O caso Backcountry.com: O que aprender com as péssimas escolhas feitas por advogados?

Em inglês, o termo backcountry significa, em uma tradução livre, áreas abertas, selvagens e não habitadas de um país. Em termos práticos é uma área rural, ou de montanha, que fica bem longe da civilização e possui poucas pessoas por lá. O termo mais próximo dessa designação em português seria “sertão”, “campo” ou “roça”. Um termo tão genérico como “montanha” ou “oceano”.

O termo é também uma expressão praticamente similar a outra palavra do inglês: outdoors. Mas seria certo um termo genérico de um idioma, que determina uma região aleatória, ser exclusivo de uma empresa corporativa? Pela lei de marcas e patentes dos EUA, e também na opinião dos advogados da empresa backcountry.com, sim.

A backcountry.com é uma loja on-line que vende roupas e equipamentos outdoor e foi fundada em 1996. Ao longo do tempo tornou-se um dos poucos varejistas lucrativos que explorava o mercado outdoor e concorreu com a REI pela liderança nesta categoria nos EUA.

Em outubro de 2018, a backcountry.com registrou como marca registrada a palavra “backcountry” e, em seguida, iniciou ações judiciais contra empresas menores que usavam a palavra “backcountry” no nome, como a Backcountry Denim (fabricante de jeans agora conhecido como BDCo), Backcountry eBikes (revendedor de bicicletas elétricas agora conhecida como Backcou eBikes), Backcountry Babes (programa de segurança de avalanches focado nas mulheres), Backcountry Nitro Coffee (fabricante de cafeteira elétrica) e Marquette Backcountry Skis. Algumas empresas que já usavam o termo há mais tempo que o varejista, também sofreram ameaças judiciais pela backcountry.com.

O motivo do início da investida em processos foi porque a loja on-line começou a vender suas próprias roupas com a marca backcountry e, ao mesmo tempo, começaram a pedir quase que indiscriminadamente a proteção ao nome “backcountry”. De acordo com um documento do Escritório de Patentes e Comércio dos EUA (USPTO, sigla em inglês), a backcountry.com, que usa uma cabra da montanha estilizada como logotipo, também processou uma outra marca por usar uma cabra da montanha como logotipo.

A reação do público

Esta série de ações causou enorme controvérsia com entusiastas de esportes outdoor em todo o mundo, levando a uma reação inversa da mídia social no final de outubro de 2019. À medida que a controvérsia e a indignação dos clientes aumentavam, a empresa perdia potencialmente milhares de clientes em sua luta pelo uso exclusivo de uma palavra que a indústria outdoor adora usar: “backcountry”.

Várias pequenas empresas, e até algumas organizações sem fins lucrativos, mudaram seus nomes e interromperam seus negócios, pagaram advogados e passaram horas analisando a lei de marcas registradas. Um esforço que para uma empresa pequena torna o negócio insustentável, favorecendo e incentivando ainda mais o bullying jurídico que a backcountry.com praticava. Era como se uma pessoa criasse um hipotético “Jeans Globo” e fosse processado pela rede de TV.

Para que seja feito um paralelo, imaginemos que uma loja on-line chamada “bandeirantes”, “interior” ou “sertão”. A partir do momento de brigar pelo uso exclusivo do nome, ninguém poderia usar a palavra para algo comercial em todo território brasileiro. Mesmo que não seja sequer relacionado com o seu negócio.

Proteger sua marca comercial é importante para os negócios de qualquer empresa, mas, em alguns casos, também é complexo. O caso mais emblemático é da Patagonia, que fez isso no início deste ano processando a Anheuser-Busch por usar em uma cerveja o nome”Patagonia Cerveza”. Cerveja esta que já existia na Argentina e foi comprada pela gigante do comércio de bebidas. Na visão da Patagonia, e de totalidade da mídia norte-americana de modo errôneo, a embalagem das latas com a silhueta de uma montanha era “semelhante ao logotipo da Patagonia”. Como explicado aqui na Revista Blog de Escalada, a silhueta da marca de roupas Patagonia é o do Fitz Roy (uma das fotos de paisagem mais icônicas da Argentina) e o da cerveja Patagonia da Anheuser-Busch é a silhueta do Cerro Catredal em Bariloche (cidade onde a cerveja foi fundada).

A questão de marcas e patentes norte-americana é tão sui generis, que até mesmo a canção “happy birthday to you” (o equivalente a parabéns pra você” dos EUA) é protegida por direitos autorais e está sujeita a pagamento de royalties. Por outro lado, a marca de eletrônicos “Apple” (“Maçã” em inglês) também é um termo genérico, mas a empresa não sai comprando briga judicial com todo negócio que tiver a marca. Portanto, a proteção do uso do nome deve ser levada com prudência e diplomacia. A falta destes dois fatores foi o que serviu de estopim para o público (em outras palavras os clientes) se enfurecesse e partisse para o confronto e protestos nas redes sociais.

No caso da backcountry, o volume de protestos e mensagens agressivas da comunidade outdoor aumentava exponencialmente enquanto esperava por respostas. Foi aí que o CEO da backcountry.com, Jonathan Nielsen publicou uma carta aberta à comunidade usando um tom pouco empático. Na carta, a empresa listou e abordou uma série de questões judiciais (usando de linguagem conhecida popularmente como “juridiquez”) e anunciou a decisão de suspender uma ação pendente contra a Marquette Backcountry Skis. A comunidade sentiu no teor da carta um tom de soberba, o que elevou o tom dos protestos.

A raiva contra a backcountry.com entrou em erupção no Twitter, Instagram e Reddit no início da semana passada e se fundiu em um grupo no Facebook chamado BoycottbackcountryDOTcom, atualmente com mais de 22.000 membros. Como todo tipo de protesto na internet, tudo avolumou-se de uma maneira insustentável que começou a atentar a imagem da empresa junto ao público-alvo.

O recuo para recuperar a reputação

Gerenciamento de crise é um método administrativo que visa a redução de prejuízos no momento em que ocorre uma disrupção, por motivos internos ou externos. Foi exatamente isso que a backcountry.com teve de fazer, pois o caso já tinha ganhado a mídia de massa e de incidente, começou a ganhar ares de escândalo.

Publicar uma carta de desculpas foi o primeiro passo. Depois disso, o CEO da backcountry.com, Jonathan Nielsen, afirmou que está fazendo ligações telefônicas e visitas pessoais para arrumar os relacionamentos com as empresas prejudicadas no litígio de marca registrada sobre o uso da palavra “backcountry”.

Além disso, Nielsen confirmou a um veículo de imprensa norte-americano que que “se separou” do IPLA Trademark Law, o escritório de advocacia especializado em negócio de proteção de marcas que representava a empresa e colocou outros advogados de lado. Jonathan também disse que a backcountry.com retirou todos os litígios pendentes, que foi o caso com da Marquette Backcountry Ski.

“Decidi que precisamos voltar às raízes. Vou chegar a todos com quem conversamos e ver onde isso nos levou. Quero me desculpar e quero que eles conheçam a backcountry.com em um nível mais pessoal, disse Jonathan Nielsen. Sobre a maneira como a empresa tentou proteger a marca por meio de marcas registradas, Nielsen disse: “Nós estragamos tudo isso em nossa abordagem e não fizemos da maneira certa”.

Muitos disseram que não era nem perto o suficiente para pagar seus dois anos de envio de ordens e processos judiciais para outras empresas. Além disso, vários deles tiveram de gastar somas consideráveis para realizar o rebranding. Muitos alegaram que, aparentemente, não eram sequer concorrentes, como era o caso da Backcountry Nitro Coffee e Backcountry Babes e algumas outras organizações sem fins lucrativos. Todas eram pequenas empresas que afirmaram que não tinham recursos para revidar.

Muitas empresas ainda perdem negócios por falta de comunicação com os clientes. Este parece que foi o caso da backcountry.com, que por confiar em demasiado em seus advogados, além de ter falta de empatia com quem usava o nome o termo genérico, mesmo sem ser concorrente direto. Faltou capacidade de avaliação dos advogados da IPLA e, principalmente, dos executivos da backcountry.com que não se preocuparam com o relacionamento com os clientes e, principalmente, com a sociedade.

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