Não é necessário fazer uma pesquisa muito extensa para escutar alguém reclamando do comportamento de montanhistas e escaladores, com relação a vários aspectos da vida. Outrora considerados párias da sociedade, que preferiam viverem um estilo de vida muito perto da mendicância, os montanhistas e escaladores eram a encarnação dos “anti-establishment”.
Para toda uma geração, especialmente nas décadas de 1960 a 1980, praticar esportes outdoor era estar dentro da contracultura. Um dos líderes da contracultura, movimento cultural que teve seu auge na década de 1960, o escritor Jack Kerouac abordou a prática da atividade outdoor em dois de seus livros: “On the Road” e “The Dharma Bums“.
Ser montanhista ou escalador, nos anos 1960 a 1970, era estar contra as instituições oficiais, sejam elas políticas, econômicas ou sociais e protestar abertamente como se encontrava a forma vigente da sociedade. Sim, a escalada e o montanhismo eram formas de “lutar contra o sistema”.
Mas assim como a contracultura, o movimento hippie, e também outros movimentos culturais anti-establishment, a atitude rebelde de escaladores e montanhistas perdeu força, consistência, relevância e significância ao longo do tempo.
A partir dos anos 1990, chegando aos dias de hoje, sobrou somente a atitude rebelde diante da sociedade, mas com protestos ocos e sem sentido. Em tempos de relações líquidas, não era de se admirar que a atitude rebelde e de contestação se desidratariam ao que restou hoje.
Nos escaladores e montanhistas desta segunda década do século XXI, restou também um desejo injustificado de imitar as mesmas atitudes das décadas de 1960 e 1970, mesmo estando há mais de 50 da realidade da época. Insistem em repetir, com a mesma estratégia de Joseph Goebbels (“uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”), que as pessoas não enxergam escaladores e montanhistas com bons olhos, o que não é necessariamente verdade.
Há muito que a prática esportiva de escalada e montanhismo não é marginalizada. Mesmo assim preferem acreditar em um fato do passado, por causa do desejo de parecer um outsider permanece vivo, apesar de sequer ser um.
É perceptível que entre eles, há um desejo de parecer culto, mesmo sem ter cultura, repetindo frases de efeito e verbos pomposos. Entre eles, muitos pensam, de maneira errônea, que as práticas consideradas “modernas” como minimalismo, desapego e vida simples, resumem o estilo de vida de um escalador ou montanhista.
Mesmo que nenhuma delas seja praticada de maneira verdadeira e efetiva, por maioria esmagadora dos praticantes de esportes outdoor. O esforço existente é de querer a todo custo apenas parecer praticar este estilo de vida, mas não efetivamente pratica-los.
Mas que tipo de conceitos filosóficos estes escaladores e montanhistas se apropriaram para definir esta filosofia de vida, além da composição de personalidade, que hoje impacta a cultura de montanha? A resposta mais simples, que na verdade apenas toca a superfície de referências filosóficas no montanhismo e escalada, é o niilismo e o ceticismo.
Niilismo, escalada e montanhismo
Sem sombra de dúvida, a filosofia que mais se aproxima da atitude dos escaladores e montanhismo hoje é o niilismo. Esta doutrina filosófica impacta diversas esferas do mundo atual como literatura, arte e, como não poderia deixar de ser, a dos “pensadores” da escalada e montanhismo.
A principal característica do niilismo é a visão questionadora radical em relação às interpretações da realidade, que aniquila valores e convicções. Nela, existe a total aplicação da desvalorização, da morte de qualquer sentido e completa ausência de finalidade. Os valores tradicionais são colocados em questão, nem tampouco discutidos.
Indo mais profundamente, sem imergir em conceitos teóricos, o montanhismo e a escalada se apossaram do niilismo existencial, o qual acredita que a vida é sem qualquer sentido ou objetivo, não possuindo propósito ou valor. Ou seja, não são a favor, ou contra, qualquer coisa. É o famoso “não to nem aí, não faço parte disso”.
Muito da postura engajada do niilismo advém da influência exercida pelo filósofo Friedrich Nietzsche, que propõe a ausência de sentido da vida, atrelado ao conceito de “super-homem”. Que coisa mais “sem sentido” com “super-homem” não é subir uma montanha ou escalar uma via? Pois, na cabeça de um montanhista, ou escalador, niilista, se a vida não faz sentido, logo ele se sente livre (embora não consiga).
Mesmo não tendo reais motivos para se revoltar, qualquer escalador ou montanhista, possui a postura quase intrínseca de recusar radicalmente valores e verdades da sociedade. Como antigamente escalar vias, praticar montanhismo, ou mesmo procurar desaparecer, era uma forma de revolta, o niilismo nestas pessoas apareceu normalmente. O niilismo ocorre quando todos os valores importantes existentes anteriormente se tornam desvalidados ou desvalorizados.
Para o bem, ou para o mal, têm-se que os escaladores e montanhistas hoje vivem uma espécie de adolescência tardia, em uma visão particular de niilismo. São adolescentes niilistas que procuram não fazem nada, afirmam e não querem fazer nada e reclamam que não têm motivação para nada (somente para escalar e subir montanhas).
De modo geral, como pode ser visto em vários redutos de escaladores chamados “micróbios”, eles vão levando a vida, tomando algumas drogas, colecionando algumas conquistas e fazendo algum sexo.
Ceticismo, escalada e montanhismo
Dentro do modus vivendi de montanhistas e escaladores, filosoficamente falando, há uma “ala moderada” que optou por seguir o ceticismo. Uma pessoa cética é aquela que duvida de tudo, até que lhe provem racionalmente o contrário.
Um indivíduo cético caracteriza-se por ter predisposição constante para a dúvida e para a incredulidade. Um cético questiona tudo o que lhe é apresentado como verdade e não admite a existência de dogmas, fenômenos religiosos ou metafísicos.
O cético prefere usar o pensamento crítico (na forma de julgamento propositado e reflexivo) e o método científico (na forma de pensamento ceticismo científico) como tentativa de comprovar a veracidade de alguma tese. Ao contrário do niilista, o cético não é um negador de tudo, mas alguém que pretende entender alguma “verdade oculta” a respeito de algo. É inaceitável para o cético a resposta “porque sim”, “fulano me disse” ou “li algo por aí”.
Atualmente, muitos entendem erroneamente que uma pessoa cética é alguém que não acredita em nada. Tecnicamente este tipo de raciocínio é errado. Um cético, filosoficamente falando, é aquele que coloca suas crenças, e as dos outros, sob constante exame.
O objetivo deste exame, é verificar se elas são realmente dignas de crédito ou não. Para isso que são exigidas, por exemplo, fotos de cume, vídeos de ascensões, relato de testemunhas, entre outras provas, para a chancela de feitos no montanhismo e escalada.
O cético não acredita em um relato, ou uma conquista, e até mesmo elogios rasgados, a um local, pessoa e estilo. Para isso, é necessário provas que corroborem tantos elogios, ou críticas, a respeito do assunto. Inclusive, uma pessoa cética já sabe que as conquistas, os elogios e as críticas muito infladas a respeito de qualquer assunto, ou pessoa, indica uma tentativa de maquiar a verdade e de persuasão para acreditar em algo enganoso.
O grande inimigo do cético não é necessariamente o mentiroso, mas a pessoa que usa a retórica, para “maquiar” a realidade. Desse modo, examinando constantemente a veracidade, um cético nunca seria pego de surpresa por algo que todos acreditavam ser verdade se revelasse falso no futuro.
O escalador e o montanhista cético são vistos com ressalvas por grande parte da comunidade de montanha, sobretudo pelos niilistas, pois acreditam que há mentiras em todos os lados. Muito disso porque as lendas, e mentiras, a respeito de vários aspectos da escalada, necessitam de serem comprovadas e esta atitude os niilistas odeiam.
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.
Sou a Camila da Silva, e quero parabenizar você pelo seu artigo escrito, muito bom vou acompanhar o seus artigos.
Acredito que a sua analise foca com muito qualidade 01 dos lados dessa “moeda” particularmente acredito que Nietz e o Ceticismo podem facilmente andar de mãos dadas, eu particularmente cresci fazendo trekking no cerrado mato grossense, totalmente contra a minha vontade, (era levado pela familia) de forma geral cresci associando aquilo a algo sem sentido, “Ficar me matando de andar no mato”.
Assim que pude parei de seguir a família, uma década depois, casado, com filho e convertido ao cristianismo, voltei a ver sentido, e passei a fazer justamente para apreciar a natureza, as criações de Deus, pode justamente estar compartilhando esses momentos em família, fazendo isso por amor, por crer em um Deus poderoso que criou e deu sentido a tudo isso, por este motivo que digo que apenas foi abordado 01 lado da moeda, o lado dos que ou não creem, ou não vem sentido em nada, mas existe o outro lado, de pessoas que como eu, fazem isso justamente por crer e amar tudo ao seu redor.