Crítica do filme “Stone Locals” – O melhor filme de escalada que verá em 2020

Nunca achei que iria começar uma crítica de filme dizendo isso, mas a escalada salvou a minha vida. Houve momentos que por acontecimentos que passei quase que enlouqueci e por muito pouco não coloquei um fim nela. Foi justamente a escalada que me ajudou a manter a sanidade e aprender a dar valor na minha vida.

Provavelmente se não fosse ela não teria passado praticamente 15 anos escrevendo sobre isso, nem tornado a Revista Blog de Escalada o veículo que é hoje. Ao longo de quase 20 anos de vivência no esporte pude verificar vários casos semelhantes ao meu. Pessoas que encontraram um rumo na vida por causa da escalada.

Agradecidas, estas mesmas pessoas procuraram fazer algo pela comunidade e dar o devido retorno ao esporte que pratica e diz amar. Alguns administraram hostels e abrigos de montanha, outros levaram crianças para conhecer o esporte e houve até quem tornou-se guia de escaladas ou route setter. Todos estes procuraram dar o retorno da maneira que podia.

Claro que há pessoas que usam o esporte apenas como desculpa para viver uma adolescência tardia, como se fossem Peter Pan de cadeirinha e encordados em nome de algo que não existe. Não é segredo para ninguém que a interpretação equivocada da falecida cultura hippie, faz com que haja uma parcela considerável de escaladores e montanhistas que são apenas mendigos egoístas com fugindo de problemas.

Pois o documentário da marca Patagonia “Stone Locals” toca em um ponto que muitos produtores esqueceram durante a curta vida dos filmes outdoor: as pessoas de verdade. Pessoas como eu e como você, que gostam de escalar, de estar na montanha e que se sentem vivas quando experimentam uma linha boulder ou mesmo uma via sem se importar com o grau.

Pessoas que apesar de não estarem buscando escalar o grau mais difícil do universo, para ostentar aos amigos para esconder a baixa auto estima, praticam a modalidade para se sentirem livres. Nem que seja por alguns minutos. Pessoas que logo após esta prática, voltam para as suas vidas e tentam sobreviverem na sociedade da melhor maneira, mas não fugindo dela. Alguns com a mesada do pai rico, outros trabalhando como limpador de janelas.

Entretanto o filme “Stone Locals” é muito mais que apenas mostrar pessoas simples que escalam. É sobre como o esporte necessita de quem dê retorno a ele, seja por meio de educação ou serviços. Alguém que mantenha a prática ser difundida e que seja visto pela sociedade muito além de um bando de loucos que saem escalando por aí.

A produção documenta a vida de Kathy (que teve problemas de assédio sexual), Daniel (que teve de enfrentar a doença de sua filha), Dario (que administra o negócio da família que faz sucesso entre os escaladores), os irmãos Keithleys (que enfrentaram depressão e preconceito da sociedade) e Jumbo (que é assombrado pela morte do amigo também escalador). Todos eles com perfis de escaladores que encontramos vez ou outra em abrigos de montanha ou falésias de escalada esportiva.

Além de possuírem perfis comuns dentro do esporte, todos possuem uma mensagem a dar. Todos possuem uma mágoa na alma, que o esporte ajudou a contornar. Mas acima de tudo, todos procuram contribuir com a sociedade, retornando para o esporte e o mundo que vivem de alguma maneira. São pessoas que estão longe de ser os pseudo-hippies burgueses que acabaram se multiplicando na escalada.

Todas as histórias são independentes e não se cruzam em nenhum momento do filme. Porém, todas tem um ponto em comum: são personagens típicos de um esporte que poucos o compreendem. Durante a exibição fica nítido que o filme quer trazer o expectador a fazer uma reflexão: para onde vai o esporte sem o engajamento dos próprios praticantes?

Uma reflexão válida, visto que sobram valentões em grupos de WhatsApp, os quais gastam suas energias se vangloriando de suas conquistas efêmeras para buscar humilhar algum integrante (como se isso o fizesse melhor escalador que os outros). Neste momento da história da escalada que parece que todo praticante parece sofrer de síndrome de Dunning–Kruger, achando que sabe mais que todos e que é o mais esperto do mundo.

Mas este mesmo escalador modernoso, que foi mimado pelos pais e pelos confortos da sociedade, sequer passa pela sua cabeça fazer algo pela comunidade, ou mesmo entender que outras pessoas passam por problemas e realidades duras. Por este, além de muitos outros, o filme “Stone Locals” se faz necessário.

Produzido pela marca Patagonia, é uma iniciativa da marca de agora também investir em obras audiovisuais para que haja uma certa educação e conscientização dos praticantes. Uma tentativa de que, pelo menos por meio de um filme, seja demonstrado que se cada pessoa não der um mínimo de retorno pelo esporte, ele pode perder a sua essência.

Filmado e dirigido por Mikey Schaefer, o filme é uma pelo singelo e poético por uma maior empatia de todos com todos. Um pedido poético pelo engajamento de cada elemento junto à comunidade. Não explicitamente também é pelo fim dos xerifões dos locais de escalada. Se vai conseguir chacoalhar a consciência de gerações de pessoas acostumadas a simplesmente olhar para o próprio umbigo, é inserto.

O que há de concreto é que “Stone Locals” é, para o ano de 2020, o qual está marcado por uma pandemia e mais radicalização de discursos (além de escancarar o egoísmo de escaladores irem praticar o esporte mesmo durante a quarentena), um filme obrigatório para nos fazer refletir e repensar como vemos a vida hoje. Porque quem não aproveitou durante o distanciamento social (se é que respeitou) para assistir este filme, acabou perdendo um dos melhores filmes do ano.

Nota Revista Blog de Escalada:

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