Na era do consumo, por que arrumar a roupa é um ato de rebeldia?

Uma das características do nosso tempo é a efemeridade das coisas. Tanto é assim que reparar, manter e reutilizar o que compramos pode ser um verdadeiro ato de rebeldia contra a sociedade e as regras que ela possui. A título de curiosidade, a palavra “efêmero” deriva do grego e significa “coisas que não duram mais do que um dia”.

Qual é o tempo de vida prático de um copo de espuma descartável? E o tempo de vida de uma jaqueta de montanha com as cores da temporada de inverno 2016?

Foto: http://www.stealingshare.com/

Já é um fato conhecido que muitos escaladores são conhecidos por serem “maus clientes” ao status quo do comércio. Não porque não tenham dinheiro (pelo menos não necessariamente), mas porque tendem a dar valor às suas coisas além do consumo imediato. Em contraste, os “melhores clientes” são aqueles que se vestem disfarçados de atleta outdoor por um fim de semana, mesmo que as coisas acabem encostadas (ou escondidas) em um canto do armário depois disso.

Mas nem tudo é culpa do comprador. A economia mundial, na realidade, é baseada no consumo e na geração de valor através de produtos e serviços. Isso resultaria, ao menos em teoria, no fluxo de capital que permitiria a geração de riqueza (assim como, em teoria, o trabalho, seguridade social e serviços que levam à prosperidade). E, em certa medida, é verdade, no entanto, encontramos um ingrediente que perturba a fórmula capitalista: obsolescência por design em produtos.

O planeta, obviamente, não é uma fonte inesgotável de recursos de um ser mágico destinado à alegria do homem. Consumir menos, comprar de maneira responsável, arrumar mais, reutilizar tudo e, acima de tudo, valorizar mais a experiência do que a posse, são objetivos que todo praticante de atividades outdoor deveria saber desde o berço.

Como em tudo, os novos designs são mais atraentes aos clientes e alguma nova tecnologia de zíperes com ímãs que pesam 3 microgramas (µg) a menos que o modelo anterior também é. A questão não é que não comprar, mas comprar somente quando necessário e não quando o impulso de consumismo exige. Enquanto isso, costurar um buraco que apareceu na camisa, em vez de jogá-la fora e comprar outra, é um dos maiores atos de rebeldia que podemos exercer como consumidores individuais.

O ato não é somente consertar o que já temos e comprar menos, mas entrar no jogo do capitalismo sabendo o que é fundamental comprar. O mesmo raciocínio deve ser utilizado para não comprar um tomate congelado importado do Japão por dois meses de viagem, mesmo que não pareça brilhante e perfeito como o do produtor local.

Como se rebelar ao consumismo

Foto: https://www.themanual.com/

Sim, o mesmo vale para tudo, pois enquanto consumidores temos de ter a consciência que há menos impacto ao meio ambiente consertar a tela do celular, do que comprar um novo, mas, se você tem que comprar outro, há menos impacto comprar de uma marca que possui um modelo que não vai parar de funcionar em dois anos, porque a versão já deixou de existir.

Ao contrário de eletrônicos, felizmente, os equipamentos e roupas de montanha tendem a ser muito duráveis. Afinal, devido à natureza do seu uso, é necessário ser durável, caso contrário a indumentária não serviria para as condições a qual está exposta. Mas, mesmo assim, os pequenos buracos e rasgos são inevitáveis. Portanto, consertá-los e, no caso dos equipamentos, reutilizá-los para outra finalidade, é um gesto de responsabilidade que se opõe ao consumismo de nossa época. É, portanto, um ato de rebeldia.

Caso não saiba, o consumismo é o ato que está relacionado ao consumo excessivo, ou seja, à compra de produtos ou serviços de modo exagerado. Comprar simplesmente não é consumismo, mas comprar algo que não se necessita, ou para somente usar uma vez é. Os termos “consumo” e “consumismo” são bastante diferentes.

O consumismo e a alienação do indivíduo

O consumismo é característica das sociedades capitalistas e da expansão da globalização. Mas que fique claro que “consumo” é apenas o ato de consumir, necessário a todos os seres humanos. Já “consumismo” é uma patologia, a qual é alimentada e influenciadas pela mídia e os meios de comunicação de massa.

Portanto, ter rebeldia quanto ao consumismo, e até mesmo ao consumo, é possuir pensamento crítico, e não fazer parte da chamada alienação social. A alienação social é a forma como indivíduos da sociedade acabam sendo padronizados pelo modus vivendi dentro de um contexto social, fazendo com que percam, ainda que de maneira parcial, o seu senso crítico.

O marketing das empresas, com suas mensagens publicitárias veiculadas nas mídias, tem gerado cada vez mais uma população consumista e alienada. Basta verificar que o próprio público que consome notícias não sabe de fato o que é sensacionalismo, muito menos fake news. Repetem a esmo os termos, sempre acusando a algum veículo de mídia somente por não ter gostado da notícia, pois sequer possuem entendimento ou mesmo senso crítico.

Pessoas assim, sem senso crítico (até com elas mesmas), é o produto final do consumismo e do marketing agressivo, o qual impossibilita qualquer indivíduo de ter pensamentos e ações próprias. Isso porque as suas ações são diretamente influenciados pelos modelos e padrões de vida reproduzidos pelos meios de comunicação de massas (televisão, jornais, revistas, etc.). No processo de alienação social, as pessoas não se reconhecem mais como participantes e produtoras das instituições existentes na sociedade.

Marcas que reparam as suas roupas

Talvez não haja nada mais importante para as nossas aventuras ao ar livre do que o equipamento que nos acompanha ao longo do caminho. Precisa estar lá sem falhar, pronto a qualquer momento. Mas acidentes acontecem.

A mais conhecida delas é a Patagonia, que mantêm uma política de reparo que vai além das garantias de “defeitos de fabricação”, muitos outros fecharam ou terceirizaram esses serviços. O programa é itinerante e é aplicado em todo o mundo. Infelizmente o worn wear, como chama o programa da Patagonia, não aconteceu ainda no Brasil. Mas mesmo sem atuar em alguns países, como o México, a empresa já realizou o programa worn wear, em uma espécie de mutirão de reparamentos de equipamentos (não importando de qual marca seja).

No país que é a maior economia do mundo, o hábito de reparar roupas com pequenos defeitos, já é uma realidade. Nos EUA já existem lojas que fazem reparo em equipamentos outdoor. Explorando este nicho de mercado, as lojas já possuem faturamento admirável e conquistaram o público.

Veja abaixo alguns exemplos de empresas que poderiam servir de inspiração no Brasil e em outros lugares do mundo

  • Repair Lair (Minneapolis): Com apenas cinco anos de idade, Repair Lair e sua equipe legitimamente se gabam de que eles podem consertar praticamente qualquer coisa.
  • Rugged Thread (Bend): Conserta jaquetas de chuva, sacos de dormir, tendas, coletes salva-vidas.
  • Rainy Pass Repair (Seattle): Especialista em reparo de tecidos Gore-Tex desde 1986
  • TentPole Technologies (Vancouver): Maior reparador de barracas (estrutura e corpo) dos EUA.
  • Boulder Mountain Repair (Boulder): Especialista em recuperação de roupas e mochilas
  • Specialty Outdoors (Spokane): Com mais de 20 anos de experiência, a Specialty Outdoors consegue arrumar com a maioria das reparações de equipamentos.

No Brasil, a iniciativa mais próxima disso são os ressoladores de sapatilhas de escalada. A Revista Blog de Escalada mantém uma lista completa com todos os ressoladores do país, incluindo de botas de trekking.

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