Objetificação de atletas e vitórias de Natalia Grossman e Kokoro Fuji marcam Campeonato Mundial de escalada

No final de semana foram realizadas as finais da disciplina de bouldering em Moscou, que coroou a norte-americana Natalia Grossman e o japonês Kokoro Fuji. A final feminina, graças às linhas bem compostas e às escaladoras que lutaram com todo o empenho, foi um grande espetáculo.

Visto da perspectiva do espectador a final feminina foi mais interessante que as finais em que Janja Garnbret se apresenta e (sempre) ganha com facilidade. Pelo menos dessa vez o público não “sabia” quem iria ganhar e, além disso, houve um equilíbrio entre as concorrentes.

No masculino, o japonês Kokoro Fuji mostrou desde a primeira linha de boulder, que era a mais forte, que estava mais relaxado e mais confiante do grupo de seis escaladores. De cara, Fuji foi capaz de passar facilmente por uma sequencia de abaulados espetacular, preparada pela equipe de route setters, na qual foi o único e ditou o tom do que seriam as outras.

A nota triste foi, mais uma vez, a objetificação de atletas e, mais uma vez com Johanna Farber, quando a emissora hospedeira mostrou um replay de close de seu traseiro durante o Campeonato Mundial em Moscou. É a segunda vez que ela recebe cobertura de TV “inadequada” neste ano.

A Federação Internacional de Escalada Esportiva (IFSC), que administra o esporte e, em teoria, deveria coordenar a transmissão, se desculpou novamente após um incidente muito semelhante. A escalada esportiva fez sua estreia nas Olimpíadas de Tóquio este ano e vem desfrutando de um “surto de popularidade,” mas as pessoas dentro do esporte estão preocupadas se algo está sendo feito para proteger as competidoras.

EUA potência mundial em campeonatos escalada?

Foto: Dimitris Tosidis/IFSC

O processo de consolidação dos EUA como potência no mundo das competições de escalada se tornou mais cristalino no sábado. Treinados pelo norte-americano Josh Larson, os atletas que representam a seleção norte-americana subiram de patamar técnico e já podem ser considerados protagonistas e não mais coadjuvantes nos campeonatos da IFSC.

Se alguém perdeu a conta da contagem total de medalhas da Equipe dos EUA nesta temporada aqui vai: são 16 (sendo uma delas a medalha de prata nas Olimpíadas de Nathaniel Coleman). A última vez que um norte-americano ganhou medalhas no Mundial foi em 2016, quando Claire Buhrfeind ganhou uma prata.

Atletas e staff de atletas que fizeram “matemática criativa”, considerando que os norte-americanos não eram dominantes, sobretudo nos campeonatos pan-americanos, deve repensar esse conceito e passar a viver no ano de 2021 e não mais há 20 anos. Josh Larson, que passou despercebido em sua visita território brasileiro e, inclusive, chegou a ser esnobado quando ofereceu palestras de treinamento, é um caso cristalino de que modernidade, planejamento, dedicação e, sobretudo, uso da ciência são preponderantes para o desenvolvimento de atletas.

Apostar tudo em construção de centros de treinamento é o equivalente a construir escolas, mas ignorar a preparação de professores e adequação de grade curricular, acreditando que assim que se está investindo em educação.

Natalia Grossman, campeã mundial de bouldering 2021

Chris Danielson foi o chefe dos route setters, com Gen Hirashima e Tomasz Olesky de auxiliares na disciplina de bouldering no Campeonato Mundial de Escalada de Moscou de 2021. As linhas propunham vários estilos, embora o estilo predominante tenha sido dominado pelos movimentos físicos.

A final do bouldering feminino do Campeonato Mundial de Escalada de Moscou de 2021 foi uma das melhores da disciplina nos últimos anos. Linha muito plásticas, muitos tops, movimentos desesperados com limite de tempo, dois competidores encadenando todos as linhas e um resultado apertado para ganhar o ouro.

A emoção na final feminina perdurou até os últimos movimentos. Natalia Grossman sempre esteve à frente na qualificação, mas a italiana Camilla Moroni, que começou a competir pouco antes de Grossman, colocou pressão sobre ela, também encadenando todas as quatro linhas. Os acertos no flash da norte-americana foram decisivos para o ouro.

Natalia Grossman foi proclamada campeã mundial de bouldering e começou como favorita, acertando as leituras das linhas e cravou quatro tops (sendo três no flash) na final a levou ao topo do pódio. Moroni não estava inicialmente entre as favoritas, mas depois de estrelar uma excelente semifinal e chegar em segundo lugar na final, soube levar a prata.

A croata Stasa Gejo , que finalmente conseguiu voltar às competições nesta temporada após se recuperar de uma lesão no joelho, conquistou a primeira medalha do ano, terminando em terceiro.

Kokoro Fujii em uma vitória absoluta

Foto: Getty Images

Na final masculina, os route setters propuseram linhas em que predominaram os movimentos de coordenação e força. Foi tudo coordenado para uma vitória cinematográfica de Kokoro Fuji, que foi muito superior a todos os seus concorrentes.

Kokoro Fujii derrotou seu compatriota japonês Tomoa Narasaki, impedindo o atual campeão (que foi campeão mundial em 2016 e 2019) de manter o título no processo. Tendo conquistado sete medalhas na Copa do Mundo de Bouldering ao longo de sua carreira até agora, conquistou sua primeira medalha no Campeonato Mundial.

Fujii foi o único dos seis finalistas que conseguiu chegar ao topo das quatro linhas da final. Seu companheiro de equipe Tomoa Narasaki o seguiu de perto, mas finalmente ficou em segundo lugar graças aos três primeiros tops que conquistou. O francês Manuel Cornu foi terceiro e conquistou sua segunda medalha em um campeonato mundial.

Objetificação das escaladores continua

Foto: Getty Images

A semifinal da Copa do Mundo de Escalada realizada em junho em Innsbruck teve a austríaca Johanna Färber sendo filmada de forma inadequada. Färber descreveu o incidente como “desrespeitoso e perturbador”.

Embora a comunidade da escalada tenha reagido nas redes sociais, não foi o suficiente para evitar que tal ato ocorresse uma segunda vez. Mais uma vez, um cinegrafista contratado para a transmissão do IFSC resolveu apresentar Färber “de maneira descortês” diante de um público ao vivo.

Após o primeiro incidente, um comunicado foi divulgado dizendo “Reconhecemos que, por um breve momento, optamos por exibir o esporte da escalada da maneira errada”, disse o diretor da rede de TV austríaca ORF Michael Kogler. “Nossas desculpas vão para a Sra. Johanna Färber, a IFSC, Austria Climbing, e todos aqueles que sentiram preocupação e desconforto por nossas ações.”

Três meses depois o mesmo problema acontece e, para espanto de todos, com a mesma atleta. Färber estava competindo nas semifinais de bouldering quando novamente houve uma filmagem inadequada. Reclamações sobre as filmagens foram feitas ao IFSC pelos telespectadores, depois que as emissoras mostraram um close de impressões de mãos em giz nas costas de Färber.

O narrador Matt Groom apresentou um pedido de desculpas imediato na transmissão e a comentarista e também escaladora Hannah Meul criticou o incidente mais tarde na transmissão. A transmissão ao vivo foi removida do canal do IFSC no YouTube e editada, antes de ser recarregada com a sequência removida.

O IFSC emitiu uma nota em todas as redes sociais:

“O IFSC gostaria de se desculpar profundamente com Johanna Färber, Austria Climbing, todos os atletas e toda a comunidade de escalada esportiva pelas imagens que foram transmitidas hoje durante a semifinal feminina de bouldering no IFSC Climbing World Championships Moscow 2021

O IFSC condena a objetificação do corpo humano e tomará outras providências para que pare e proteja os atletas.

Depois de se reunir com representantes da equipe austríaca, o presidente do IFSC, Marco Scolaris, fez o seguinte comentário:” Quantas vezes as coisas terão que ser feitas de maneira errada, antes de aprendermos como fazê-las da maneira certa? ”

Essa repetição é terrivelmente infeliz, se não digna de uma investigação mais profunda das partes envolvidas na escolha da cena e sua implementação na transmissão ao vivo.

E os sul-americanos

Foto: Jan Virt/IFSC

Os resultados dos sul-americanos no bouldering no Campeonato Mundial de Escalada evidenciam o abismo de rendimento que existem entre atletas do continente sul-americano e europeu. A distância abismal explicita o tamanho do esforço necessário para que jovens talentos sejam descobertos e desenvolvidos.

Enquanto há países que se esforçam para modernizar o treinamento, como Chile e Argentina (que possui um planejamento em seu sistema de treinamento), há outros que apostam em técnicas, sistemas e afinidades pessoais que funcionaram de maneira relativa há 20 anos. O reflexo desse equívoco pode ser visto nos resultados obtidos nos últimos anos e nesse Campeonato Mundial de Escalada.

As sul-americanas mais bem colocadas foram a argentina Valentina Aguado (45° lugar de 78 atletas), de 22 anos, e Alejandra Contreras (55° lugar de 78 atletas), também de 22 anos. As brasileiras Patrícia Antunes ficou em 73º e Camila Flores em 78º.

Os sul-americanos mais bem colocados foram o equatoriano Carlos Granja 68º (de um total de 97 atletas), os brasileiros Felipe Ho em 73º e Pedro Egg em 77º.

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