
Mas, se substituirmos esse “Alcançar o cume de uma montanha’ por alcançar sua própria excelência, sua autêntica virtude, aquilo que lhe da prazer simplesmente por estar lá, então o restante da prece fará todo o sentido para qualquer um de nós.
É noiz
Em meio ao caos harmônico de guitarras distorcidas, percussões exaltadas e, ao fundo, uma flauta tímida que tenta com esforço fazer-se notar, o rapper paulistano Emicida, com toda sua musicalidade urbana contemporânea, vocifera versos agressivos ao mesmo tempo em que filosofa em tom de desabafo.
Suas palavras ao recitar a música intitulada ‘’Noiz’’, apesar de ecoarem como cusparadas de uma metralhadora, levam-nos a refletir quando num dos versos ele argumenta:
‘’A tempestade não se pergunta se molha os homens ou não,ela cai’’.
Emicida e Nietsche, alem de separados por mais de um século e apesar de possuírem uma ou outra diferença entre eles (RS), no que diz respeito à excelência e virtude, pensam de forma semelhante.
Não há relatos sobre fenômenos da natureza, animais ou plantas em que esses não cumpram sua obrigação, sua virtude. Eles fazem o que têm de fazer, independente de plateia.
A tempestade não se questiona realmente se pode molhar os homens ou não. Ela simplesmente cai. E as abelhas polinizam; e as leoas caçam; e as mangueiras dão mangas; e as roseiras, rosas.
É nóiz?
O único ser vivo que fugiu de sua virtude ao não viver pela sua própria excelência é noiz (somos nós, melhor dizendo). Talvez porque para nós, humanos, seja mais difícil viver por instinto como os animais, simplesmente.
A frase popular ‘‘livre como pássaros a voar’’, tantas vezes proferida, por julgarmos que já que os pássaros possuem asas, tem o céu como o limite podem ir aonde bem entenderem, quando e como quiserem, não é verdadeira.
O fato é que pássaros não são livres para decidir voar ou não. Pássaros têm que voar; lobos têm que uivar; trovões que trovoar e as mangas têm que crescer amadurecer e cair. Nenhuma manga jamais apodrecerá na mangueira. Antes que isso aconteça, ela cairá.
E, creiam, é isso que a torna completa.
Já o homem pode escolher o tempo todo, sobre quase tudo e quase todos.
E, creiam, essa é sua maior perdição.
“O universo é um lugar repleto de mistérios,
mas quem somos e o que viemos fazer aqui não deve ser um deles.”
– O. Prime
Se atentarmos sobre qual é a nossa excelência, o que realmente nos proporciona prazer, qual a nossa virtude, seja ela escalar uma montanha, alfabetizar uma criança, aliviar uma dor ou tocar um instrumento, e vivermos por essa virtude e sua prática, através do habito, serão muito mais fáceis e resolutas nossas escolhas, pois quaisquer que sejam elas, sempre nos apontarão para o caminho mais acertado – o caminho do bem.
A virtude também é uma arte.
Eis porque ela tem duas espécies de discípulos:
os que a praticam e os que a admiram.
– Marie Von Ebner- Eschenbach
Rui Paulo é escalador, formado em educação física e trabalha como Personal trainer na região metropolitana da cidade de São Paulo
[…] livros deixaram os primeiros indícios do surgimento da filosofia contemporânea. É dele a citação ‘O que não me faz morrer me torna mais […]
Parabéns Rui!! Pela reflexão, por ser esse profissional exemplar, um cara que nos anima a praticar algum tipo de esporte e que agora nos presenteia com esse blog! ???
Ótimo ponto de vista entre virtude e bem-estar. Fazer o que gosta é um dos pilares da virtude.
Parabéns Rui, ótimo e inspirador texto.
Perfeita reflexão…parabéns Rui Paulo!!
Uma visão de mestre, parabéns pela reflexão.