Parque Nacional de Itatiaia: A história do parque mais antigo do Brasil

No Brasil existem um conjunto de normas e procedimentos oficiais que determinam o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), que gere as unidades de conservação (conhecidas internacionalmente como áreas protegidas), com o claro objetivo de conservar uma determinada área natural. Talvez uma das mais visitadas, além de ser uma das mais queridas, é o Parque Nacional de Itatiaia (PNI), o qual é o parque nacional mais antigo do Brasil.

Administrado atualmente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o parque possui 82 anos de história e é um dos mais icônicos para montanhistas e escaladores de todo o país. O parque fica localizado na serra da Mantiqueira, entre os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Sua proximidade de duas das mais populosas cidades do Brasil, também colabora para sua popularidade: fica a apenas 3h20min da capital paulista e a pouco mais de 2h00min do Rio de Janeiro.

O nome Itatiaia é de origem tupi e significa “pedras cheias de pontas” ou “pedra pontuda”, uma referência clara ao Pico das Agulhas Negras (2.791 m), o ponto culminante do estado do Rio de Janeiro e o 6º mais alto do Brasil e que fica no PNI.

Este artigo é para contar de uma maneira mais profunda a história do PNI, com várias pinceladas em personagens da história do Brasil, primeiros habitantes e as motivações políticas que fizeram com que o local fosse decretado parque.

O parque foi inaugurado em 1937 abrangendo uma área de aproximadamente 12.500 hectares (125 km²) , mas foi ampliado para 28.000 hectares (280 km²) em 1982 e possui montanhas, cachoeiras, nascentes de 12 bacias hidrográficas regionais e muita natureza para aproveitar e cheio de história.

O PNI é dividido em duas áreas: a parte baixa e o planalto, também conhecido como parte alta que é a área preferida dos escaladores. O Parque Nacional de Itatiaia é a grande quantidade de atrações para todos os níveis, como o Lago Azul, a 500 metros do Centro de Visitantes, e a piscina natural do Campo Belo, o Pico das Agulhas Negras, Prateleiras, a além de vários trajetos de trekking.

No início de 2019, o governo federal autorizou uma concessão da administração do PNI a uma empresa privada, com um contrato de R$ 17 milhões. De acordo com o contrato, espera-se que as estruturas para visitantes, como novos abrigos, sinalização, áreas de conveniência, entre outras melhorias, sejam instaladas. Uma das primeiras regras para racionalizar o uso da área pelos visitantes foi a proibição do uso de drones aos finais de semana e a exigência de “shit tube” para travessias.

Os primeiros moradores

Quando os portugueses chegaram ao Brasil para a colonização no século XIX, a região já era habitada pelos índios Puri. Este grupo indígena habitava os quatro estados do sudeste brasileiro (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) e seu território incluía toda a extensão da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Com a expansão territorial dos portugueses, os bandeirantes começaram a capturá-los e vendê-los como escravos por volta do século XVII.

Na época que habitavam a região, eram em torno de 5.000 habitantes. Atualmente há apenas 675 descendentes. Documentos da época e relatos de viajantes no século XIX, citam recorrentes fracassos das tentativas de aldeamento dos Puri. Considerados “índios bravos”, são abundantes os relatos de sucessivas fugas, ou morte da maioria deles. Os Puris são descritos como “nômades por excelência”.

O Visconde de Mauá

A história da região possui como principal personagem o gaúcho Irineu Evangelista de Sousa, considerado por muitos historiadores como o maior empreendedor da história do Brasil. Mais conhecido como Visconde de Mauá, Irineu foi pioneiro na implantação da primeira fundição de ferro e estaleiro no país, da construção da primeira ferrovia brasileira, da instalação da iluminação pública a gás na cidade do Rio de Janeiro (na época a capital do Brasil), da criação do terceiro Banco do Brasil e da instalação do cabo submarino telegráfico entre a América do Sul e a Europa.

É considerado, pelos registros históricos, como o primeiro grande industrial brasileiro. Por ter realizado tantos empreendimentos relevantes e que lhe renderam muito dinheiro, investiu comprando várias propriedades na Serra da Mantiqueira.

Mauá controlou oito das dez maiores empresas do país. No auge da sua carreira, em 1860, controlava 17 empresas localizadas em seis países (Brasil, Uruguai, Argentina, Inglaterra, França e EUA). Sua fortuna em 1867, atingiu o valor de 115 mil contos de réis, enquanto o orçamento do Império do Brasil para aquele ano contava apenas com 97 mil contos de réis. Sua fortuna nos dias atuais seria o equivalente a 60 bilhões de dólares.

Nesta época, como parte de expansão de suas propriedades, comprou uma área a qual hoje se encontra o Parque Nacional do Itatiaia. Pouco antes de sua morte, em 1889, começou a vender várias das propriedades para pagar as dívidas que possuía. As terras foram adquiridas pelo governo federal para a criação de núcleos coloniais agrícolas, em 1908. Os colonos eram contratados na Europa e trazidos para as fazendas de café.

Criação do Parque Nacional Itatiaia

O ufanismo da natureza brasileira começa a ser expressado também nesta época que Visconde de Mauá se destacava na indústria e no empreendedorismo no Brasil. Este tipo de mudança de mentalidade pode ser vista a partir da segunda metade do século XIX, nos sentimentos no Romantismo. Neste movimento artístico, político e filosófico, há um sentido de valorização do Brasil e uma construção de identidade própria em relação à Europa.

Entre 1823 e 1831, o Brasil viveu um período conturbado como reflexo do autoritarismo de D. Pedro I. Como o ambiente existente no país era de necessidade de liberdade, encontrou justamente no Romantismo o impulso que necessitava para pensar um mundo diferente. A visão de mundo contrária ao racionalismo e ao iluminismo, buscou um nacionalismo que viria a consolidar os estados nacionais na Europa e também moldou o sentimento de criação de estados americanos, nos mesmos moldes dos EUA (que já tinha conseguido sua independência).

Os três fundamentos do estilo romântico que era o egocentrismo (incapacidade de diferenciar-se dos outros), nacionalismo e liberdade de expressão, passaram a contaminar as esferas mais influentes do Brasil. O movimento pode ser comparável ao que acontecia no próprio continente, mas na parte norte. Nos EUA estava começando uma valorização dos monumentos naturais como ferramenta de identificação como nação.

O Romantismo pregava o culto à natureza, com a busca de um passado indígena e de uma cultura naturalmente brasileira. Assim o culto ao natural, aos elementos da natureza realizada pelos índios faz com que os pensadores da época observem o ambiente natural como algo divino e puro.

Alberto Loefgren

Uma das ações que chamou a atenção de países europeus ao continente americano foi a criação do primeiro parque nacional do mundo: Yellowstone, em 1872. A criação do parque é considerada por historiadores como um marco na história das áreas protegidas. Quando o presidente Ulysses S. Grant promulgou legislativamente a criação do Parque Nacional de Yellowstone, foi uma revolução cultural em termos de conservadorismo.

Quase 40 anos depois, uma outra figura importante apareceu no cenário brasileiro: o botânico Alberto Loefgren. Loefgren é um dos pioneiros do conservacionismo brasileiro e responsável pela criação de algumas das primeiras áreas protegidas do país. No ano de 1913 o botânico solicitou ao Ministério da Agricultura a criação de um parque nacional no maciço do Itatiaia.

No mesmo ano de 1913 a ideia de um parque nacional recebeu apoio de geólogos, botânicos e geógrafos em uma conferência realizada na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

Loefgren empreendeu uma forte campanha para a conscientização da população nas causas ambientais e em 1901 apresentou ao governador do estado de São Paulo um projeto de proteção e regulamentação da exploração das matas, incluindo a proposição de uma legislação florestal. Anos mais tarde, as ideias de Alberto Löfgren, que faleceu em 1918, foram a inspiração de ativistas conservacionistas que subsidiaram a elaboração do primeiro Código Florestal Brasileiro, instituído em 1934.

Após pressão de botânicos e estudiosos, o governo federal concordou em ceder as terras adquiridas do Visconde de Mauá na região de Itatiaia, e que pertenciam ao patrimônio nacional, para serem incorporadas ao patrimônio do Jardim Botânico. Lá seria instalada a Estação Biológica de Itatiaia. A estação foi concluída em 1929 e estava subordinada ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

A criação de Itatiaia, demandada sobretudo pela comunidade científica, foi possível em 1934 em função da promulgação do Código Florestal Brasileiro pelo governo federal brasileiro. O código foi primeiro instrumento legal que regulamentou as áreas protegidas do Brasil. Na época o código representou um marco na legislação nacional ambiental, trazendo para o poder público o controle sobre a exploração dos recursos naturais. Dessa maneira o governo federal deu os primeiros passos para a criação dos parques nacionais.

Pouco antes de tornar-se ditador com a implementação do estado novo, mas já com sólidas ideias de nacionalismo inspiradas nos governos de Alemanha e Itália, Getúlio Vargas criou o Decreto Nº 1.713 em 14 de junho de 1937 que convertia a Estação Biológica de Itatiaia no Parque Nacional do Itatiaia.

Assim era criado o primeiro parque nacional brasileiro da história. As terras nas proximidades do parque ficaram também sob o domínio da União e reservadas para a instalação de hotéis e infraestrutura necessária à movimentação de turistas.

Assim que proclamou o estado novo (regime ditatorial que durou de 1937 a 1945), Getúlio Vargas criou ainda o Parque Nacional do Iguaçu no Paraná, em 10 de janeiro de 1939, e Parque Nacional da Serra dos Órgãos no Rio de Janeiro, em 30 de novembro de 1939. A criação de parques no Brasil passou por um hiato de quase 20 anos e apenas na década de 1960 foram criados mais parques nacionais. Vários deles construídos em decorrência da construção de Brasília.

Já durante a ditadura militar (período que durou de 1964 a 1985), o Código Florestal Brasileiro foi revogado em 1965. Em seu lugar foi instituído a Lei 4.771/65, que estabeleceu um novo Código Florestal. A lei ficou vigente até a publicação da Lei Federal nº 12.651 em 2012.

O Brasil atualmente possui 73 parques nacionais e administrados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia criada em 2007 e vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.

Desde a implantação da lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, são realizadas no PNI atividades que visam a preservação, pesquisas científicas e atividades de educação ambiental e turismo ecológico.

There is one comment

  1. Ian Marte

    Há algumas informações equivocadas na matéria: o maciço das agulhas negras é o quinto mais alto do país e não o sexto como citado na matéria.

    A consolidação da identidade brasileira a partir da perspectiva imperial é uma farsa: foram imposto aos negros, indígenas e pobres um modo de vida que nunca reconheceu ou respeitou suas práticas culturais e modo de vida. Sempre foram vistos à margem da sociedade belle epoque.

    O morro do couto, segundo ponto mais alto do PNI, tem seu nome pois na época das fazendas do café os negros escravizados fugiam para “se acoitar” dos capitães do mato nesse local estratégico.

    O snuc merece uma atualização faz tempo!!! Grande parte de suas considerações tendem a ser mais preservacionista do que conservacionista, ao meu ver.

    Enfim, muito da história escrita pode e deve ser questionada! Pouco se fala sobre as comunidades indígenas remanescentes que moram no entorno do parque e suas práticas ancestrais que são proibidos por uma lei descontextualizada.

Comente agora direto conosco

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.