Nem só de escalada vive o homem!

Legenda: Primeiro dia de acampamento – Setor 1 Fotografia: Juliana Falchetti Escalador Eduardo Wagner

Primeiro dia de acampamento – Setor 1
Fotografia: Juliana Falchetti
Escalador Eduardo Wagner

Era cerca de 01h30min da madrugada quando ouvi os primeiros barulhos na mata fechada. Abri os olhos e nem piscava de tanto medo que fiquei. Eu e o Du havíamos decidido montar acampamento bem na base da rocha no setor 1 do Macarrão, em Ponta Grossa/PR. O ruído vinha de longe, mas se aproximava devagarinho.

Nessas horas eu não queria ser mulher. Ou melhor, podia até ser mulher, mas meio ninja, preparada para tudo. Não me entendam mal. Eu adoro ser mulher, mas a nossa fragilidade às vezes me irrita.

Na rocha não me sinto frágil. Longe disso. Sou bem guerreira e determinada mesmo nos lances que chamo de “boulder de menino” que são aqueles que só os “monstrinhos” mandam.

Até mesmo nesses lances mostramos a que viemos, mas sempre trazendo um pouco da nossa feminilidade.

Setor 1 – Macarrão Fotografia: Juliana Falchetti

Setor 1 – Macarrão
Fotografia: Juliana Falchetti

Acho que ser mulher carrega sempre uma magia, uma leveza. Ouço alguns homens comentarem do quanto nossos movimentos na rocha são fluidos, belos. Até para pagar uma barra num lance o movimento é mais bonito e isso não nos desqualifica. Muito pelo contrário.

Não é à toa que Lynn Hill, uma belíssima mulher de olhos verdes foi eleita entre homens e mulheres como uma das melhores escaladoras de todos os tempos.

Mas ser mulher tem as suas desvantagens. Momentos como o do “crack, crack” se aproximando da nossa barraca era uma delas. Aposto que o Du não estava com tanto medo, ou, se estava disfarçou direitinho.

O Petzl, nosso cachorro de estimação, levantou as orelhas e deu aquela rosnada.

Além dos meus 14 produtos de beleza e higiene pessoal que coloquei na mochila (que continha inclusive um hidratante exclusivo para as cutículas) levei o meu inseparável spray de pimenta. Sou um pouco paranoica mesmo, com segurança e também com produtos de beleza. Uso eles desde os 15 anos e, com 32, acho que fizeram seu papel direitinho.

Escaladora Juliana Falchetti Fotografia: Eduardo Wagner

Escaladora Juliana Falchetti
Fotografia: Eduardo Wagner

Uma dica para as trips é colocar tudo em potes pequenos, daquele tipo “tamanho hotel”.
Não da para descuidar com o corpo, com a alimentação e com o espírito.

Tem que caminhar tudo junto, em harmonia. Se você está se sentindo bonita, bem cuidada, com a saúde em dia, isso refletirá na sua vida e no relacionamento com o mundo. É claro que para alta montanha não da para levar tudo isso. Tem que selecionar ainda mais.

Spray de pimenta na mão, cachorro “ligado”, um homem forte do lado e só aguardavamos em silêncio, completamente imóveis o barulho se aproximar. Havia rumores de alguns incidentes ocorridos no Buraco do Padre, que ficava a algumas centenas de metros de onde estávamos, mas imaginar que aconteceria algo à 01h30min da manhã em um local pouco conhecido como é o Setor Macarrão nos deixou surpresos.

Era nosso primeiro dia ali e tinha sido pesado. Escalada das melhores, daquelas que tijolam mesmo o braço. Gosto de lances de equilíbrio também, mas esse setor não se destaca por isso. Na hora do banho tive que ter coragem. Tentei me lembrar do quanto a água de rio gelada podia fazer bem para pele e cabelo, senão não ia rolar.

Juliana e Petzl nos “apartamentos” do Setor 1 Fotografia: Eduardo Wagner

Juliana e Petzl nos “apartamentos” do Setor 1
Fotografia: Eduardo Wagner

Mulher é um ser peculiar. Só nós temos o incrível poder de estarmos preocupadas com o cabelo a qualquer momento. O mundo pode estar acabando, mas lá estamos nós de olho em cada fio. Tenho sorte dos meus cabelos terem ficado cacheados depois que raspei a cabeça.

Faz oito anos que não tenho sequer um pente em casa, mas uso cinco vezes por dia um creme de cera de abelha sem enxágue. Modela os cachos.

Quando os ruídos estavam a poucos metros percebemos que não teria jeito.

Tínhamos que agir.

Desengatilhei o spray de pimenta e verifiquei se não estava apontado pra mim. Esqueci de dizer que desastrada é meu sobrenome, tem coisas que só acontecem comigo, inclusive nas opções profissionais.

Buraco do Padre Fotografia: Juliana Falchetti

Buraco do Padre
Fotografia: Juliana Falchetti

Imagino que a mistura fotografia + moda + escaladora parece um pouco improvável, mas não é que deu certo? Acho que minha formação em Nutrição me ajudou a fazer essa receita.

Assim como eu, acredito que grande parte das escaladoras não se sinta escrava da moda e beleza, nem na rocha, nem no cotidiano. Enxergamos a vida com olhos mais voltados à beleza interior, à natureza, às coisas simples que são o que realmente nos fazem melhor.

Mas um montanhista não precisa virar um ser de outro mundo e ignorar que a estética é um elemento importante.

É possível se vestir de forma elegante no dia a dia e tranquilamente trazer um pouco desses elementos para as atividades ao ar livre também.

A faixa de cabeça animal print do post passado é um exemplo. Você não precisa usar eternamente aquela faixa marrom com cara da vovó de anos atrás. O charme está nos detalhes e é uma delícia poder mudar constantemente.

Falando em mutação, mulher ninja, medo… Com o tal barulho que agora estava colado na gente, decidimos surpreender o “adversário”. Misturamos um pouco de ousadia e loucura e saímos falando bem alto, quase berrando de dentro da barraca.

Acho que eles se assustaram mais que nós e para nossa surpresa (e felicidade) era um escalador que tinha ido ao local levar um amigo fotógrafo para fazer algumas imagens das estrelas. PQP tinha que ser de madrugada?

Passamos oito dias no Macarrão e posso afirmar que, apesar do susto e do trabalho que tivemos para fazer comida, tomar os banhos frios, lavar as roupas no rio, foi um dos lugares mais top de escalada que conheci.

Voltei de lá com a certeza de que é possível sim, passar perrengue, viver com praticamente o essencial e cuidar do corpo, da mente e da estética.

Beijos da Ju

 

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