Grandes nomes do esporte: Paul Preuss, o pai da escalada livre

O montanhista austríaco Paul Preuss morreu em 1913 aos 27 anos e fez mais de mil escaladas, principalmente nos Alpes orientais e e representou o núcleo ético total da escalada. Sua maior contribuição foi na definição do que hoje conhecemos como a alma do escalada livre.

Paul Preuss publicou vários artigos sobre escalada um ano antes de sua morte. Em um desses, intitulado “Künstliche Hilfsmittel auf Hochturen“, o montanhista delineia a filosofia da escalada em seis “teoremas”, começando com a proposição de que um escalador deve apenas tentar escaladas que estejam abaixo do seu nível de competência. Reinhold Messner e Alexander Huber são admiradores declarados de Preuss, o qual influenciou gerações inteiras de montanhistas com suas primeiras ascensões e sua ética na escalada.

O montanhistas faleceu em uma tentativa de fazer a primeira ascensão do cume norte, em solitário, da Mandlkogel (2.279 m), quando caiu mais de 300 metros. Seu corpo foi encontrado uma semana e meia depois, enterrado sob um metro de neve. Dizia-se que Paul Preuss era amigável e de boa índole, e um companheiro fiel nas circunstâncias mais exigentes.

A infância de Paul Preuss

Paul Preuss

Paul Preuss nasceu na cidade montanhosa de Altaussee, Áustria, em 19 de agosto de 1886. Seu pai, Eduard Preuss, era húngaro de ascendência judaica e ensinava música. Caroline Lauchheim, sua mãe, era alsaciana (antiga região administrativa da França, localizada a leste do país, junto às fronteiras alemã e suíça), e trabalhava como professora particular de um barão.

Quando menino, Preuss costumava acompanhar seu pai em caminhadas pelas montanhas locais. Aos seis anos de idade, Paul Preuss foi infectado por um vírus parecido com a poliomielite que o deixou parcialmente paralisado e confinado a uma cama e cadeira de rodas por seis meses.

Depois de se recuperar da doença, Preuss descobriu o montanhismo por conta própria. Com o pai, um botânico amador, fez seus primeiros passeios nas montanhas de Altaussee. Praticava exercícios ginásticos em casa e fazia caminhadas para aumentar sua força muscular.

Quando tinha 10 anos de idade, seu pai morreu, mas Paul continuou a tradição particular de caminhar nas montanhas, às vezes acompanhado por suas irmãs ou amigos, mas muitas vezes sozinho. A prática o leva aos Alpes Orientais (Dachstein, Wilder Kaiser, Dolomitas e Silvretta), onde Preuss se esforçou para ganhar experiência na escalada em rocha.

Seguindo os passos de seu pai, que era botânico amador, após terminar o colegial estudou fisiologia vegetal na Universidade de Viena e concluiu o doutorado na Universidade de Munique em 1911. Após a graduação, Paul se tornou assistente no Instituto de Botânica da Universidade de Munique.

Nasce um grande escalador

Aos vinte anos de idade, Paul Preuss começou a escalar a um nível respeitável. Aos 22 anos, realizou sua primeira ascensão importante, a Rota Pichl na Face Norte de Planspitze em solo. Ao escalar e atravessar um número notável de montanhas em um curto período de tempo, Preuss adquiriu a experiência, habilidade, técnica e velocidade que forneceram a base para suas ascensões inovadoras.

O montanhista chamou a atenção da comunidade alpina e ganhou notoriedade em 1911 em Totenkirchl no Wilder Kaiser. Sozinho e sem corda, o jovem de 24 anos escalou a face oeste da montanha com 600 metros de altura em apenas duas horas e meia. Essa escalada naquela época era considerada uma das mais difíceis dos Alpes.

No mesmo ano, o ensaio de Preuss “Artificial Aids on Alpine Routes” foi publicado no Deutsche Alpenzeitung. Esse ensaio, criou uma polêmica incendiária contra o uso crescente de ajuda artificial nos Alpes e desencadeou uma série de artigos publicados de renomados alpinistas da época.

Em um ensaio posterior no mesmo Deutsche Alpenzeitung, Preuss destilou os pontos principais de sua ética do estilo puro em seus célebres seis princípios, que foram batizados de Mauerhakenstreit (Controvéria do Piton):

  1. O escalador deve ter mais habilidades do que às exigidas nas demandas da escalada proposta.
  2. Deve-se escalar apenas as vias em que se pode descer com segurança.
  3. Os auxílios artificiais são justificados apenas em situações perigosas e repentinas.
  4. Pitons devem ser usados ​​apenas para emergências, nunca como base para montanhismo.
  5. A corda deve ser usada para facilitar uma escalada, mas nunca como o único meio de possibilitar a subida.
  6. O princípio da segurança deriva de uma estimativa razoável do que é capaz, e não do uso de auxílios. artificiais

Até o rapel era algo contra o qual ele se opunha, algo para ser usado apenas em caso de perigo grave. Pois, na sua cabeça, se alguém não pode descer de uma via, também não deveria escalar, pois descer fazia parte da escalada da via. Para o austríaco, descer com o auxílio de pura tecnologia certamente não era escalar por conta própria.

Ao longo de sua curta carreira, Paul Preuss fez 1.200 escaladas, trezentas das quais foram feitas sozinho e cento e cinquenta das quais foram primeiras ascensões. Ele era um alpinista completo, não apenas dominando a rocha, mas também fazendo as primeiras escaladas em neve e gelo.

Preuss defendeu o ensino e a prática de desescalar, pois para ele dominar a arte de descer também elimina a necessidade de proteção de pitons ao guiar. Paul considerava que a habilidade e a autoconfiança de um escalador são suas proteções.

O austríaco também praticou alpinismo de esqui, travessias de esqui (alcançando o primeiro lugar em ambas as áreas) e caminhadas na neve. Quando estava estudando em Munique, costumava escalar prédios (buildering) com seu companheiro à procura de perigos objetivos como a polícia local.

Paul Preuss, o purista

Um purista é uma pessoa que é demasiada escrupulosa com a pureza da linguagem ou da expressão, excluindo neologismos e termos estrangeiros. Os puristas também são aqueles que pretendem que uma disciplina, doutrina ou um método se mantenha sem alterações apesar do passar dos anos.

Pois Paul Preuss era exatamente isso: um purista do montanhismo. Seus conceitos de montanhismo puro são considerados radicais até mesmo para os dias de hoje e seus numerosos críticos consideram suas ideias “perigosas” e “uma heresia”.

Para o montanhista, cordas eram aceitáveis ​​para amarração, desde que quem guiasse fosse escalar a enfiada (para cima e para baixo) sozinho. Mosquetões, entaladores e similares eram aceitáveis ​​nas mesmas condições.

Preuss teria condenado a maioria das escaladas modernas, até mesmo o que chamamos de “escalada livre ” e teria ficado chocado com a forte dependência de outras ajudas tecnológicas. Embora a maioria de seus oponentes concordasse com seus princípios e teorias, na prática o austríaco foi basicamente acusado de ter ido longe demais na direção de um extremo para combater outro.

Entre outras coisas, ele foi acusado de:

  • Desumanidade, uma vez que quem guiava não seria capaz de colocar proteção mesmo quando isso pudesse salvar suas vidas em caso de acidente
  • Colocar em risco a vida de guias profissionais
  • Convencer jovens escaladores a se sacrificarem pelo seu ideal de purismo
  • Inconsistência, já que as botas e piquetas que usava também deveriam ser contados como auxílios artificiais

Preuss costumava escalar sozinho porque acreditava que solar era mais seguro, pois apenas a própria vida estava em jogo. Décadas depois, seus princípios se tornaram uma espécie mantra para uma nova geração de escaladores como Reinhold Messner, Wolfgang Güllich e Kurt Albert.

Em 3 de outubro de 1913, na tentativa de fazer a primeira ascensão do cume norte do Mandlkogel em solo livre, Preuss caiu mais de 300 metros de altura. Seu corpo foi encontrado uma semana e meia depois, enterrado sob um um metro de neve recém-caída.

Embora a causa real de sua queda nunca foi conhecida, um canivete aberto e uma mochila com um pedaço de corda, bem como alguns marcos encontrados dez anos depois, sugerem que Preuss pode ter parado para descansar no alto da crista superior e perdeu o equilíbrio ao tentar agarrar o canivete depois que ele escorregou de suas mãos.

Escondido pelo Nazismo

No início da década de 1920, o Deutscher Österreichischer Alpenverein (Clube Alpino Alemão e Austríaco) tornou-se terreno fértil para o antissemitismo. Após a Primeira Guerra Mundial, associados judeus como o médico Viktor Frankl e o cineasta Fred Zinnemann foram banidos na maioria das seções.

Um outro exemplo icônico é o fato de um montanhista de destaque que era judeu foi expulso em 1924 e pelo menos um dos parceiros de escalada de Preuss tornou-se um nazista convicto. Bandeiras com suásticas começaram a voar sobre cabanas nos Alpes em 1924 (10 anos antes de Hitler tomar o poder).

As bandeiras eram seguidas por cartazes com os dizeres: “Judeus não são bem-vindos aqui” e eles foram proibidos de visitar as cabanas nas montanhas do DÖAV (Clube Alpino Alemão e Austríaco). Os alpinistas se tornaram ícone na crença nazistas da superioridade alemã.

A Deutscher Alpenverein permaneceu em silêncio sobre seus laços com os nazistas por décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial. Assim, por um tempo, o nome e a reputação de Preuss foram ativamente apagados da memória. Foi apenas na década de 1970 que seu legado foi finalmente redescoberto.

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