As atividades outdoor ganharam destaque em todo o mundo nas últimas décadas. Especialmente o trekking, que é uma das atividades mais acessíveis e que proporciona uma gama de opções de diversão e desafios.
Muitas pessoas por todo o mundo têm se lançado no mato com suas mochilas. Muitos sem o mínimo de preparo físico e equipamentos e sem tomar as medidas de segurança recomendadas. Mesmo os trilheiros experientes costumam relaxar em relação à segurança na trilha.
O trekking tem como requisito um mínimo de planejamento e preparo físico, pois estaremos em ambiente natural sujeito a vários riscos e distantes da civilização, ou seja, longe de um eventual socorro. Um item fundamental do planejamento é mitigar os riscos inerentes ao trekking.
Como fazer isso?
Podemos listar os riscos da trilha a ser feita, definir as probabilidades de ocorrência e planejar ações caso uma situação de risco se apresente. Cada evento crítico (acidente) ocorrido forçosamente significará alteração no padrão de movimentação da equipe e/ou de alguns de seus membros, isso se refletirá no link do sistema de rastreamento escolhido, seja ele qual for.
Mesmo sem haver acidentes com o grupo, o simples fato de alteração na movimentação pode significar uma necessidade de auxílio e até de resgate.
Com o surgimento de rastreadores via satélite a preços relativamente acessíveis, muitas pessoas passaram a utilizar esses equipamentos e se sentiram plenamente seguras em suas aventuras. Evidente que portar e saber usar esses equipamentos traz mais segurança, porém, várias situações críticas podem ocorrer de modo a tornar o rastreador inútil.
Por exemplo, as pilhas descarregaram quando o grupo estava perdido, ou houve uma enchente e o grupo está ilhado e a água levou o rastreador. São várias situações que, se não previstas, podem dificultar o auxílio.
Protocolos de rastreamento
Divulgar antecipadamente o roteiro completo e o link do rastreador é o primeiro passo. Mas não o único. Alguém vai acompanhar a movimentação? Quem receber uma mensagem como deverá tratá-la?
Esta são preocupações básicas que nem todo trilheiro experiente tem.
Considero nesse artigo um rastreador que apenas envia mensagens pré-programadas, sem comunicação online (como a maioria em uso no Brasil). Então é mandatório combinar ações com as pessoas que acompanharão o grupo remotamente pelo link do rastreador.
Estes são os protocolos a serem usados durante a monitoração a fim de evitar falhas na comunicação entre as partes e agilizar o eventual resgate.
A primeira providência depois de elaborar e divulgar o roteiro, é escolher uma pessoa que tenha disponibilidade e experiência com internet para cumprir as atribuições de rastreador remoto. Essa pessoa, além de acompanhar periodicamente o link, receberá TODAS as mensagens enviadas pelo grupo em campo.
Portanto ela terá sempre uma boa noção de onde está o grupo e se está tudo em ordem. O grupo determinará antecipadamente com o rastreador remoto o tipo e a frequência das mensagens.
Por exemplo: diariamente a partir das 9h e até as 18h serão enviadas mensagens “tudo bem” para o link e via SMS para os smartphones determinados. A última mensagem enviada no dia será considerada o ponto de pernoite e deverá ser enviada após o intervalo combinado, ou seja, após as 18h nesse exemplo.
Caso não haja sinal nem mensagens por um determinado período, o resgate deve ser acionado, pois é possível que o grupo esteja precisando de ajuda. Esse “período” deve ser definido antecipadamente com bastante critério, pois há de se considerar:
- O tipo de trilha
- O tamanho do grupo
- A experiência dos membros
- A meteorologia
- A posição do último sinal registrado
- O acesso à região
Geralmente considera-se um mínimo de 24h, e máximo de 60h, até se acionar o resgate aéreo.
A situação acima, de necessidade um resgate, tende a ser rara se o planejamento for bem feito. A recomendação é que o grupo utilize pelo menos dois rastreadores, com dois conjuntos de pilhas cada.
Todos os equipamentos devem ser testados antes de irem ao campo, assim como a transmissão, recepção e tratamento das mensagens. além disso, todos os conjuntos de pilhas deverão estar carregados.
Uma regra que deve ser evitada é a comunicação via smartphone, pois é um equipamento muito frágil, que consome muita bateria e que pode não estar disponível quando preciso. Deve-se levar o smartphone para a trilha, mas considerá-lo um equipamento auxiliar de segurança, mas não o principal.
Casos Graves
São várias as possibilidades de acidentes que exigem auxílio externo. Todo procedimento deve ser combinado antecipadamente com todo o grupo e o rastreador remoto.
Em casos graves, todo o grupo se mantém no local e o socorro via aérea deve ser solicitado imediatamente utilizando o rastreador no mínimo 3 (três) vezes (com intervalos de 3 minutos). Recomenda-se repetir esse procedimento a cada hora por segurança.
A mensagem de ajuda local também será enviada, por dois equipamentos, ao rastreador remoto que deverá acionar a ajuda local após o recebimento da terceira mensagem. O rastreador remoto deduzirá que a situação é grave porque o grupo está imóvel no mesmo ponto, isso deverá ser repassado à equipe de ajuda local.
Casos sem Gravidade
Em caso de acidente sem gravidade, que exija ajuda externa e, caso a (s) vítima (s) tenha (m) dificuldade de locomoção, ela (s) deverá (ão) permanecer no local com pelo menos um companheiro e um equipamento de rastreamento. O rastreador remoto será acionado no mínimo 3 (três) vezes, com intervalos de 3 minutos para que solicite ajuda local.
Recomenda-se repetir esse procedimento a cada hora por segurança. Dois outros membros se deslocarão com outro equipamento de rastreamento ligado até a comunidade mais próxima em busca de auxílio. A cada hora esses membros enviarão sua localização para o rastreador remoto.
O rastreador remoto por sua vez, solicitará ajuda local informando a localização da(s) vítima(s) e da equipe que está se deslocando. Ele entenderá que a situação não é grave pois constatou que o grupo de dividiu.
Demais Casos
Na fase de planejamento, como dito anteriormente, todo o roteiro deve ser analisado pelo grupo e pelo rastreador remoto, devem ser destacados os pontos críticos, as rotas de fuga, os pontos de pernoite e os tempos de percurso.
Todos devem estar preparados para variações do roteiro, que podem ser apenas um pequeno desvio até o descarte total do planejado. Ao optar por fugir do planejado, o grupo em campo deve ponderar se tal fato não poderá gerar um acionamento desnecessário de resgate.
Se a frequência de mensagens “tudo certo” for mantida conforme combinado, todos entenderão que a alteração é consciente e que doravante o trajeto será outro. Por outro lado, o rastreador remoto deverá redobrar a atenção até constatar que o grupo não está perdido, uma consulta a imagens de satélite é recomendável.
É possível o acionamento acidental do botão de resgate por algum membro em campo, nesse caso, nada se faz, pois o protocolo diz que a mensagem só será considerada se enviada 3 vezes. Mesmo assim, o rastreador remoto deverá redobrar a atenção até constatar que o grupo não está precisando de ajuda.
Se o (s) rastreador (es) for (em) danificado (s), impedindo o pleno funcionamento em um ponto da trilha distante no mínimo 24h do próximo ponto onde haja possibilidade de comunicação com o rastreador remoto, o grupo deve retornar ou pegar uma rota de fuga a fim de evitar acionamento indevido de resgate.
Caso estejam distantes de qualquer ponto desejado, dois membros devem ir na frente, o mais depressa possível, com mochila leve para comunicar o ocorrido ao rastreador remoto. O grupo decidirá se existem condições para retomar a trilha ou se desistem.
Às vezes o sistema de rastreamento falha e surge um ponto no mapa muito fora do trajeto. Nesse caso, o rastreador remoto deverá aguardar até o recebimento do novo posicionamento para tirar alguma conclusão.
Todo o exposto acima, será obrigatoriamente combinado durante a fase de planejamento. Simulações são recomendáveis.
Conclusão
Vários resgates foram dificultados e até inviabilizados devido apenas à falta de comunicação prévia do roteiro e/ou a elaboração de um protocolo de rastreamento. Ao se considerar a elaboração desse protocolo, deve-se ponderar se a trilha e o grupo justificam o rigor desse procedimento.
Muitas trilhas são movimentadas, localizam-se próximo a centros urbanos e têm baixo nível de dificuldade, então, justifica-se a não utilização de rastreamento, porém, caso as condições meteorológicas sejam desfavoráveis e o grupo decida fazer a trilha fácil mesmo assim, é aconselhável usar o protocolo de rastreamento.
Ao final da trilha, cabe uma reunião com todos para avaliar os resultados e rever os procedimentos.
Orlandinho Barros nasceu em 5/7/1965 na Bahia, é pai de duas filhas, formado em TI, morando em Salvador, atualmente dedicado ao trekking. É Explorador de trilhas desde sempre, fazendo quase todas as trilhas clássicas no Brasil em 11 estados, muitas sozinho. Fez 440 km da Appalachian Trail em 2017 em 25 dias. Abriu 305 km da Trilha inédita Brasil Central conectando Brasília a Alto Paraíso em 2016.