Filosofia souji: Por que temos de criar a cultura de limpar o magnésio da rocha?

Na copa do mundo de 2014 que aconteceu no Brasil, uma das notícias que mais chamaram a atenção de uma parte da mídia que cobria o evento, foi os turistas japoneses que limparam todo o lixo que levaram para o estádio.

Para os japoneses, é uma surpresa que as pessoas estejam surpresas pois, para elas, quem suja deve limpar. Este tipo de filosofia é normal no Japão.

A prática tem um nome: souji. Esta palavra japonesa tem vários significados, mas a que mais se aproxima é limpeza e varrição. O ritual segue o provérbio “não jogue terra no poço que te dá água”. Souji é uma filosofia, a qual é passada de geração para geração, sendo muito mais profunda do que uma simples prática nos estádios de futebol.

Para se ter uma ideia, nas escolas japonesas, as crianças realizam tarefas de limpeza em banheiros, varrerem o chão e lavam a louça. Tudo isso em um sistema de rodízio de tarefas, o qual é coordenado pelos professores. O objetivo desta prática é ensinar os estudantes a se importarem com os espaços públicos.

Mas e na escalada, estamos fazendo o souji? Que recolher o lixo nos locais de escalada, todos nós já sabemos que é uma obrigação moral de todo escalador. Aquele que ver alguém deixando o lixo, tem o dever moral de ensinar (de maneira didática) a pessoa a recolher o seu próprio lixo.

Mas existe atualmente uma realidade que muitos escaladores ignoram, ou, pelo menos, preferem não enxergar: as agarras impregnadas de magnésio.

Se o magnésio causa impacto ambiental, ainda não existem estudos conclusivos em número suficiente para concluir. Mas isso não deve servir de desculpas. Também deveria fazer parte da disciplina de todo escalador deixar limpo os locais de escalada, incluindo o magnésio da rocha.

Devemos deixar o orgulho de lado e começar a disciplinar as pessoas a não somente recolher o próprio lixo (orgânico e inorgânico), recolher nós mesmos algum lixo abandonado e, independente da autoria, limpar e escovar as agarras de escalada.

Por exemplo, em países como a República Tcheca, a Czech Mountain Leader Association (CMLA) se realizou uma votação na capital do país, sede da federação, em março de 2007 (mas em nova votação em 2009 liberou o uso).

Nesta votação ficou decidido a proibição total do uso de magnésio dentro dos locais de escaladas e nas fronteiras. O próprio Adam Ondra foi penalizado no mesmo ano, pelo uso de magnésio em um setor que já tinha implementado a proibição. Ondra foi multado em 10% de toda a ajuda que recebe da Federação Tcheca.

Mas este tipo de proibição não é exclusivo da República Tcheca. Lugares como Albarracín, tradicional local de boulder da Espanha, obriga aos praticantes da modalidade a minimização do uso de magnésio e a limpeza de todas as marcas de magnésio produzidas na sessão de escalada. No sudeste da Alemanha, mais precisamente em Sajonia (próximo à República Tcheca) a proibição de uso de magnésio também existe.

Indiscutivelmente, o carbonato de magnésio é importante para a escalada e para encadenar algumas vias. Quanto menor a agarra, mais necessário ele se torna. Porém, com o aumento significativo de escaladores no mundo inteiro, os locais de prática do esporte estão ficando cada vez mais impregnados de magnésio.

A questão de racionalizar o uso de magnésio e existir um hábito de limpeza no lugar, já está sendo encarado como de sobrevivência do próprio esporte.

Falar da importância do magnésio em vias de 9a francês (11c brasileiro) parece chover no molhado. Mas e as vias mais frequentadas dos lugares, como os 5º e 6º? Que são as vias que as agarras se desgastam e possuem uma verdadeira crosta de magnésio nas agarras. Vias que os escaladores locais sabem de cor, mas sequer se preocupam em limpá-las.

No final de segunda década do século XXI estamos enfrentando muitos dilemas. Dilemas como diminuir o plástico, descobrir novos lugares de escalada, criar novas rotas de trekking, tornar as atividades outdoor sustentáveis e, como está explícito no início do texto, limpar o magnésio das agarras de escalada.

Ensinar aos iniciantes a importância deste hábito e, claro, incorporá-lo em nossa própria cultura.

Existem muitos escaladores (as) que se autoproclamam xerifes e donos de vários locais de boulder e escalada. São estas pessoas, que, pelo menos em teoria, deveriam se preocupar com a preservação do lugar.

Portanto, o visual poluído de manchas brancas na rocha que, inclusive, acaba contaminando a escalada, é parte da “obrigação” destes autoproclamados xerifes e donos. Porém estes autoproclamados aspiram somente as glórias e a bajulação de outros praticantes, mas nunca buscam assumir a responsabilidade de limpeza, especialmente em se tratando de manchas de magnésio.

No Brasil, assim como na América Latina inteira, o uso de magnésio não é proibido. Não é ainda, pois a partir de um momento que algum proprietário de um local de escalada, algum biólogo xiita com influência política, ou um político mal-intencionado se incomodar, a escalada pode ficar proibida por pura e simplesmente poluição visual.

Pois, como afirmado no início do texto, não há estudos conclusivos a respeito da contaminação do magnésio. Esta ausência de provas, não prova a ausência. Portanto, quanto mais os escaladores se prevenirem de problemas com autoridades locais e proprietários, melhor.

Fazer a limpeza de uma agarra suja com magnésio é relativamente fácil. Todo escalador deve carregar consigo uma pequena escova. Esta escova, claro, não retira todo o magnésio de uma única vez.

Mas a partir do momento que todo e qualquer escalador escovar a agarra por pelo menos um minuto, logo ela estará sempre limpa (ou pelo menos com o mínimo). Existem várias marcas de produtos de escalada que vendem escovas com cerdas apropriadas para a limpeza de agarras, cabe ao escalador saber qual a mais adequada.

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