(Sobre)viver e Escalar

O ano de 2016 nos trouxe muitas notícias e acontecimentos assustadores. Temos mais um Impeachment para contar, mais um golpe, várias mortes de celebridades, as Olimpíadas aconteceram no Brasil, atentados, acidentes catastróficos, doenças assustadoras, microcefalia, etc.

Grandes mudanças foram impostas ao povo brasileiro mas, isso todo mundo sabe, o que eu nunca imaginei é como esse ano também mudaria minha vida, minha rotina e minha visão sobre o esporte e estilo de vida.

Foto: Almir Neves

Já estava com férias agendadas, passagem comprada, hospedagem paga quando recebi a notícia da demissão. BUM!! Um choque! Ok, estava meio insatisfeita no trabalho havia algum tempo; desmotivada seria a palavra mais precisa mas, de fato, eu não esperava a demissão.

Não havia muito o que fazer a não ser aceitar que grande parte do Brasil passava pela mesma experiência ‘estranha’ que eu, porém, foi impossível não me sentir meio que descartável. Pensei. “Só me resta agora curtir as ‘férias’ (que seriam em menos de um mês) e, quando retornar, vejo o que fazer da vida”.

Foto: Michelle Soares

Lá fui eu para o famoso estado de Minas Gerais! Passei dias passeando entre Lapa do Seu Antão, Lapinha, Sítio do Rod e Serra do Cipó! Foi o início de um GRANDE processo de reciclagem pessoal. Conheci novos lugares, revi grandes amigos, ganhei mais alguns. Mais do que nunca, repensei minhas escolhas. Naquele momento ainda não sabia o que queria para o futuro, mas tinha certeza do que eu NÃO queria. Com o término das férias, me despedi dos amigos/irmãos que a vida me presenteou e voltei para ‘casa’ meio que com planos engatilhados; pus os pés em casa num domingo e na quarta já estava com mais uma passagem comprada, na certeza dos abraços e dos muitos sorrisos.

Pouco mais de um mês se passou e lá estava eu novamente no aeroporto, meio doente, mas feliz, com a cargueira entupida de promessas (equipamento de escalada) e de grandes aventuras. O destino? Vários! Rio de Janeiro, São Bento do Sapucaí e Bosque das Paredes Ocultas (BPO).

Foram doze dias escalando, ao todo catorze dias bonitos. Mais uma vez trouxe na mochila “N” lições aprendidas; a lembrança de cada nova via, cada parceria, cada desafio proposto, lembranças de um mero por do sol em São Bento do Sapucaí, de escalar num frio de doer no BPO, da primeira vez escalando entre as nuvens, na Floresta da Tijuca, de sentir cada músculo do meu corpo doendo, e mesmo assim, me manter em pé, com a disposição de uma criança de 5 anos que não quer parar de brincar quando a mãe chama para jantar.

Foto: Daniel Souza

Aportei em casa novamente, dessa vez, com obrigações a cumprir. Eu e um amigão agarramos a causa de fazer a 15ª edição do Encontro dos Escaladores do Nordeste 2016 acontecer. Foram meses de trabalho, estresses,  sangue, suor e lágrimas, enfim, muito amor envolvido.

O EENe aconteceu e foi bonito com aqueles que lá estavam; seu término foi o início de mais uma climbing trip, desta vez, contemplando alguns estados do nordeste (AL, PE e PB), contando com a presença de alguns dos amigos envolvidos nas duas últimas aventuras (MG, SP e RJ). Foram outros doze dias na completude, com escalada, amigos, cruxes e mais uma bagagem enorme de lembranças.

Faltando pouco mais de um mês para o apagar das luzes de 2016, restava ainda uma última aventura, acompanhar um amigo em sua ida à Chapada Diamantina. A essa altura do campeonato era impossível engolir a sensação ruim de que, meses se passaram desde a demissão e eu ainda não sabia o que fazer em relação ao futuro.

Por fim, a viagem aconteceu. Foram grandes turbulências dentro e fora avião mas, é sabido que, a bagagem de volta é sempre mais pesada. Além da roupa suja, dos equipamentos, do café artesanal, trouxe comigo novas analogias e reflexões, lembranças inesquecíveis e, algumas bem esquecíveis!

Foto: Daniel Souza

A agarra bônus dessa climbing trip foi presenciar uma onça pintada em seu habitat natural (deu medo!).

Enfim, finquei os pés em casa sem promessas de grandes viagens. Foi um ano irrequieto, eu sei. E sem sombra de dúvidas, a escalada me ajudou muito nesses últimos meses, garantindo-me a sanidade. Falo sério!. Sobre o processo de reciclagem? Continua rolando há meses! Parece até que estou vivendo um 5S interno e eterno.

Nesses últimos meses, posso afirmar que desapeguei de muita coisa, joguei fora um molho de mágoas e pensamentos. Aprendi e reaprendi a respirar, confiar nos meus pés (passos), ler a via (vida) com mais calma e responsabilidade e descobri que a melhor sensação na escalada (vida) é a divisão do peso, das enfiadas, da responsabilidade, do grande apoio na passagens dos MUITOS cruxes, alegrias e dos muitos perrengues.

Precisei ter minha vida virada de cabeça para baixo por dentro e por fora para descobrir as mil facetas das quais sou capaz. Novas perspectivas foram surgindo, e ainda continuam.

Foto: Guilherme Taboada

Confesso que, muitas vezes estive cansada, exausta, chorei só. Um turbilhão de emoções vieram à tona e, em dados momentos, as fraquezas foram ficando mais fortes. Mas, passada a tempestade, a sensação foi meio que calmaria.. me encontrei praticamente imune as coisas pequenas, as críticas destrutivas, aos pormenores, aos casos pequenos que o ser humano insiste tanto em MEGALOMANIZAR.

Segui respirando, me apoiando aqui, ali, na lembrança de um move difícil, de uma cadena suada, de alguns momentos de superação (lembrando que, sair do pico sem a cadena desejada às vezes ensina BEM MAIS!).

Alguns amigos foram essenciais e continuam sendo. De maneira natural, abrolhou uma seleção natural dos mesmos. Fico feliz em afirmar que, não é toda ‘seg’ que nos da a segurança necessária numa possível queda e, através dessa ideia, passei a prestar mais atenção nos movimentos de quem me proponho segurar. Até o ouvido parece que desentupiu, avaliando de onde vem os betas mais importantes.

Foto: Acervo pessoal Janine Falcão

Hoje, reciprocidade, companheirismo, boas parcerias, são aspectos basilares; inerentes não só à vida, como à escalada, ao meu viver bem.

Ao longo desses 10 meses de desemprego, aprendi um bocado (como se diz na minha terra). Não procuro dores mas, sei o quanto escalar e viver podem doer. Não há dor que mais incomode do que desistir e negar o aprendizado, ou seja, desistir de evoluir.

Hoje, após 5 anos escalando, o estilo de vida é outro, o amor envolvido é imensurável, a fé… Nem se fala! Tanta coisa é requisito para escalada e para vida. Nesses últimos meses escalei muito, caí muito, confiei na ‘seg’. Me reavaliei, aceitei a sensação de perda, de estar perdida mas, me sinto orgulhosa por não desistir de escalar minha própria vida.

Foto: Acervo pessoal Janine Falcão

There are 4 comments

  1. Pedro Campos

    “Não é toda ‘seg’ que nos da a segurança necessária numa possível queda e, através dessa ideia, passei a prestar mais atenção nos movimentos de quem me proponho segurar. Até o ouvido parece que desentupiu, avaliando de onde vem os betas mais importantes.”

    Grande lição da escalada da vida.

    Imagino o quanto deve ter sido difícil esses meses depois da demissão, mas são os cruxes da vida que todos nós passamos.

    Uma coisa é certa, essa escalada não para e quem não quiser continuar subindo pode acabar caindo.

    Levo até hoje seus ensinamentos

    Um Beijo Grande nesse seu Coração Gigante

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