Solados: O que faz uma liga de borracha aderir mais que outra?

O solado é parte fundamental da arquitetura da construção de qualquer calçado. Desde o desenvolvimento da vulcanização para calçados de montanha, várias ligas de borracha foram criadas para fornecer mais aderência, durabilidade, estabilidade e conforto.

Porém, há um pequeno problema nesta matemática: quando se deseja um destes itens mais do que outros, algum terá de ser sacrificado. Não entendeu? Fácil de explicar: quando o desejo é uma liga de borracha que é com muita aderência, a durabilidade acaba sendo reduzida. Repare que na explicação está escrito reduzida, mas não comprometida. Pois durabilidade faz parte da qualidade de qualquer calçado.

O que é a borracha

A simplificação de que o material de um solado é apenas borracha, pode acabar dificultando o entendimento do que faz parte de um calçado. “Borracha” refere-se amplamente a uma classe de materiais duros e elásticos, tão onipresente que é difícil de definir em apenas uma palavra. A esta gama de materiais é que damos o nome de “liga”. Aproximadamente 40% da borracha que usamos em um calçado de montanha é de látex, produzida naturalmente pelas seringueiras.

Observando em um nível atômico (organização dos átomos ou moléculas em relação uns aos outros), o látex e outras borrachas são compostos de longas cadeias de átomos de carbono decorados com átomos de hidrogênio.

Cada cadeia é uma molécula única com 40.000 a 50.000 carbonos de comprimento. Cada cadeia é flexível por si só, mas juntas elas são fortes ao longo do eixo, como uma seção de corda. Eles se enroscam e grudam uns nos outros para formar uma borracha flexível e pegajosa que pode dobrar com o pé e moldar-se em torno de grãos de arenito. Quanto mais contato faz com uma superfície, mais atrito gera, mantendo o pé onde ele precisa ficar.

Esta é a explicação científica de porque o solado de uma bota, ou sapatilha de escalada, consegue “grudar” em uma rocha. Atualmente, a borracha natural é uma maravilha, mas não é perfeita. É muito pegajosa quando quente e muito frágil quando está fria. Essas longas cadeias de hidrocarbonetos escorregam muito em altas temperaturas e não são eficientes em baixas temperaturas.

A breve história da borracha

A primeira evidência do uso do látex vem da sociedade olmeca. Esta civilização tem origem da antiga cultura pré-colombiana da Mesoamérica e que se desenvolveram nas regiões tropicais do centro-sul do atual México e habitou a floresta amazônica há cerca de 3.000 anos. Os olmecas extraíam seiva de látex branca e pegajosa das seringueiras e a usava para botas e roupas impermeáveis.

Os europeus viram a substância pela primeira vez no início dos anos 1700. Joseph Priestley, um químico britânico qual creditado a descoberta do oxigênio, descreveu um de seus primeiros usos no Ocidente: esfregando o material marcas de lápis sumiam, daí a palavra “rubber” (rubbing = esfregar). A extração do látex, outrora chamado no Brasil de ouro branco devido à sua grande relevância econômica durante o ciclo da borracha entre 1880 e 1910, acabou sendo transportada para outros países após o plantio de mudas de seringueira na Índia e no sudeste da Ásia, de onde vem a maior parte da borracha atualmente.

A primeira grande melhoria foi a vulcanização, um processo desenvolvido em 1800 que endurece a borracha com enxofre em alta temperaturas. O látex vulcanizado permanece forte e flexível em uma faixa de temperaturas e mantém sua elasticidade após repetidos alongamentos. Esta descoberta foi que possibilitou os pneus de borracha, correias de motor e solas de sapato.

As maiorias das borrachas usadas atualmente são sintéticas, feitas de combustíveis fósseis com aditivos químicos. O acetileno negro é um componente que torna a borracha mais rígida, mais forte e mais durável. Outros aditivos aceleram o processo de fabricação ou dão um toque de cor.

Solados

A maioria das sapatilhas de escalada no mercado usa fórmulas de borracho padrão, as quais são produzidas em massa. Empresas como a Vibram, fabricante que produz grande parte da borracha encontrada em calçados de montanhismo, tentam prosperar nos nichos. A Vibram faz solas desde os praticantes de paraquedas, passando por guardas que trabalham na prevenção de incêndios florestais e até para soldados. A Vibram fabrica borracha para empresas de calçados como a Scarpa e a La Sportiva. Particularmente para escalada, as borrachas XS Edge e XS Grip 2 são dois dos produtos mais vendidos da Vibram.

Os componentes destas ligas é um segredo industrial e protegido por copyright. Do que é sabido, cientificamente falando, é que solados de sapatilhas de escalada contêm componentes como carbono, argila, e a borracha em si não é vulcanizada tanto quanto em outras borrachas de calçados comuns. Isso mantém o solado macio e pegajoso. Um segredo para uma boa borracha, assim como a cerveja artesanal, é controlar e ser capaz de repetir as reações químicas entre os ingredientes.

Essencialmente, cada composto único é uma mistura de diferentes tipos de borracha: látex, butadieno, cloropreno e outros. Para fazer uma borracha que mantenha a borda, algo um pouco difícil, adiciona-se mais butadieno. Mas isso pode causar interferir em outro aspecto da borracha, algo tão fundamental como quanto tempo as solas devem tomar na fabricação. Fazer uma nova liga de borracha, desde o projeto, passando pelos testes e chegar a ser vendido, pode levar anos.

Poucas novas ligas são totalmente inventadas e criadas a partir do zero. A maioria são variações de fórmulas existentes, otimizadas para o uso específico e de acordo com aceitação de mercado. Maioria dos engenheiros químicos que trabalham com solados de calçados de montanha contam com bíblia do químico da borracha: The Vanderbilt Rubber Handbook, um manual técnico sobre composição e processamento de borracha.

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