O Tempo e o Vento – Relato da escalada na maior via de escalada do Espirito Santo

“Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé” é um provérbio que depende de sua crença ou fé,
pouco provável além das esferas teológicas, uma vez que nossa fé se assemelha a nossa pequenez.

“This is impossible.” – diria meu pequeno sobrinho estadunidense.

Se por algum acaso se depararem com uma montanha vindo em sua direção, reconsiderem a possibilidade de correr, pois certamente se trata de um terremoto, deslizamento de terra, avalanche ou coisa do tipo. Montanhas não vêm ao nosso encontro senhores, seria fácil demais, nós é que devemos ir até elas, ajoelharmos a seus pés, pedirmos licença para nosso intento insano e, com um pouco de esforço, coragem e fé, alcançarmos seu cume.

No último dia 26, decidimos escalar uma montanha.

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Foto: Rui Paulo

Não se tratava de qualquer montanha, e sim de um imenso monólito de granito com mais de 1 km de altura, encravado na cidade de Afonso Cláudio, na esplendorosa região serrana do estado do Espírito Santo, que é repleta de imensas e magníficas montanhas. Espírito Santo que, aliás, somado ao Pai e ao Filho completa a Santíssima Trindade, segundo os cristãos.

No mesmo dia em que iniciamos nossa jornada, grande parte dos brasileiros comemorava o Corpus Christi (corpo de Cristo), que acontece 60 dias após o domingo de Páscoa, sempre na quinta-feira seguinte ao domingo da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo).

Programamo-nos antecipadamente de modo a tornar esse feriado realmente prolongado, para assim podermos realizar essa trip que nos exigiria maior demanda de tempo, além de esforço físico e psicológico.

A via de escalada em questão fica na Pedra da Lajinha, intitulada “O tempo e o vento” 5° VIIA A1 E3 D4, localizada na serra capixaba que ainda conta com a beleza de Cinco Pontões, Pedra Azul, Três Pontões e outras tantas. É considerada um Big Wall por demandar mais de um dia de escalada e se mostra como ótima opção para aqueles que desejam engajar-se nesse estilo de escalada arrojada e de maior compromisso.

Foto: Rui Paulo

Foto: Rui Paulo

A via “O tempo e o vento”, apesar de quase sempre muito exposta, de difíceis lances técnicos tanto em livre quanto em artificial, tem como pontos positivos a curtíssima trilha de aproximação, platô no meio da via que possibilita um bivaque relativamente confortável (rsrsrs), supercompensado pelo esplendor do manto celeste a nos iluminar.

Conta ainda com a não obrigatoriedade de rapelarmos na descida, além da excelente pousada “Cantinho dos 3 Pontões“, que fica a poucos quilômetros da pedra da Lajinha e bem na frente da linda Pedra de Três Pontões.

Chronos e Éolo

Para alcançarmos o ponto culminante da via “O tempo e o vento”, uma das cinco maiores vias do Brasil com seus 1.150 metros, considerada o teto do estado Capixaba, pedíamos às vezes que o tempo parasse de correr, como um súdito grego rogaria a Chronos, deus do tempo, que o tornasse mais lento para que nos ajustássemos a toda logística necessária para completarmos nosso feito. Implorávamos também aos deuses eólicos que nos mandassem, junto com seus ventos gélidos, mais energia, capacitando-nos a esforços cada vez mais hercúleos.

Foto: Rui Paulo

Foto: Rui Paulo

Contudo tínhamos ainda que transformar o medo iminente em coragem e quando nos davamos conta de que por vezes teríamos que escalar 60 metros de rocha sem nenhuma proteção intermediária, recorríamos então à fé, que e´quando aderimos de forma incondicional a uma hipótese, passando a considerá-la verdade absoluta mesmo sem podermos prová-la ou verificá-la. Simplesmente confiamos, porque coragem apenas já não seria suficiente.

Talvez nossa fé de tão diminuta jamais possa trazer até nós um grão de areia sequer, quanto mais um monte de mil metros de altura como a Pedra da Lajinha, mas pode nos manter agarrados a uma montanha, a um sonho ou a um ideal. E isso independerá de nossa crença ou não em qualquer tipo de santo , Deus ou deuses.

Daí por diante é só galgarmos um passo de cada vez. E a cada passo estaremos seguros novamente, até alcançarmos nosso objetivo final. E, se não o alcançarmos, a jornada já terá valido a pena, uma vez que fomos movidos pela nossa ‘’própria’’ virtude.

Congratulações e gratidão eterna aos guerreiros que realizaram a segunda repetição da via “O tempo e o vento” e me concederam a honra de acompanhá-los: Juliano Pedra Chata, Elisa Rosa, Alex Viana e Luiz Albuquerque

Só um risco real testa a realidade de uma fé.
– C. S. Lewis

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There are 4 comments

  1. Pedro Ribeiro

    Amigo, ótimo texto, porém faltou mais informações sobre a escalada em si. Teria em algum lugar alguma informação mais detalhada?
    Sobre os graus das enfiadas, obstáculos, etc… Dicas de equipamentos ou algo que seria interessante levar. Obrigado!

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