Macizo de la Jaula: As cordilheiras esquecidas dos Andes

Imagine uma cadeia de montanhas pouco explorada, com muitos cumes ainda virgens, vales sem indícios de presença humana e inúmeras possibilidades de abertura de novas rotas. Provavelmente, você imaginou algum local perdido nos confins do Himalaia, em um país asiático exótico ou na imensidão gelada da Antártida.

Mas se disséssemos que tais montanhas se encontram a menos de 100 km de uma das maiores cidades de um grande país ocidental? Parece mentira, mas tal região existe e se encontra próxima a Mendoza, na Argentina: o Macizo de la Jaula. Nesse artigo vamos dar continuidade à nossa série sobre as cordilheiras esquecidas, ou pouco conhecidas, dos Andes, falando um pouco sobre essa incrível região da alta montanha mendocina.

Quem já subiu o Cerro Plata ou o Cerro Vallecitos, ou pelo menos chegou ao Portezuelo del Viento, colo que separa essas duas montanhas, deve ter se surpreendido com a visão que se tem a oeste, olhando para o outro lado da Quebrada Vallecitos. Talvez a primeira imagem que chama a atenção é a silhueta do Aconcágua, que se mostra bem no fundo da paisagem com toda a grandeza de sua face sul.

Porém, aos poucos o visitante deve ter percebido que, entre o Cordón del Plata e o Aconcágua existe uma infinidade de outras montanhas desconhecidas, com umas torres de pedra exuberantes em primeiro plano e um profundo vale a seus pés. As torres fazem parte do Cordón del Peine e o vale profundo é a Quebrada de la Jaula, que separa o Cordón del Plata do Macizo de la Jaula, nome da cadeia de montanhas da qual o Cordón del Peine, e diversos outros grupos de montanhas, faz parte.

Foto: Marcelo Delvaux

Foto: Marcelo Delvaux

Mas como explicar que o Macizo de la Jaula tenha permanecido quase virgem por tanto tempo, apesar da proximidade de Mendoza e do popular Cordón del Plata? O difícil acesso ao maciço é a resposta mais óbvia. Para se chegar a uma montanha, ou a uma região montanhosa, o caminho natural é buscar algum vale ou quebrada, geralmente seguindo o curso de um rio em direção às suas nascentes, muitas vezes provenientes dos glaciares existentes em ambiente de alta montanha.

As quebradas que levam ao coração do Macizo de la Jaula se caracterizam pela presença de cânions e obstáculos naturais que impedem a passagem de mulas, o que desviou a atenção dos exploradores pioneiros para outras montanhas da região. No Aconcagua, por exemplo, tanto a Quebrada de Horcones, quanto a Quebrada de Vacas, são facilmente percorridas por animais de carga, permitindo o envio de equipamentos e suprimentos para os acampamentos-base situados na Plaza de Mulas (que não por casualidade tem esse nome) e na Plaza Argentina.

Foto: Marcelo Delvaux

Foto: Marcelo Delvaux

No Macizo de la Jaula é diferente, somente os guanacos, camelídeo andino bastante comum nos Andes mendocinos, conseguem transitar. Aliás, são justamente as trilhas abertas pelos guanacos, praticamente as únicas existentes nas quebradas e vales do maciço, as utilizadas pelos poucos montanhistas que visitam a região. E são trilhas difíceis, já que os guanacos são muito mais habilidosos para caminhar em terreno acidentado do que nós, passando facilmente por trechos instáveis e caminhos estreitos na beira de penhascos e abismos.

E toda a carga tem que ser transportada pelos próprios montanhistas, o que significa, pelo menos, 3 dias de aproximação para se chegar a alguma montanha e 2 dias para o retorno. Ou seja, um mínimo de 5 dias gastos em deslocamentos, fazendo com que uma expedição dure, no mínimo, 7 a 8 dias, dependendo da rota escolhida, sendo necessário carregar bastante peso para se ter a autonomia suficiente para se concretizar a ascensão planejada.

As principais portas de entrada para o Macizo de la Jaula são a Quebrada Colorada, a Quebrada de la Jaula e a Quebrada Fea. As duas primeiras são tributárias do rio Mendoza e o acesso é feito a partir da Ruta Nacional 7 que liga Mendoza ao Chile, entre Uspallata e Punta de Vacas. Já para entrar pela Quebrada Fea é preciso, primeiro, subir pela Quebrada do Rio Tupungato, em Punta de Vacas, até chegar ao ponto em que essa quebrada desemboca no rio Tupungato.

Foto: Marcelo Delvaux

Foto: Marcelo Delvaux

A outra alternativa é subir alguma quebrada mais acessível do Cordón del Plata e, depois, cruzar algum passo de montanha descendo até a Quebrada de la Jaula. Pela Quebrada de Vallecitos, a mais famosa e mais frequentada da região, existem duas possibilidades: o já mencionado Portezuelo del Viento, entre o Cerro Plata e o Cerro Vallecitos, e o Portezuelo Blanco, entre o Cerro Rincón e o Cerro Colorado.

Também não é uma tarefa nada fácil e quem conhece a rota normal do Cerro Plata pode imaginar o esforço que é levar todo o peso até o Portezuelo del Viento para, depois, descer aproximadamente 2.000 m até a Quebrada de la Jaula. E é um caminho sem volta, pois é quase impossível subir por onde se desce, devido à dificuldade do terreno inclinado e das pedras soltas. As outras duas únicas opções para se chegar ao Macizo de la Jaula a partir do Cordón del Plata são o Portezuelo del Nevero, ao sul do Cerro Plata, e o Portezuelo del Minero mais ao norte.

Foto: Marcelo Delvaux

Foto: Marcelo Delvaux

A Quebrada de la Jaula separa o Cordón del Plata do Macizo de la Jaula, sendo que esses dois maciços estão unidos ao sul, no final dessa quebrada, pelos Tres Mogotes, uma cadeia de montanhas onde se encontra o cume mais alto do Macizo de la Jaula, o mítico Nevado Excelsior (5.773 m), montanha que, apesar de ser a mais alta da região, conta com somente quatro ascensões conhecidas, o que da uma ideia das dificuldades e inacessibilidade dessa zona.

Outro exemplo é o Pico Bicentenario que, apesar de situar-se bem próximo da Ruta 7, conta com somente uma ascensão e só foi conquistado em 2010, ano em que se comemorou os 200 anos de independência da Argentina, por isso seu nome. Além de cumes virgens, o Macizo de la Jaula tem muitas montanhas com somente uma ou duas ascensões realizadas.

Foto: Marcelo Delvaux

Foto: Marcelo Delvaux

Além dos Tres Mogotes, o Macizo de la Jaula possui diversas outras cadeias de montanhas, como Enanos Blanco, Cordón de la Quebrada Colorada, Cordón Casa de Piedra, Cordón del Peine e Cordón Guamparitos. Uma curiosidade é a existência de vários picos com nomes poloneses ou que remetem à Polônia, como o Cerro Karpinsky (5.200 m), o Cerro Águila Blanca (5.250 m, uma referência à bandeira da Polônia), o Cerro Tatra (5.100 m, em homenagem à famosa cadeia de montanhas polonesa) e o cerro Giewont (5.000 m, nome de uma montanha dos Altos Tatras).

Marca da influência e importância que os poloneses tiveram no desenvolvimento do montanhismo argentino a partir da conquista do Cerro Mercedario (6.770 m), na província de San Juan, e da abertura da rota do Glaciar dos Polacos no Aconcagua, em 1934, expedições das quais o montanhista Adam Karpinsky fazia parte, tendo sido homenageado com seu nome sendo atribuído a um dos muitos cumes do maciço. Os poloneses, ou descendentes ligados ao CABA – Centro Andino Buenos Aires, participaram ativamente nas expedições pioneiras de exploração do Macizo de la Jaula.

Foto: Marcelo Delvaux

Foto: Marcelo Delvaux

Mendoza é famosa como sendo a província onde está localizada a mais alta montanha das Américas. O Macizo de la Jaula é uma demonstração de que os Andes mendocinos vão muito além do Aconcagua. Com diversas montanhas acima de 6.000 m, e inúmeros picos acima de 5.000 m, Mendoza é um dos centros de alta montanha mais importantes da América do Sul, abrigando regiões nas quais ainda é possível praticar um estilo de montanhismo onde exploração, experiência e autossuficiência são as palavras-chave.

Mas não é só o Macizo de la Jaula que reserva cumes virgens e novas rotas por abrir. A região de Mendoza apresenta diversas outras cadeias de montanha com características similares.

Porém, isso já é tema para um novo artigo! Até o próximo…

Marcelo_Delvaux_900x100PNG

There are 2 comments

Comente agora direto conosco

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.