Ainda incompreendido por uma parcela maciça do público brasileiro, e consequentemente por toda a mídia generalista (incluindo as revistas semi-falidas) o montanhismo ainda desperta muita curiosidade de todos. Este sentimento que desperta a admiração e, inevitavelmente, a criação de mitos a respeito das práticas de ir aventurar-se nas montanhas. Toda a técnica e prática de montanhismo parece óbvio para um praticante ativo, mas que parece ainda intangível e incompreensível para grande parte do público em geral.
Por conta deste vácuo cultural alguns publicitários aproveitaram para criar o que hoje é conhecido como o “montanhismo de palco” (o primo hippie do empreendedor de palco), que nos últimos 10 anos acabou por inflar de adjetivos superlativos absolutos sintéticos a ascensão de montanhas de dificuldade mediana. A partir deste uso maquiavélico da retórica, e da colocação estratégica das palavras, algumas “marcas” foram criadas. Dentre estas franquias está a dos seven summits que enfeitam conquistas tão vazias quanto curriculum e preparação das pessoas que a perseguem.
Com isso outros picos ganharam adjetivos para justificar para os leigos o fato de ir praticar o montanhismo e invariavelmente impulsionado pelo corporativismo entre jornalistas qualquer lugar tornou-se “o teto do continente”, “o extratovulcão nevado”, e outros rótulos igualmente vazios para que a vaidade pessoal fossa satisfeita.
O livro “Aventura no Topo da África”, do jornalista Airton Ortiz, é mais uma narrativa de um deslumbrado a respeito do montanhismo do que, de fato, um relato técnico e descritivo sobre uma montanha. A obra funciona mais como um diário de viagem (muito bem escrito, diga-se) do que realmente uma história que interesse a um montanhista.
Utilizando a boa escrita, a qual é característica de sua profissão, a cada capítulo o livro vai causando questionamentos do leitor, especialmente em quem pratica montanhismo como estilo de vida e não como uma desculpa para criar obras literárias ou inflar currículos. Inegavelmente o bom humor e ironia adotados na narrativa da história torna a leitura da obra fluida e digerível. Porém do ponto de vista de literatura de montanha é uma obra que dificilmente constaria como leitura obrigatória para quem planeja conhecer a montanha mais alta da África.
Porém do ponto de vista literário é interessante ver o montanhismo bem escrito, mesmo sem muita profundidade. A um certo ponto a sensação de que está lendo uma reportagem pasteurizada, e que passou por diversos editores leigos, é inegável. Notoriamente o escritor buscou fazer uma obra para que jornalistas a lessem e não propriamente montanhistas e pessoas não eruditas.
Ao final do livro fica evidente que o aprendizado espiritual de Ortiz foi imenso, mas o desejo de profundar-se tecnicamente e mergulhar no estilo de vida de um montanhista de verdade não. A estrutura narrativa (buscando sempre trazer insistentemente a “superação” de algo) lembra muito as vazias obras brasileiras, especialmente dos “montanhistas de palco”, a respeito do montanhismo brasileiro.
Ficha Técnica
- Título: Aventura no Topo da África
- Autor : Airton Ortiz
- Edição: 1ª
- Ano: 1999
- Número de páginas: 240
- Editora: Editora Record
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.