“Leave No Trace”: A história do princípio ético de atividades outdoor e seus significados

Quem começa a praticar atividades ao ar livre, esportes de natureza e turismo ecológico, já deve ter ouvido falar sobre o “Leave No Trace”. Este lema, na verdade, é um conjunto normas éticas que promove a conservação da natureza e permite, ao menos em teoria, que os lugares estejam preparados para receber pessoas e recuperar-se delas.

Esses princípios foram adaptados a diferentes atividades, ecossistemas e ambientes. Teoricamente a ética, ou filosofia moral é o conjunto de valores morais de um grupo ou indivíduo.

A ética no universo outdoor

Para atestar que dentre os praticantes de atividades outdoor, sobretudo no Brasil, o conceito do que é ético, ou não, passa muito pela construção do caráter. Observando o comportamento de todo esse universo durante a pandemia da COVID-19, com escaladores furando quarentena para escalar em outro estado, ou mesmo praticantes de trekking ainda insistindo em fazer fogueira durante a sua atividade, é fácil constatar que há uma falha de educação grave entre estas pessoas.

A ética é intrinsecamente relacionada à definição da moralidade, ao questionamento e julgamento sobre quais são os bons e maus valores no relacionamento humano. Ser ético, no fim das contas, é agir bem, buscando fazer o certo, não se desvirtuando e não causando prejuízo a outrem.

Para podermos começar a pensar no que é ser ético, basta que nos atentemos para as nossas ações e o impacto delas no meio. Portanto, principalmente no universo outdoor, todo e qualquer praticante deve refletir:

  • A minha ação prejudica outras pessoas?
  • A minha ação prejudica o coletivo em detrimento do meu lado individual e pessoal?
  • A minha ação é correta em relação às normas locais?

A história do “Leave No Trace”

Para quem acha que o conjunto de princípios éticos com relação à natureza, se engana. Ele foi consolidado como uma convenção desde o final da Segunda Grande Guerra mundial (1939 a 1945).

Em meados do século XX, houve uma mudança cultural na ética no contato com a natureza, especialmente por causa do artesanato em madeira, onde os viajantes se orgulhavam de sua capacidade de confiar nos recursos naturais para uma ética pós Segunda Guerra Mundial de impacto mínimo ao meio ambiente.

Portanto, o “Leave No Trace” começou nas décadas de 1960 e 1970. O que impulsionou a criação deste princípio ético foi o grande aumento de visitações de praticantes de trekking em áreas naturais do EUA, a partir do desenvolvimento e criação de novos equipamentos outdoor, como fogareiros a gás, barracas sintéticas e sacos de de dormir.

Mas por que isso aconteceu juto nos EUA? Porque para os EUA, o período do pós Segunda Guerra Mundial foi um de paz e prosperidade. Os norte-americanos usaram o dinheiro que haviam economizado durante a Segunda Guerra Mundial para adquirir bens de consumo que não estavam disponíveis durante o conflito. A Europa, durante um longo período, se concentrou mais em reconstruir-se.

Como nos EUA havia paz, dinheiro e toda uma geração de pessoas ávidas em aproveitar a vida, começou um interesse comercial em recreação outdoor, que por sua vez impulsionou mais visitantes aos parques nacionais norte-americanos. Nestas décadas, o United States Forest Service, o Bureau of Land Management e o National Park Service começaram a ensinar aos visitantes de caravanismo como ter um impacto mínimo.

Os especialistas em informação da “região selvagem” dos EUA foram treinados para educar os visitantes sobre acampamentos de impacto mínimo nos diferentes parques do país. Em 1987, os três departamentos desenvolveram cooperativamente um panfleto intitulado “Leave No Trace Land Ethics”.

Também na década de 1970, grupos como o Sierra Club defendiam técnicas de acampamento de mínimo impacto. Os escoteiros dos EUA defendiam ativamente o treinamento e a implementação dos princípios de ética outdoor e não deixar vestígios no início dos anos 1970, em locais como o Rancho Philmont Scout.

Um programa piloto, na década de 1980, entre o Boy Scouts of America e o Bureau of Land Management no High Uintas Wilderness, tentou atingir um grande público.

O programa nacional de educação do “Leave No Trace” foi desenvolvido em 1990 pelo United States Forest Service em conjunto com a National Outdoor Leadership School (NOLS). Na época, o United States Forest Service também criou outros programas, como Smokey Bear, Woodsy Owl e o Tread Lightly (programa voltado para o caravanismo).

O Bureau of Land Management ingressou no programa “Leave No Trace” em 1993, seguido pelo National Park Service e US Fish and Wildlife Service em 1994.

Os 7 princípios e práticas recomendadas

  • Princípio 1 – Planeje com antecedência e prepare-se para sua atividade

Pode até parecer um dado aleatório, mas não o ignore. Este primeiro princípio é muito direto. Para simplificar, saiba no que você está se metendo!

Pesquise para onde está indo, conheça as regras e os regulamentos e prepare-se para o clima. É mais fácil estar mais consciente do meio ambiente quando você sabe exatamente o que está fazendo, permitindo que você seja mais inteligente.

Portanto, coloque sua inteligência para funcionar e faça a si mesmo as seguintes perguntas

    • Quando você vai e com quantas pessoas?
      • Quando possível, tente evitar áreas de uso intenso ou horários de pico de tráfego, como finais de semana e feriados.
      • Se você estiver viajando com um grupo, quanto menor, melhor.
    • Que tipo de equipamento e roupa você precisa?
    • Você precisa se preparar para clima ou terrenos extremos?
    • Onde você está viajando e quais são as regras e regulamentos?
    • Existem limites de terras particulares?
    • Qual é o nível de habilidade ou conforto de todos os membros do seu grupo?
      • Planeje suas atividades de viagem para acomodar as habilidades de todos.
  • Princípio 2 – Viaje e acampe em superfícies que se recuperem

É importante estar consciente de onde você está pisando. Somente ande por trilhas demarcadas. Não tente, nem invente, de sair abrindo seu próprio caminho (este tipo de atitude desrespeita a natureza, a propriedade particular e as terras públicas).

Abstenha-se de acampar ou pisar em terrenos mais delicados, como vegetação, solo vivo e poças e poças de lama. E certifique-se de acampar a pelo menos 60 metros de distância da água.

  • Princípio 3 – Descarte os resíduos adequadamente

Na maioria das vezes, o acúmulo de resíduos é inevitável. Portanto, é importante saber a maneira correta de descartar tudo, do lixo comum ao lixo humano, para tornar possível o menor impacto possível na Terra (sim, no planeta).

Aqui estão alguns lembretes e dicas sobre como lidar com o lixo:

    • Se você pode embalá-lo, você deve embalá-lo
    • Verifique tudo ao seu redor em busca de restos de lixo, comida, lixo, etc. Fique atento ao micro-lixo, como os cantos cortados dos pacotes de molho, embalagens pequenas ou diversos pedaços pequenos de plásticos. A regra geral é tentar deixar o local mais limpo do que você o encontrou.
    • Descarte o lixo humano adequadamente. Se não houver banheiros, você precisará cavar um buraco. Certifique-se de cavar sua catolé de 20 a 15 cm de profundidade, 10 a 15 cm de diâmetro e pelo menos 50 metros de distância derios e lagos. Cubra o buraco quando terminar. Algumas áreas podem exigir que você remova o lixo humano, portanto, esteja ciente dos regulamentos. Papel higiênico e outros produtos de banho devem ser embalados e levados com vc.
    • Use sabão biodegradável quando estiver lavando qualquer coisa, inclusive você. Você deve levar a água usada na limpesa a 50 metros de distância do riacho ou lago.
  • Princípio 4 – Deixe o que você encontrar

Pode ser tentador coletar lembranças em suas aventuras. Muitas pessoas pensam que pegar algumas flores ou pedras não fará mal algum. Mas vivemos em um país com 200 milhões de pessoas. Nos parques nacionais do Brasil, há quase 1 milhão de visitas por ano.

Portanto, não é só você. Se fosse apenas você, poderia estar certo o raciocínio, mas se todas as pessoas decidem apenas “levar algumas” lembranças, o impacto se torna muito maior.

Examine, aprecie, tire uma foto e siga seu caminho.

  • Princípio 5 – Não faça da fogueira

Muito justificado por pessoas de horizonte curto, sem educação técnica de trekking adequada, além de querer inexplicavelmente imitar filmes de hollywoodianos de baixa qualidade, algumas pessoas insistem em fazer fogueiras em locais naturais no Brasil.

Apesar da prática ser extensivamente aplicada nos EUA e Argentina, a mesma é feita com várias medidas de segurança. Além disso, muitas destes lugars possuem áreas específicas para realizar fogueiras. Portanto, não é qualquer lugar e também não é realizado de qualquer jeito.

Mas no Brasil, local com clima bem seco e ventos no Inverno e ausênncia de neve nas montanhas, a prática de fogueiras é inviável. Pode parecer injusto, mas é a vida.

Além disso, procure também a não permitir que façam fogo por onde voce estiver. Procure também denunciar qualquer pessoa que voce saiba que realizou fogo próximo a você. Denunciando quem desrespeita também faz parte das boas práticas para conversar a natureza.

  • Princípio 6 – Respeite a vida selvagem

O leitor mais atento irá reparar que este princípio reitera o número 4: Deixe o que encontrar e respeite a natureza ao seu redor. Observe a vida selvagem a uma distância segura e não perturbe os animais.

Faça o seu melhor para manter um mínimo de 100 metros de todo o tipo de animal selvagem, especialmente os grandes, como onças, raposas, tamanduás, emas e jaguatiricas. Mas os animais menores, como capivaras e esquilos a pelo menos 25 metros.

Viaje tranquilamente e não procure se aproximar de nenhum animal que encontrar. Lembre-se, você é o visitante em sua casa.

  • Princípio 7 – Seja atencioso e respeitoso com outros visitantes

Enquanto estiver viajando, lembre-se de que outras pessoas estão fazendo o mesmo que você. Não faça nada que você não gostaria que alguém fizesse com você. Não pense em fazer algo, somente porque você gosta, como por exemplo colocar música álta, gritar no penhasco e outras atividades que denotam despreparo para o convívio social.

Lembre-se: se você não sabe se comportar de maneira civilizada na cidade, sendo alvo de reclamações de todos, incluindo seus familiares, não invente de ir ao ambiente outdoor. Por não saber viver em sociedade, muito provavelmente não saberá conviver com a natureza. Portanto, se não sabe viver em sociedade, procure um psicólogo antes de procurar ir à natureza.

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