Regletar ou não regletar – A ciência da escalada para otimizar sua pegada e prevenir lesões

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Sempre que se fala das posições das mãos quando apertamos as agarras afirma-se que o arqueamento da posição mais lesionante de todas é a “regletada”. Entretanto já sabemos que para os regletes muito pequenos, não existe outra solução. Esta situação nos coloca em uma escolha, já que o abuso desta postura das mãos pode nos levar a uma lesão e, por outro lado, a falta de uso dela fará com que as estruturas de tendões se lesione.

Vejamos então um pouco da anatomia da mão, que é algo um pouco complexo, especialmente do ponto de vista biomecânico (se é que há algo mais complexo que os movimentos da mão desde a perspectiva anatômica).

Os flexores dos dedos, flexor comum superficial (FCS) e o flexor comum profundo (FCP), são os encarregados da flexão dos dedos (com exceção do polegar). Dada a anatomia da mão e que sua inserção proximal está no antebraço, os tendões destes músculos devem manter-se unidos aos ossos, para poder cruzar todas as articulações correspondentes e conseguir realizar sua função.

Para isso existem algumas articulações fibrosas que permitem que os tendões sigam seu caminho. No desenho são as estruturas em cor azul. A primeira de todas, na região do pulso, é denominado conduto carpiano enquanto as seguintes que já estão discriminadas para cada dedo chamam-se polias.

Agora vejamos mais de perto que acontece com os tendões quando tentamos apertar uma agarra. O arqueamento é uma posição que as articulações dos dedos se encontram em uma determinada posição: a articulação distal (última articulação do dedo), que é chamada de DIP, encontra-se estendida ou hiper-estendida (ou seja mais que os 180º como é mostrado na figura) e a articulação proximal, denominada PIP, encontra-se em flexão e, por isso, a flexão da articulação PIP é muito menor.

Schweizer e cols (2011)

Schweizer e cols (2011) | Foto: http://rocanbolt.com

Já foram feitos vários estudos da fricção destes tendões sobre as polias utilizando mãos cadavéricas como no estudo de Moor e cols. (2009), no qual descobriram que a maior fricção nos tendões se encontram quando a articulação PIP está flexionada próximo dos 90º.

Em um outro estudo realizado por Schoffl e cols. (2009), também com mãos cadavéricas, analisaram a influência destas duas posições nas polias. Para isso mediram as forças nos tendões e a exercida na ponta dos dedos de ambas posições de agarre. Os autores concluíram que a ruptura da polia A4 aconteceu em 50% dos dedos testados em posição de arqueamento e nenhum na força dos dedos em extensão.

As forças que suportaram os tendões (até a ruptura) foram de 371 N (equivalente a 37,1 kg) e 348 N (34,8 kg) na extensão e arqueamento respectivamente, o que foi uma diferença significativa do ponto de vista estatístico. Mas as forças que aturaram sobre as polias foram mais que o dobro do que no arqueamento:

  • Polia A2
    • Extensão: 121 N (12,1 kg)
    • Arqueamento: 287 N (28,7 kg)
  • Polia A4
    • Extensão: 103 N (10,3 kg)
    • Arqueamento: 226 N (22,6 kg)

Estas forças que se duplicam fazem com que a posição de arqueamento seja a principal causa de lesão ou ruptura das polias. O que se sabe é que esta posição da mão, que é por muitas vezes a preferida, é possível nela exercer muito mais força!!

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Em um estudo recente realizado por Schweizer e cols (2011), tinha como foco a força que exercem os tendões flexores em cinco diferentes tamanhos de agarras, tanto com as mãos arqueadas como em extensão. Para isso utilizaram mãos cadavéricas, tirando os tendões principais (primeiro de uma e depois das duas) com 40 N de força aplicada e mediram o resultado da mesma na agarra.

O arqueamento das mãos sobre agarras pequenas o flexor comum profundo dos dedos (o tendão que vai até a última falange) é que exerce mais força. Em contrapartida em agarras grandes o flexor superficial (que vai até a antepenúltima falange) é quem exerce mais força. No caso da agarra em extensão o flexor profundo foi o principal em todos os casos.

Os autores concluem que a preferência dos escaladores em deixar a mão arqueadas não somente é porque podem utilizar o polegar para ajudar a exercer força, mas também porque nesta posição é possível gerar uma força maior de flexão e torque. Quando de força ambos os tendões (superficial e profundo) o arqueamento sempre gera maior momento de flexão em relação à posição em extensão, independente do tamanho da agarra.

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Isso pode ser explicado a partir da fricção gerada por ambos os tendões e polias. A situação foi analisada in vitro em animais e humanos. Morcegos e alguns mamíferos escaladores possuem um mecanismo chamado bloqueio de tendão, no qual o tendão flexor atua e se bloqueia com a cobertura fibrosa do tendão o qual permite pendurar-se, e até mesmo dormir e hibernar, em uma posição sem estar gastando energia.

Este mecanismo é similar (mas muito distante) nos humanos onde existe um mecanismo de compressão do tendão pelo qual o flexor profundo é comprimido circularmente pelo flexor superficial e pela polia A2. Tornando assim mais fácil e econômico manter-se em uma posição de arqueamento (Schweizer, 2007).

A explicação acima nos oferece uma ideia do porque alguns preferem o arqueamento com relação a outro tipo de agarre, visto que inconscientemente alguns tendem a acomodar-se à posição que mais parece cômoda. Mas muito cuidado com isso, já que as estruturas onde são geradas a fricção não estão preparadas para suportar tais forças e podem romperem ou lesionar.

Conclusão

Para os que recentemente iniciaram na escalada é conveniente não abusar do uso do arqueamento e, de maneira prudente e com acompanhamento, estimular a utilização dos dedos em uma extensão para resolver as situações comuns da escalada. Evoluir progressivamente no uso do arqueamento das mãos é importante para, pouco a pouco, ir estressando as estruturas propensas a lesionar-se (em especial as polias) para que se fortaleçam.

Sempre é necessário saber que o ganho de força são mais rápidos do que as melhores na resistência dos tendões e polias, por isso para quem se acostumou a arquear as mãos desde o início, e somente utiliza esta posição, possui grandes possibilidades de lesionar-se.

Para os escaladores já experientes, o ideal não é evitar o arqueamento mas exatamente o contrário. Usar esta postura e treina-la com critérios definidos de progressão de cargas e sobretudo de maneira segura, já não somente deve-se pensar em poder apertar micro-regletes, mas também em fortalecer a polia para poder suportar este tipo de esforço.

Por isso tenha paciente, precavido e não apressar-se.

Bibliografia

  • Kapandji, A.I.,(2007). Fisiología Articular – Miembro superior. Ed. Medica Panamericana
  • Moor, B. K., Nagy, L., Snedeker, J. G., & Schweizer, A. (2009). Friction between finger flexor tendons and the pulley system in the crimp grip position. Clinical biomechanics (Bristol, Avon), 24(1), 20-5. Elsevier Ltd. doi:10.1016/j.clinbiomech.2008.10.002
  • Schöffl, I., Oppelt, K., Jüngert, J., Schweizer, a, Neuhuber, W., & Schöffl, V. (2009). The influence of the crimp and slope grip position on the finger pulley system. Journal of biomechanics, 42(13), 2183-7. doi:10.1016/j.jbiomech.2009.04.049
  • Schweizer, a. (2001). Biomechanical properties of the crimp grip position in rock climbers. Journal of biomechanics, 34(2), 217-23.
  • Schweizer, A., & Hudek, R. (2011). Kinetics of crimp and slope grip in rock climbing. Journal of applied biomechanics, 27(2), 116-21.
  • Schweizer, A., Moor, B., & Bircher, H., (2008). Interaction of flexor tendons and pulleys in sport climbing . The Engineering of Sport 7 – Vol.1, 19-26

Tradução autorizada: http://www.rocanbolt.com

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