Toda prática esportiva possui tabus. Todo tabu é criado para que um grupo de pessoas consiga fazer com que uma prática seja culturalmente proibida, censurada de determinadas atividades sociais. O tabu sustenta discussões com temas polêmicos, geralmente discriminados pela sociedade, desde costumes, religiões, opções sexuais, estilo de vida, etc.
No caso do montanhismo, é o treino com pesos. Como para cada treinamento é necessário um profissional de Educação Física para orientar, há também diversas opiniões a respeito do assunto. Os treinadores mais modernos, especialmente aqueles que frequentam os cursos de treinamento na Europa (onde estão os melhores escaladores e montanhistas), costumam orientar seus atletas a realizar treinos com peso.
Embora treinadores diferentes possam dizer coisas diferentes sobre quais exercícios são melhores, a maioria dirá o seguinte: treinamentos de força são bons e devem ser contemplados. Obviamente que não deve substituir as sessões de treinos efetivos do esporte. Basta consultar vários treinadores de educação física para escutar uma das metodologias mais práticas para evitar lesões e manter a forma física, que é realizar algum treinamento com peso.
Levantamento de peso “piora” a escalada?
Algumas frases são repetidas à exaustão que que pareçam verdade e acabem aceitas por outras pessoas menos esclarecidas. Uma dessas frases é que escaladores somente precisam escalar e que outras atividades não agregam nenhuma melhoria.
Por este tipo de pensamento é que a força do antebraço e dedos é treinada à exaustão, até mesmo com ferramentas de treinamento já consideradas antiquadas por treinadores modernos. Uma delas é o Campus Board, imortalizado pelo escalador alemão Wolfgang Gullich, mas que atualmente sequer faz parte de treinos de escaladores como Adam Ondra, Alex Megos, Stefan Grisolfi, Janja Garnbret, Shauna Coxsey e Akyio Noguchi. Não acredita? Verifique então vídeos e fotos destes escaladores utilizando um Campus Board.
Problema de acreditar tão fortemente neste tabu, é que de fato o treinamento de muitos escaladores deixam os dedos e antebraço fortes. Mas que frequentemente ombros e cintura escapular de montanhistas são frequentemente alvo de lesões.
Portanto, uma maneira de prevenir lesões é justamente treinamento com peso. O que o montanhista, ou escalador, deve ter em mente é que o treinamento de peso não necessariamente é para ganhar massa muscular, mas para preparar o músculo, jutas e cartilagens para suportar determinada carga de esforço. O treinamento de força é um método eficaz de prevenção de lesões.
Para cada sessão de treino, o condicionamento físico é resultado do que você faz, não como se sentiu. Pois focar apenas em como um exercício determinado fez você se sentir é uma perda de tempo. Todos sabem que trabalhar com peso é algo entediante, principalmente para quem está acostumado com atividades mais “emocionantes”.
Treinos ignorados por montanhistas e escaladores
Durante uma rápida pesquisa em academias, especialmente do Brasil onde a visão sobre treinamento de escalada ainda parece não estar em ressonância com a modernidade, é perceptível o preconceito e a ojeriza de escaladores com treinamento com pesos. Muito dessa aversão, em grande parte, é da obrigatoriedade de ter algum instrutor, em geral um educador físico, para a orientação de cargas e exercícios. Por outro lado, nem todo profissional de educação física entende sobre treinamento de escaladores o que acabou sustentando o mito até os dias de hoje.
Porém, é raro uma academia possuir equipamentos básicos de levantamento de peso, ou mesmo um aparelho de remada, para quem queira fortalecer a musculatura opositora ou complementar o treino. Todos os profissionais de educação física consultados recomendaram um treino de peso com uma observação interessante: “escaladores necessitam realizar pelo menos um dia de treino de pernas”.
Muito além da estética, o agachamento serve para fortalecer as pernas e é um dos exercícios mais completos que existem, pois a composição dos músculos, articulações e tendões envolvidos é grande. Quem treina constantemente agachamentos possui boa mobilidade de quadril e força nos grandes grupos musculares das pernas.
Claro que um montanhista ou escalador não necessita de grandes cargas, mas de uma carga ideal de acordo com sua realidade. Este valor ideal deve idealizar o técnico do (a) atleta, o qual, claro, deve ser também um profissional de educação física.
Um outro conselho dado pelos profissionais de educação física consultados para este artigo, é que escaladores pouco utilizam os pesos para treinar o Core. Inegavelmente muitos escaladores treinam Core, mas somente com o peso corporal. Não é visto em academias outros tipos de treinos, como abdominais com pesos, “Russian Twist” e até mesmo a prática de prancha com pesos nas costas.
Somente estes dois exercícios citados, são vistos frequentemente nos treinos de atletas de elite. Porém, como citado, academias de escalada brasileiras ainda focam no que antigos ídolos dos anos 1990, como Wolfgang Güllich, Chris Sharma, Ron Kauk e Jerry Moffatt treinavam. Mas, não seria ideal também observar o que faz em termos de treinamento Alex Megos, Adam Ondra, Shauna Coxsey, Jajna Garnbret, Maya Vidmar e Tomoa Narasaki?

Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.