Piedra Parada: A “mina de ouro” dentro do Cajon de la Buitrera

Por Gabriel Ribeiro

Isolados em meio ao deserto da província de Chubut, na Argentina, estão os vestígios de um antigo vulcão que se formou há cerca de 60 milhões de anos atrás. Após o fim de sua atividade, o edifício vulcânico desmoronou e o que restou foram apenas pedaços da borda deste gigante. Um destes pedaços é a famosa Piedra Parada. A Piedra Parada em si não tem muita escalada de qualidade pois a rocha não é das melhores. A “mina de ouro” está dentro do Cajon de la Buitrera.

Este é realmente um lugar fascinante, não é à toa que durante os últimos 6 anos, fui 3 vezes para lá e dessa vez fui “persuadido” – sem muita dificuldade – a voltar. Confesso que minha vontade maior era descer para a Argentina ou Chile focado na escalada tradicional, talvez Cochamó, Frey, El Chaltén ou Torres del Paine. Mas minha namorada Carol ficou fascinada com o Cajon e o lindo Rio Chubut que atravessa aquele deserto, que desde a última vez que fomos (ano passado, diga-se de passagem) ela ficou me botando pilha para voltarmos logo na sequência esse ano. Como ela não tem tanta familiaridade com a escalada tradicional, e eu também gosto muito de escalada esportiva, aceitei a pilha e começamos a planejar nossa próxima ida.

A trupe brasileira! Foto: Diego Botafogo

Carol colocou pilha em uma amiga sua, a Claudinha, que aceitou o convite na hora e ficou super pilhada de conhecer um novo pico. Então partimos os três, às 00:15 do dia 17 de dezembro em direção à San Carlos de Bariloche.

Chegando em Bariloche após mais de 12 horas de viagem entre voos e conexões, nem saímos da rodoviária e já pegamos um ônibus para Esquel no mesmo dia. Mais 5 horas de estrada e finalmente chegamos na primeira parada. Esquel é um bom ponto para se abastecer antes de partir rumo à Piedra Parada, onde você pode fazer compras de todo o tipo e ir preparado para os dias de acampamento. Ao chegar na rodoviária descobrimos que o ônibus que antes saía as terças e quintas, agora só sai às quintas-feiras, e nós não queríamos ficar 2 dias de bobeira em Esquel sem fazer nada (ou seja, sem escalar). Arrumamos um táxi, e por 2.500 pesos argentinos (R$ 253,00) o motorista buena onda nos deixou dentro do camping! Foi quase o triplo do preço comparado ao que pagaríamos se fossemos de ônibus, mas nos deu um conforto de poder irmos bem abastecidos de comida e evitar caminhar pesados.

A galera pegando um sol para fugir do frio! Foto: Gabriel Ribeiro

Chegando no camping, armamos nossas barracas e tiramos o primeiro dia para coletar coisas espalhadas e “montar” nossa cozinha. Tinha pouca gente quando chegamos então conseguimos pegar o mesmo lugar que ficamos no ano passado e uma boa mesa.

Para quem não conhece o lugar, existem duas opções de acampamento. Na margem esquerda do rio Chubut fica o Camping da família Moncada, que atualmente custa 100 pesos argentinos e conta com uma vasta área de acampamento, banheiros, chuveiro com água quente (dia sim, dia não), água vinda do lençol freático (potável), luz elétrica (das 21 as 23hs) e uma pequena venda onde podem ser adquiridos alguns produtos como vegetais, vinho, cerveja, pão caseiro, geleia, entre outros. A outra opção fica na outra margem do rio, e é o camping livre, conhecido como Calamar, onde é só chegar e montar a barraca. Este camping não conta com nenhuma estrutura, o banho tem que ser no rio e o banheiro é selvagem. Além disso a água que você for usar para beber ou cozinhar vai ser a do rio (este ano todo mundo que ficou lá bebeu e disse que ninguém passou mal, mas vale a pena se precaver). Se for lavar a louça tome cuidado para não sujar o rio! O mais sensato é se afastar e lavar suas coisas longe do curso d’água.

Provando a clássica Planeta Agujero 6c, Setor Alero. Foto: Claudia Carloni

Logo que chegamos no camping dos Moncada, de cara já conhecemos um rapaz alemão chamado Christoph, de 22 anos, que estava viajando sozinho pela Argentina. Foi perfeito! Como viajávamos em 3, sempre um ficaria de bobeira ou procurando alguém para formar uma dupla, e a parceria do Chris veio em um momento bem oportuno. E o melhor, ele escalava no mesmo grau que eu, então ainda arrumei um parceiro de projetos!

No segundo dia choveu relativamente bem (para um deserto), mas mesmo assim conseguimos escalar tranquilamente. Chris tinha posto as costuras em seu projeto, a via “Los Fabulosos Cadillacs”, um 8a francês (9c brasileiro) de 30 metros muito bonito, localizado no setor Parlamento. Escalamos algumas vias entre 6a+ e 7a+ (6º e 8a brasieiro) e fomos ao parlamento passar a vibe para ele mandar a via. Como eu já tinha mandado ela ano passado, preferi não entrar novamente e deixar o primeiro dia de escalada como (re)aclimatação no pico. Infelizmente Chris não mandou a via e partimos do setor debaixo de chuva para o camping.

Iniciando os trabalhos na Autofelatio 8a+, Setor El Circo. Foto: Claudia Carloni

No dia seguinte, sol a pino novamente, fomos ao setor Jardin del Edén para começar os trabalhos. Esse setor parece desinteressante quando visto de longe, mas as vias são longas, de qualidade e fica na sombra uma boa parte do dia. Fizemos um 6a+, um 6b+ e ainda deu para mandar um 6c+ que eu não conhecia. As meninas ficaram no setor e fomos nós dois para o Parlamento, onde o Chris logo no primeiro pega mandou o projeto!

Na pilha da cadena dele eu ainda entrei em um 7b+ (8c br) que fica logo ao lado, Locomiel Total, que também tinha feito ano passado, mas que valia muito a pena ser escalada novamente! Na volta ainda passamos no setor El Circo e eu decidi provar um 7b+ (8c br) chamado Manso Guiso, que parecia muito interessante. Na tentativa à vista fui iludido por uma agarra marcada de magnésio e acabei caindo no crux. Depois de tirar os movimentos, a via saiu no segundo pega. Muito boa!

Entrada do Cajon de la Buitrera. Foto: Alex Krupka

A ideia das meninas nessa viagem era escalar o máximo de vias possível na casa do sexto e sétimo grau brasileiros (entre 6a+ e 7a francês), e eu e Chris fomos procurar algumas vias mais duras para tentar mandar à vista e outras ainda mais duras para fazer de projetos. Fomos então para o setor Calavera, onde está localizada a via Dulce Duro 8a (9c br). Chris deu um pega, colocou as costuras e eu também provei a via, relembrando os passos porque fazia tempo desde a última vez que havia tentado ela. Deixamos a via equipada para o dia seguinte.

Na verdade, tiramos um dia de descanso, tomando banho de rio, comendo e lendo, pois já tínhamos escalado 3 dias seguidos e pensamos que uma pausa nos faria bem. E parece que fez, pois logo que voltamos na via, eu e Chris mandamos e um amigo argentino que fizemos no dia, Pablo, também encadenou seu primeiro 8a! Buena onda no ar! Na volta ainda passei no setor Anfiteatro e dei uma entrada na Homofobica 7c/+ (9a/b br). Deixei as costuras pro dia seguinte.

Passando pela base do clássico setor El Circo. Foto: Alex Krupka

Nesse meio tempo as meninas estavam se divertindo na grande variedade de sextos e sétimos que existem por lá, e sempre que as encontrava vinha alguma história de alguma via alucinante que tinham entrado e mandado!

Depois de aquecer no setor Ortigas, fui direto para o Anfiteatro e resolvi mais uma pendência encadenando a Homofobica. Os dias foram passando e escalamos muito, as meninas mandando ver em vias de todos os tamanhos e eu e Chris tentando escalar o máximo à vista possível. Antes do Chris partir ainda deu para mandarmos a Clan Mono 7c (9a br). Depois que voltamos à configuração original, tiramos mais um dia de descanso e depois voltamos com tudo pro Climb. A galera do Rio também chegou (Gustavo Sampaio, Bernardo Cruz, Monica Pranzl, Wayler Muños e Diego Botafogo) e a embaixada brasileira estava formada. Antes do dia 31/12 ainda deu para mandar a Achalay 7b+ (8c), Estigma 7b (8b) No bush Si bosh 7b (8b) e mais um bocado de sétimos que eu ainda não conhecia.

El ataque de la hormona 6b+, Setor La Ollita. Foto: Claudia Carloni

No lado direito do setor El Circo, fica uma via que eu me recordo desde a primeira vez que fui em Piedra Parada, em 2012, no Petzl Roctrip. Se chama Autofelatio e está graduada em 8a+ (10a br). O Chris tinha tentado a via e disse que não era muito o estilo dele, longa e de resistência…Por sorte, uma dupla composta por um finlandês (Will) e um italiano (Ulrich) acampou do nosso lado, e o Ulli ficou muito pilhado de tentar a via! Um outro amigo argentino Santi, também se animou e não deu outra. Fui lá e coloquei as costuras, tirei os movimentos e já no segundo pega fiz a via com uma queda! Fiquei bem empolgado porque esse era meio que o meu projeto da viagem e parecia que deixar de ser em breve. No dia seguinte, 31/12 voltamos os três para a via e voilá, the sending train has arrived! A cadena saiu para todos! Uma ótima maneira de terminar o ano!

A virada do ano me custou um tombo e um joelho torcido, que me fez mancar o resto da viagem, mas não me impediu de escalar. Por conta disso, os últimos dias foram de escaladas mais leves e foquei mais em fazer volume do que tentar vias mais duras. No último dia de escalada eu e Carol fizemos três vias muito legais: Esmigol 50m 6a+, A veces si, a veces no 45m 6b, e Birlocha Party 58m 6c, altamente recomendadas!

Visual da entrada do Cajon com a Piedra Parada e o Rio Chubut ao fundo. Foto: Alex Krupka

Os dias tiveram variações bem grandes de temperaturas, com alguns frios e ventosos (rajadas de até 70km/h) e outros bem quentes e com menos vento. A melhor época para escalar em Piedra Parada é o verão, de dezembro a fevereiro, onde as temperaturas em geral são elevadas durante o dia, e não tão frias durante à noite. Em dias quentes, o ideal é procurar os setores na sombra, mas se o dia estiver frio e ventoso, dá para escalar no sol sem muitos problemas.

Na volta para casa ainda demos uma passada em El Bolsón, onde fizemos a caminhada até o Refúgio Piltriquitron (quero ver falar três vezes) e passamos alguns dias em Bariloche, onde escalamos nos setores Pared Blanca e El Calabozo. Neste último setor ainda consegui, apesar do joelho reclamão, mandar a via Natalia Natalia 7c+ (9b br), muito bonita e clássica!

Antes de partir, aquele sorvete clássico no Rapanui, para nos despedirmos da Argentina e também lembrar que o verão do Rio de Janeiro chegou com força!

Agora é esperar o calor passar e escalar a muerte na próxima temporada!

Vamooooos!!

Como chegar

  • De Bariloche:
    • Ônibus: Ir até Esquel (5 horas) e de lá pegar outro coletivo da empresa Jacobsen que vai para Paso del Sapo (3 horas). Atualmente só sai às quintas-feiras.
    • Carro: Pegar a Ruta 40 em direção a El Bolsón, depois Epuyén, Leleque e continuar em direção a Esquel. Antes de chegar em Esquel, pegar a Ruta Provincial 12, que vai em direção a Gualjaina/Paso del Sapo. De Gualjaina são mais 40 km de ripio (estrada de pedriscos) até chegar à Piedra.
  • Obs.: Existem voos do Brasil direto para Esquel, e não são muito mais caros do que para Bariloche. Nesse caso é só pegar o coletivo ou um táxi até Piedra Parada.

Guia de escaladas

O guia de lá é muito difícil de encontrar, não vende em Bariloche nem Esquel, e nem mesmo no camping dos Moncada!

Se você der sorte pode encontrar alguém vendendo por lá ou então pegar emprestado com alguém que possui. Isso é um ponto negativo de lá, mas que pode ser contornado facilmente (sempre tem alguém com o guia por perto).

Vias recomendadas (graus na escala francesa)

Pôr do sol visto na volta para o camping. Foto: Gabriel Ribeiro

Obs: São muitas, então selecionei algumas que fizemos e que são muito boas.

  • Setor El Alero
    • Mickey Mouse 6b 16m
    • Planeta Agujero 6c 18m
    • Amplio Moncada 7a+ 30m
  • Setor Promiscuidad
    • Calentati 7a+ 28m
  • Setor La Gran Chorrera
    • El Sexto Elemento 100m, 4 enfiadas (6a+, 6b, 6b+, 6c+)
  • Setor El Gruyere
    • Cojoanal 6b 28m
    • Asado fatal 6a 30m
  • Setor Ojos de Buda
    • La Rabieta del Pureta 6c 20m
    • Liberen a Willy 7a 16m
  • Setor Aguja de la Virgen
    • Ave Maria 130m, 6 enfiadas (7b, 7b, 7a+, 7a, 8a+/A1, 4+)
  • Setor Mordor
    • Esmigol 50m, 2 enfiadas (6a+, 6a). Vale a pena fazer em uma única enfiada.
  • Setor El Totem
    • Pico de Pato 7b 30m
    • Espolón de la Tarantula 7b 30m
    • Efecto café 7a 30m
  • Setor Cañadón Angosto
    • Oso Polar 7b+ 24m
    • A Veces si, a veces no 45m, 2 enfiadas (6a+, 6b). Vale a pena fazer em uma única enfiada.
    • Una vez al año 7a 18m
  • Setor Ortigas
    • Tom Sawyer 6c 28m
    • Pajaro Carpintero 6b+ 30m
    • Chapati com dulce de leche 6c 28m
    • Panza Llena 6c 30m
    • Corazón Contento 6b+ 30m
    • Cascarroña 6c+ 35m
    • Concierto de taladros 7b+ 35m
    • La enana blanca 7c 30m
    • Pety Gourmet 6b+ 40m
  • Setor El Circo
    • Birlocha Party 58m, 2 enfiadas (6ª,6c). Vale a pena fazer em uma única enfiada.
    • Aquelarre 6c 30m
    • Angél Copulador 7ª 30m
    • Chaupapa 6c+ 23m
    • Cabernet Suavezón 6c+ 32m
    • Mateína, Cafeína y todas las minas 7a+ 30m
    • Manso Guiso 7b+ 30m
    • El Apriete Final 7c 30m
    • No bush, si bosh 7b 30m
    • Las mujeres al poder extención 7b 35m
    • Clan mono extensión 7c 32m
    • Autofelatio 8a+ 30m
  • Setor Le Blond
    • Dé Dieu 5ª 25m
    • Levit au bout des doigt 6ª 25m
  • Setor Anfiteatro
    • Revelación Divina 7a+ 30m
    • Epifanía 7c 30m
    • Homofóbica 7c/+ 30m
    • Los Límites de la partner 7b 22m
    • Zonda Patagónico 7b+ 22m
    • Achalay 7b+ 26m
    • En este esta el cachengue 7a+ 22m
    • Se vino el aguacero 6c 22m
    • Te chifla la cachifla 7b+ 22m
    • Pongame una cerveza pulpero 7ª 22m
  • Setor El Parlamento
    • Romantic Line 7ª 25m
    • Locomiel Total 7b+ 23m
    • Los fabulosos cadillacs 8ª 30m
  • Setor Jardin de Edén
    • Petage de Plomo 6b 25m
    • The french cowoy 6b+ 25m
  • Setor Cañon de las Sombras
    • Dia de Partusa 6c 23m
  • Setor La Ollita
    • Ojos de Brujo 6b 25m
    • El ataque de la hormona 6b+/c 25m
    • A hora de los bifes 6c 25m
  • Setor La Calavera
    • Le Merlin 7c 20m
    • La tête de mort 6c+ 28m
    • Sofía 6b
    • La cumbia de la buitrera 8ª 30m
    • Mediacratia 7b 30m
    • La flecha perdida 7b 40m
    • La piedra rolada 6b 12m
    • Dulce duro 8ª 20m
  • Setor El Gallinero
    • La gallinita 6b 25m

Gabriel Ribeiro, 30 anos, é geólogo e guia-instrutor de escalada pela Aguiperj. Escala há 14 anos

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