Praticantes de atividades outdoor violam a quarentena: Temos senso de coletividade?

Uma fotógrafa especializada em fazer filmes outdoor, recebeu informações de que a Praça do Por do Sol, localizada em região nobre da cidade de São Paulo (cidade que é o epicentro do COVID-19 no Brasil), estava ficando lotada de maneira rotineira. Bruna foi lá e gravou tudo.

A cena, toda gravada com drones, foi feita no último domingo e acabou viralizando. O retrato do descaso do brasileiro com compromissos sociais estava estampado em vídeo e compartilhado com força nas redes sociais.

O governador do estado de São Paulo, João Doria, disse na última segunda-feira que as pessoas que desrespeitarem a quarentena, ou fizerem aglomerações nas ruas do estado, que insistirem poderão ser presas pela Polícia Militar.

A Revista Blog de Escalada vem publicando constantemente notícias de praticantes de montanhismo, escalada e outras atividades outdoor, desrespeitando a quarentena implementada pelas autoridades de cada país. Casos de escaladores em locais dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro são reportados em redes sociais.

A comunidade outdoor possui senso de coletividade?

No final de março passado, dois casais de escaladores foram presos por violar a regra do confinamento e escalar em rocha em Valência, Espanha. Dias depois, o cenário foi repetido, desta vez na França, onde as autoridades locais prenderam pessoas que estavam subindo em Fontainebleau e Céüse e tiveram que pagar uma multa de 135 euros.

Embora as normas estabelecidas para enfrentar a pandemia de coronavírus sejam diferentes em cada país país, dependendo de que fases estão, atualmente, na França e na Espanha, é proibido praticar esportes ao ar livre em locais isolados.

Na França, por exemplo, as pessoas podem fazer pequenas caminhadas em seu bairro vizinho, mas precisam trazer um documento indicando onde moram, quando saíram de casa e por quê.

Estes exemplos que citei não foram os únicos casos de desrespeito ao senso coletivo.

No Uruguai, por exemplo, foram noticiadas e comentadas por jornais, ministros, jornalistas, comediantes e representantes do Poder Executivo, que um grande número de surfistas lotou as praias do país durante o primeiro final de semana de abril.

O fato foi em Montevidéu, mais precisamente na Barra del Chuy. O motivo era para tirar proveito do Windguru, a melhor maré nos últimos meses. Todos os surfistas migraram para a região, apesar do isolamento social que também existe naquele país.

Outro fato aconteceu em 5 de abril, apesar da proibição de todas as atividades de montanha, um jovem que praticava esqui no maciço do Mont Blanc, na França, foi encontrado morto a 2.300 metros acima do nível do mar pela Pelotão da Gendarmaria da Alta Montanha (PGHM).

Praticantes de atividades outdoor estão acima da lei?

Sim, é vital se exercitar e tomar um pouco de ar fresco. No entanto, você só precisa ir em um fim de semana, em qualquer parque, para continuamos a encontrar um grande número de pessoas caminhando ou praticando seu esporte favorito.

Tudo como se estivéssemos em uma situação normal. Nas redes sociais, é ainda pior e há muitas frases como:

  • Se famílias inteiras podem dar um passeio e comprar, por que o escalador não pode ir para a colina?
  • É mais perigoso ir ao supermercado do que à montanha
  • Se eu for sozinha e a lugares isolados, o que pode acontecer?

Segundo o psicólogo Andreas Kappes, da Universidade de Londres, os atletas percebem tempos de crise, como a atual pandemia de coronavírus, diferentemente da maioria das pessoas. Seu perfil psicológico os torna um pesadelo para todos os epidemiologistas.

Que mensagem a comunidade outdoor está enviando?

Segundo Kappes, os atletas (incluindo os de esporte outdoor) têm um sentimento particularmente forte de invulnerabilidade. Ou seja, diante de situações como a atual pandemia, estão convencidos de que nada poderia lhes acontecer.

Com atitudes muito mais otimistas, leva um pouco mais de tempo para entender o quão perigosa é a situação. São afetados pela síndrome de superioridade ilusória, também conhecida por efeito Dunning-Kruger. Fenômeno pelo qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto acreditam saber mais que outros mais bem-preparados, fazendo com que tomem decisões erradas e cheguem a resultados indevidos

Esse fator, adicionado ao considerar que ir a lugares isolados e sem aglomeração não precisa ser arriscado, faz com que os atletas outdoor quebrem as regra do confinamento em todos os lugares. Partindo deste princípio, é necessário questionar:

  • Mas, não é uma atitude egoísta?
  • Se não respeitar o confinamento é optar por uma posição que satisfaça os interesses pessoais em detrimento dos coletivos?
  • Isso não cria uma imagem contraditória com a qual defendemos tanto o ar livre, onde geralmente vamos com as bandeiras da comunidade, empatia e solidariedade?

Foto: https://jornalsemanario.com.br/

Já dissemos isso antes, mas, para ficar claro, essas são as razões pelas quais devemos evitar ir (mesmo quando sozinhos) para as montanhas ou o mar:

  • O que acontece se eu estiver infectado, assintomático e sair de casa indo para a montanha, pagar pelos estandes, comprar a comida do dia na loja, encher gasolina, praticar meu esporte favorito e voltar para casa?
    • Resposta: A possibilidade de levar o COVID-19 para áreas rurais aumenta.
  • E se, além disso, encorajo outras pessoas a fazê-lo sob o lema “não há ninguém lá”?
    • Resposta: O efeito imitação: os outros pensam como eu e acabam indo para a montanha; o que não apenas aumenta a probabilidade de contágio nas áreas rurais, mas também a disseminação do vírus entre os praticantes de esportes outdoor.
  • E se, além do exposto, estou em um acidente e tenho que ir a um centro médico?
    • Resposta: Os centros de saúde que precisam se concentrar no controle e atendimento das pessoas infectadas com o coronavírus entrarão em colapso.

Portanto, vamos refletir com duas outras perguntas que você mesmo, caro (a) leitor (a), pode fazer:

  • O que acontece se pularmos as regras que têm um bem comum em mente: não é parar os contágios que afetam a todos nós?
  • O que a comunidade outdoor está dizendo ao mundo com suas ações?

Comunidade outdoor e o contrato social

Como Pablo Zanocchi afirma, “um contrato social que quebra uma parte será posteriormente quebrado por todos”. Se alguns membros do universo outdoor romperem com esse contrato social que temos atualmente, o de ficar em casa, ele será quebrado por todos.

Voltando à questão da solidariedade, em um país como o Brasil, onde 52,5 milhões de pessoas vivem na pobreza, nós, como pessoas que praticam esportes outdoor pertencemos ao grupo dos privilegiados.

Portanto, ser solidário significa entender que, como brasileiro, quanto mais privilégios você desfruta, mais obrigações têm para ficar em casa.

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