Veja o Relato Completo da Conquista da via “Martelo de Thor” – Nova Via na Face Norte do Bauzinho

Martelo de Thor1Aproveitando um verão atípico, que proporcionou inúmeras escaladas no complexo do Baú, eu e o Rubão localizamos um bom espaço de parede.

Na face norte do Bauzinho, entre as vias “Homem Pássaro” e “Lidiane Arnaud”, que parecia suficientemente promissor para a descoberta de mais uma linha de escalada para a comunidade da montanha que frequenta São Bento do Sapucaí.

Em que pese nossas investidas não tenham respeitado a temporada de escalada, pois foram realizadas majoritariamente no verão, a conquista da “Martelo de Thor” observou os princípios idealizados na Carta de São Bento do Sapucaí, concebida em seminário patrocinado pela FEMESP.

Quando executamos toda a equipagem da via em estilo de conquista, onde todas as investidas foram executadas da base ao cume, focando o respeito ao estilo tradicional e ética local.

Martelo de Thor3Justamente pelo período climático, as investidas foram acompanhadas das adoradas nuvens de tempestade (cumulus nimbus), que sempre giraram respeitosamente sobre nossas cabeças, harmonizando tempo suficiente para a execução dos trabalhos, sem trovoadas efetivas, até um cômico fato ocorrido durante a conquista da última enfiada.

As três primeiras enfiadas da via, com cordadas de 30, 45 e 45 metros respectivamente, exigiram duas investidas.

Na terceira investida, certos que chegaríamos ao cume, com aproximadamente 15 metros de cordada, já faceando a rocha para o perfeito assentamento da chapa, por um lapso a marreta saiu voando da parede!

– Nossa!!!  – Perguntei…
– O que foi isso?!
-A marreta *&#%&*#@&¨%$@#!!!  – Respondeu Rubão…

Sem a possibilidade de desescalar de forma segura pois se trata de um trecho de aderência pura, onde a última chapa já estava a uma distância que possibilitaria uma queda perigosa.

Por sorte estávamos com furadeira, foi viável fazer o furo da proteção, mas o parabolt teve que ser instalado com pancadas de uma “marreta improvisada”, um ascension (blocante de punho)…Ufa!!!

Como já estávamos a uns 135metros de parede, mas ainda estimávamos mais uns 30 a 40 metros para o cume, não restou alternativa senão descer, assimilar o fato, e comprar uma marreta nova…

Já na base da parede, lanchando antes de descer a trilha, ainda com a moral em baixa, e com as trombetas do céu ecoando pelo vale, resolvemos fazer uma rápida busca no perímetro, onde provavelmente a marreta poderia ter caído…

Não gastamos três minutos, se muito, e a marreta estava na mão do Rubão, intacta!!

– Recuperamos o Martelo de Thor! Falou Rubão, dando combustível para reaquecer nossa moral!!!

E sob chuva e trovoadas fomos empurrados trilha a baixo…

Martelo de Thor2Dos nomes que já havíamos cogitado durante os dias anteriores para “batizar” a via, todos perderam o significado, o “Martelo de Thor” era um fato inarredavel da história dos trabalhos de conquista.

Não havia como escapar…

O nome seria “Martelo de Thor”!!!

Trovoadas, junto com um martelo que voa da parede, não acerta inocentes, e volta às nossas mãos…

Tínhamos a mitologia do Deus nórdico, contada nessa nossa singela vivência!

Outra investida foi programada para ao próximo final de semana, onde tivemos a participação do Daniel Cecco, que gentilmente aliviou o peso de nossas mochilas.

Experimentou algumas das cordadas para nos ajudar a sugerir alguns graus de dificuldade frente sua experiência como escalador, inclusive como Rout setter.

Ele nos auxiliou a retirar bolt’s que não expandiram adequadamente e pedras soltas, que são detalhes essências para dar mais segurança!

Mas as nuvens estavam lá!!!

Foto: Luiz Afonso Coelho Brinco

Foto: Luiz Afonso Coelho Brinco

Chegando ao ponto de conquista já tínhamos um estranho cenário no céu, com uma nuvem ameaçadora se aproximando pela bunda do Baú…que era a que mais nos preocupava naquele momento.

Demos um tempo para ver como essa nuvem se comportaria e… Resolvemos arriscar!

Afinal estaríamos molhados de qualquer jeito, pois os rapeis que nos esperavam não eram fáceis, e demoraria algum tempo…ou seja, vamos tocar até onde der!

A nuvem estava lá, entre a Ana Chata e o Bauzão, despejando parte da sua energia, quando milagrosamente desviou para o lado de Campos…

– Desviou! É a oportunidade! Falou Rubão.
– Se não voltar pelo col está beleza! Completou o Daniel.

O céu deu uma leve abertura, e observávamos que o ciclone puxava para o lado de Campos.

Lá foi o Rubens retomar o último ponto, escalando a aderência anteriormente já conquistada!

– Acho que não é aquele quartinho que falei! Comentou sobre a dificuldade do lance. Chegou no ponto, olhou pra cima, avaliou e…

A hipótese do Daniel se concretizou…

Como se fosse uma onda, o vagalhão cobriu nossas cabeças!

Não deu para galgar nem um milímetro, e a parede do Bauzinho se transmudou numa miríade de cascatas. Especialmente a rota escolhida por nós, que apresentava cachoeiras magníficas!!!

É incrível como a parede se transforma! Dá pra experimentar a capacidade de erosão da água, e o volume que consegue alcançar!

Sem alternativa, já com o espírito canyonista que teve que aflorar, novamente nós fomos espirrados para baixo! Descemos conformados e tranquilos, já com todo o equipamento encharcado, prorrogando novamente nosso almejado cume pela rota escolhida!

Foto: Luiz Afonso Coelho Brinco

Foto: Luiz Afonso Coelho Brinco

Bom, deste momento já percebíamos que a última cordada já consumia metade do tempo até então investido na conquista da via, mas o cume estava perto! Muito perto!!

O diedro que mirávamos no topo era plenamente visível, talvez umas poucas chapas, pois apostávamos em colocações móveis, que são verdadeiros presentes para quem está na ponta da corda!!! Agiliza muito a progressão!

Noutro final de semana, com uma previsão do tempo promissora, acordamos, tomamos café, arrumamos e dividimos todo equipo coletivo e contamos nove chapas.

Contando com as três já colocadas na aderência, somam bem mais do que entrou em quaisquer das outras enfiadas, e será mais que o suficiente…

Concluímos por não levar mais peso desnecessário em chapas!

Saímos por volta das 8h da casinha (pouco acima do boulder do bigode), subimos a trilha que costumamos usar (trilha do Vicente, desviando pela linha de araucárias do pasto), e aproximadamente 10:30h já estávamos no ponto de conquista, pois as cordas fixas deixadas nas cordadas mais trabalhosas agilizaram bastante a subida.

Como pela ordem essa cordada era do Rubão, que já havia esquentado guiando a segunda cordada, que por sinal é muito divertida, e possibilita inúmeras colocações móveis num 5sup consistente, já saiu rápido para reiniciar os trabalhos.

Habilidosamente venceu os 15 metros de aderência acima da P3, e observou a linha que estávamos imaginando…

– Ainda não da para ter certeza se o arco que avistamos apresenta fenda sólida e adequada para proteção.
-Parece rasa! Finalizou.

Seguiu em sua direção e, dominando um pequeno platô, foi localizado o melhor ponto para fixar a última proteção fixa que achávamos necessário, pois a partir dali desejávamos que as feições da rocha possibilitassem um estilo mais limpo nesta enfiada.

Rubão fez todo o trabalho para colocar o bolt, expandiu, colocou a chapa, clipou o auto para a expansão e aperto final, quando…

Pensei: O Rubão já esta clipado na chapa! @$#%*& desequilibrou!!! Quase uma queda perigosa! &%$#@

– O que foi isso? Falei.
– A @#$&% do bolt quebrou!!!
– Como? Você colocou pressão e ele quebrou na rosca?
– Não! %$##@% o bolt quebrou no momento de expansão e aperto, no corpo dele!!!

Evento muito estranho esse, que transtornou o Rubens, pois a quebra sequer foi na rosca… Ora, na cabeça dele, depois de três investidas nessa enfiada, algo metafísico conspirava contra ele! Sua confiança se esvaiu!

lance do A0 ou IX – na consquista)

lance do A0 ou IX – na consquista)

Ele perguntou se eu pegaria a ponta da corda, e apesar de também transtornado com o ocorrido, inclusive pelas citadas forças metafísicas, pensei: Como descer assim, se nós já tínhamos uma festa programada com a nossa equipe de apoio, que fica na casinha!

Era uma questão de honra, para nós, terminar esse trabalho nesse dia!!!

Recolocada outra proteção pelo Rubens, e uma descida de baldinho emocionalmente influenciada pelo horripilante evento, foi feita a troca e reiniciei a conquista.

Confesso que escalei o trecho já conquistado conversando c om Deus e espantando meus demônios, rezando por proteções móveis, pois o evento também havia retirado minha confiança!

Alcançado o último ponto, comecei a escalada em terreno novo e cheguei ao arco, que não se mostrou tão promissor como gostaria.

Porém consegui uma boa proteção com um C3 (BD) e mais a frente impetrei uma colocação pouco marginal de um offset…

Mais uma escaladinha de um 6º, sem boas agarras, dominei pequeno platô e consegui uma colocação bomba, à escolha do freguês, com outra logo acima! Legal, progredi bem, e já estou na base do diedro! Meus demônios haviam sumido!

Avaliei a entrada do diedro, que de longe parecia um rampão, mas de perto estava estranho…

Bem mais empinado que eu gostaria, numa aderência sem agarras!

– Caraca! Lá vem eles de novo! Nada de proteções móveis!

Havia reservado o camalot #3 e o #4 para o serviço, já que estava crédulo em blocos e fendas grandes! Nada disso… Com a última proteção móvel já abaixo do meu pé, optei pela indesejada e amaldiçoada proteção fixa! À míngua de alternativa, melhor tu!

Progredi numa aderência em 6º, fiz mais uma proteção e dali consegui progredir até a base do segundo diedro do fim.

– Ufa!!! Tá acabando!

Na base dele fiz mais uma proteção e avaliei… é meio liso!

É ainda bem mais vertical que eu imaginava e que as passadas anteriores! Faltavam 10 metros!! Eu avistava o cume e escutava o vai e vem de pessoas que costumam frequentar o Bauzinho nos finais de semana.

Já tinha aproximadamente 45metros de corda esticada… resolvi que ia ser por ali mesmo!
– Custe o que custar, eu vou subir e depois vemos o que da!

Olhei para a bolsa de ferragens e tinha 5 chapas, menos 2 da parada, restam 3 que posso usar para cumprir os 10 metros…

CROQUI

CROQUI

Entre passadas de Cliff e proteções móveis em peças pequenas, bati duas chapas para intermediar a progressão, pois já tinha quase a corda inteira esticada que gerava certa exposição em caso de queda,quando consegui chegar ao cume em artificial fácil, porém mais trabalhoso na conquista.

Aproximadamente às 15:30h, do dia 29 de março de 2014, fixei a parada, finalizando a última cordada com 55metros.

Muitas lições foram passadas, havíamos desprezado as surpresas e o imprevisto!

Das excessivas 9 chapas separadas, restou uma! Na medida!!
Chamei o Rubão, que experimentou a última cordada.

Ficou muito boa, porém esses últimos 10 metros são lisos e empinados demais para uma aderência em livre! Ao menos para nós! Pois tentamos!

Terminamos o serviço, içamos alguns blocos perigosos para futuras repetições, e casualmente encontramos vários montanhistas conhecidos, quando tivemos a honra de emprestar nossa cansada broca para a ultimação de serviços de regrampeação de vias clássicas, executadas exemplarmente pelo Alê Silva e Marcos Nalon!

Tudo certo!! Missão cumprida!!!

Ainda tínhamos que descer a trilha da face norte para encontrar nosso grupo de apoio, que já estava ansioso, pois havíamos demorado muito além do planejado, e precisávamos correr para acender a churrasqueira!

Na descida já fomos Imaginando e já projetando uma saída variante à direta, que possivelmente será a “Filho de Asgard” e esperamos que seja viável em livre, e quem sabe renderá mais um parênteses nessa história.
Mas a rota, apesar deste artificial final (que é tecnicamente fácil – A1), ficou muito interessante, com uma escalada consistente, sem platôs de mato ou vegetação.

Em resumo a “Martelo de Thor” é uma via bem vertical, exigindo certa constância dos escaladores, com alguns crux para temperar a rota, possibilitando a utilização de um set completo de “camalot’s” durante sua execução.

A primeira enfiada é um 7º com um crux mais técnico (tendo um IX “tecnera” ou A0, no terço inicial da cordada), a segunda enfiada é um 5sup divertido com muitas proteções móveis, a terceira cordada é um 6º com crux de 7b mais atlético, e a última tocada é um 6º com o final em curto A1 e corda bem esticada!

Assim sugerimos o grau da via como um 6ºVIIb (A0/XI) A1 E2/E3 D2. Sua duração é relativamente fluída, já que se desenrola em 4 cordadas, porém acredito que na média, e sem correria, deve se gastar em torno de 4 a 6 horas para sua repetição e apresenta rapel difícil, com duas cordas, após a P1, exigindo um leve grau de comprometimento, como outras boas trads do complexo do Baú!

Mais uma alternativa de escalada, que pode preencher metade do dia do pessoal da montanha!
Aqui não poderia deixar de agradecer a nossa equipe de apoio (duas esposas e seis crianças, de zero a nove anos) que escalou conosco e nos acompanhou por luneta, vibrou e participou de todas nossas investidas! Sem dúvida alguma achamos maravilhoso ser recebido pela mulher amada e família adorada no fim do dia, para conversar, brincar e confraternizar!

A melhor recompensa!!!

Por fim, não poderia deixar de dedicar um agradecimento a meu grande amigo, Anderson (Citron), que também é companheiro e parceiro de centenas de horas de escalada, conquistas, e presepadas, que me emprestou grande parte das ferramentas usadas nesta rota.

Valeu Alemão!!!

Em tempo, anoto que o caso do bolt foi comunicado ao fabricante, com remessa da parte da peça que quebrou e conseguimos recuperar no platô!

Esperamos o retorno para identificar o grave defeito!

Será acompanhado pelo nosso amigo e parceiro, André (Yoda), que é engenheiro e escalador.

Boas Escaladas!

São Bento do Sapucaí, 29 de março de 2014.
Luizão (Luiz A.C.Brinco)
Rubão (Rubens Antunes Filho)
Colaboração Daniel Cecco.

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