Cordada 100% feminina e latino-americana faz primeira ascensão da via “The Nose” em Yosemite

As escaladoras equatorianas Andrea Castillo, Paola Bravo e Damaris Jaramillo escalaram a via “The Nose”, em Yosemite (EUA), realizando assim a primeira ascensão feminina latino-americana da tradicional via. A confirmação de serem as primeiras mulheres latino-americanas a escalar a via foi feita ao longo dos meses depois da ascensão.

A via “The Nose” foi conquistada em 1958 em escalada artificial e levou 12 dias para ser concluída. A primeira ascensão totalmente em livre da “The Nose” aconteceu em 1993 pela escaladora norte-americana Lynn Hill. Hill regressou no ano seguinte para fazer a mesma escalada em somente um dia. Toda a história da ascensão de Lynn Hill, assim como a única entrevista da escaladora para um veículo brasileiro, você pode ler em artigo completo na Revista Blog de Escalada.

Logo após a conquista das escaladoras equatorianas, a Revista Blog de Escalada foi procurada para publicar com exclusividade para todo Brasil o relato de toda a escalada. Abaixo está o relato enviado pela escaladora equatoriana Andrea Castillo, diretora da ONG Latitud Cero Climbing.

Castillo enviou o texto após extensa pesquisa que comprovasse a conquista. Até o momento, não houve relatos de que uma cordada 100% feminina, formada exclusivamente por latino-americanas, tenha escalado a “The Nose”, em Yosemite.

Por Andrea Castillo

Foto: Cortesia Andre Castillo

Em 22 de setembro de 2012 me acidentei na base do Pico Villavicencio, na montanha Iliniza Norte, no Equador. Tive fratura no quadril esquerdo, poli traumatismos, hematomas e rompimentos musculares na minha perna esquerda. Além de vários traumas psicológicos. Este acidente me obrigou a parar de escalar. Estive em repouso por vários meses, para recuperar-me. Passava o tempo vendo vídeos de escalada e lendo livros sobre o Vale de Yosemite.

Entre estes livros estava “Climbing Free ” de Lynn Hill, que é a pessoa que mais admiro no mundo da escalada por suas incríveis conquistas há muito tempo. O livro começa com o acidente que Hill teve escalando e me fez sentir identificada com o que passou. Neste ponto pensei “bom Andrea, se recuperar-se bem desta, acredito que pode escalar o ‘The Nose'”. Além disso, disse a mim mesma que quando escalar um 7a+ francês (8a brasileiro), que era minha zona de conforto, acredito que estaria pronta para escalar o “The Nose”, no El Capitán.

Me recuperei muito bem. Inclusive estava escalando melhor que antes, ainda que tenha perdido bastante flexibilidade. Passaram-se muitos anos dede a primeira vez que escalei comodamente um 7a+ francês (8a brasileiro) e a ideia de escalar o El Capitan não era sequer considerada nos meus planos.

Até que em março de 2017 comecei a ativar eventos de escalada com o Latitud Cero Climbing, entre eles o Festival Femenino Warmikuna RockFest – San Juan 2018. Já tinha passado mais de um ano desde o último projeto de escalada que realizei com María Fernanda Cevallos e Levitar Media House, batizado de Climbing RockTrip – Ecuador.

Senti que era o momento de ativar um novo projeto feminino que motivasse a comunidade de escaladoras e reunir suas capacidades e forças para empreender mais um projeto de escalada em grandes paredes. Depois de uma viagem que fiz sozinha pela América Latina, enquanto escalava “La Esfinge”, no Peru, voltaram os sonhos de grandes paredes.

A idéia era fazer a primeira ascensão com cordada 100% de mulheres no El Capitan.

Como se formou a cordada 100% feminina?

Foto: Cortesia Andre Castillo

De início, foi difícil encontrar pessoas que topassem o desafio. Até que um dia me escreveram as garotas Paola Bravo e Damaris Jamarillo, me relatando de seu projeto Nanax Warni, onde iriam escalar a via “Karma de Cóndores”, na Cordilheira Blanca, e que seria a primeira ascensão de uma cordada feminina latino-americana. Fiquei muito feliz por saber do projeto e as apoiei colocando em contato com minha amiga argentina Luly, que vive em Huaraz e é a dona de Andean Kingdon e Campo Base.

Falei a mim mesma que se estas mulheres fortes conseguissem o desafio, poderia ser uma boa ideia falar sobre o El Capitan. Para isso, escalei com Damaris Jaramillo um tempo em Quito e quando ela voltou dos estudos nos EUA, propus de escalarmos o ElCapitán na via “TheNose”. Jaramillo me disse “este é um senhor desafio, eu vou! Mas quero que venha Paolita”.

E foi assim, por meio de chamadas em vídeo enquanto viajava pela patagônia, que nos comunicávamos para falar da logística do desafio.

Foto: Cortesia Andre Castillo

Depois tive a oportunidade de conversar deste projeto com Afuera Producciones, que adoraram a ideia de poder subir novamente em Yosemite. Mas desta vez estariam como equipe de produção de um documentário, que seria apresentado no Festival de Cine de Aventura de Equador.

À equipe de filmagem se somaram Claudia Molestina (câmera) e Cristian Llivicura, escalador de Cuenca que em 2017 escalou a via “The Nose”. A equipe estava se formando e na ocasião apareceu um EUA RockTrip com sete escaladores equatorianos em Yosemite. Assim, a viagem foi estabelecida para o mês de abril de 2019. As marcas Petzl Equador, Equador Direct Travel e Fixus se juntaram ao projeto e começou a faze de treinamento.

Eu estava viajando pela patagônia, treinando bastante em rocha em escaladas tradicionais, artificiais e em grandes paredes. Tive o prazer de conhecer lugares maravilhosos como Cerro Castillo, Torres del Paine, Cochamó, Chaltén, entre muitíssimos de outros lugares e países que passei como: Peru, Colombia, Mexico, Chile, Argentina e EUA.

Eu sabia que para eu estacar a parede de Yosemite, era um desafio em todos os sentidos: físico e mental. Sabia que deveria sair bastante de minha zona de conforto para poder enfrentar a “The Nose”. Deveria estar preparada para escalar rápido e ser eficiente. Já tenho bastante experiência em grandes paredes, o que me deu muito aprendizado. Amo cada uma das minhas companheiras de cordadas por compartilhar esta escalada épica, na qual aprendemos o quão é valiosa é a vida.

Foto: Cortesia Andre Castillo

Paola Bravo, de 24 anos, vive em Cuenca e Damaris Jaramillo, 22 anos, vive em Quito. As meninas se organizaram para poder escalar entre elas e treinar para o desafio. Entretanto, nunca aconteceu de escalarmos as três juntas. A todas as três estavam preocupadas com isso, pois não sabíamos se iríamos nos dar bem. Isso não se sabe a não ser com a convivência. Para saber, passamos três semanas em Yosemite.

No planejamento do projeto constava duas semanas de treinamento juntas e uma semana de escaladas no “The Nose”. Por isso decidimos ir em Abril de 2019, porque tive a oportunidade de viajar em setembro de 2018 com um amigo chileno chamado Diego Figueroa. Com ele escalei o Half Dome na via “Snake Dance”, graduada como 5.11d norte-americano (7c brasileiro), e “Snake Dike”, graduada como 5.8 norte-americano (4°sup brasileiro).

Minha primeira visita ao Vale de Yosemite me fez perceber que a escalada no “The Nose” em outono não é boa ideia. Especialmente se queremos fazer um vídeo de boa qualidade. Pois existem muitas cordadas na parede. Além disso eu preferia ir na primavera, porque é uma época que não há muitos escaladores na parede. Graças ao universo, foi assim mesmo.

Houve dias chuvosos que nos faziam desmotivar. Houve cordadas que tentaram subir a via antes que nós e desceram porque a parede ainda estava muito molhada. O inverno tinha sido longo e no cume ainda tinha neve que se derretia com o sol da primavera molhando toda a parede. Entretanto, o Vale de Yosemite é tão grande que existem lugares que não estavam molhados e que nos permitia treinar juntas.

Tivemos muita conexão entre todas as três. Éramos um grupo muito completo e cada uma cumpria um papel que não poderia ser substituída por ninguém. Isso porque as três se completavam de uma forma muito harmônica e isso influenciou nas decisões que tomamos na parede e no cume que conseguimos chegar.

Escalando o “The Nose”

Foto: Cortesia Andre Castillo

Antes de escalar a “The Nose”, também escalamos em livre a “Midle Cathedral”, pela via “North Butress”, graduada em 5.10d norte-americano (6° sup brasileiro) e com 11 enfiadas. No próprio mês de abril foi meu aniversário de 29 anos de idade. Foi muito lindo celebra-lo com as meninas e escalando em Yosemite. Os dias de treinamento no Vale eram muito produtivos e cada vez mais íamos percebendo como nos entendíamos bem como cordada. Estávamos fortes fisicamente e mentalmente.

Porém nos concentramos muito em escalar e deixamos de lado a prática de jumarear e puxar o haulbag. Ou seja, subir materiais e a nós mesmas pelas cordas fixas na parede. isso nos gerou um atraso no dia programado para tentar escalar no “The Nose”. Por isso, decidimos que em vez de escalar a via em quatro dias, seriam em seis.

Foto: Cortesia Andre Castillo

Em uma quinta-feira, 18 de abril de 2019, decidimos escalar as três primeiras enfiadas e fixar cordas. Descemos e dormimos na base da parede. Nesta noite animais silvestres roubaram nossa comida. Saímos de madrugada, subindo pelas cordas fixas, até a terceira enfiada para aprender as manobras.

Paola Braco foi maravilhosa, porque seu conhecimento em manobras verticais que aprendeu na Asociación Ecuatoriana de Guías de Montaña (ASEGUIM) ajudou muitas vezes e conseguimos progredir na parede; A primeira noite na parede dormimos em “Dolt Tower”, um pequeno platô incômodo.

Houve alguns percalços na ascensão, como a falta de comida e água (subimos com 25 litros), porque demoramos mais dias do que esperávamos. No segundo dia, não chegamos a dormir no Camp 4 e dormimos depois do “Lynn Hill traverse” penduradas na parede. pensei que não poderia dormir, mas as três dormiram bem. Eu, inclusive, sonhei.

No terceiro dia dormimos no Camp V. No quarto dia dormimos em um bivac muito cômodo. Foram no total seis dias: quatro dias na parede escalando, um dia para fixar as cordas e um dia para descer caminhando e rapelando do El Capitán.

Foto: Cortesia Andre Castillo

Entre as três garotas que faziam parte da cordada, todas tivemos boa comunicação. Falávamos entre nós coisas claras e sabíamos o que passava na relação e na convivência nos dias de escalada. para subir o “the nose” tínhamos estabelecido a estratégia de que cada uma escalaria uma enfiada.

Começou por mim, depois iria Damaris e depois Paola. A partir desta ordem, repetiríamos a escalada durante as 28 enfiadas que possui a via. Um total de 914 metros, com dificuldade graduada desde 5.14a (se escalado em livre), ou VI 5.8 C2 em artificial.

Entretanto, o terceiro dia era crítica a situação de comida e água. Estávamos bem em teoria, mas não podíamos ficar mais nenhum dia na parede sem comida. Acabaríamos passando mal. Então decidimos escalar super-rápido e chegar como fosse ao cume. Já tínhamos atravessado três partes complicadas da via:

  1. Texas Flake, enfiada 13, 5.8 R. Sem proteção, pois havia somente uma chapeleta. Escalada em livre por Andrea Castillo. Não pode cair, pois é muito perigoso.
  2. King Swing, enfiada 15, pêndulo no qual Paola Bravo corre horizontalmente na parede para conectar-se à via
  3. Big Roof, enfiada 19. 5.13c. Escalando em artificial por Damaris Jaramillo

Porém, faltava a enfiada mais difícil: Changing Corners 5.14a norte-americano que foi escalada em artificial e tradicional por Paola Bravo, em um tempo incrível de 1h10min.

Foto: Cortesia Andre Castillo

Neste dia decidimos que a estratégia seria diferente. Íamos escalar em bloco, já que havíamos treinado este tipo de estratégia em “Voyager”, uma via que escalamos em Fifi Butress e nos saímos muito bem. A estratégia consiste de que cada uma escala duas enfiadas. Ou seja, começou Damaris de madrugada escalando uma enfiada, subíamos Paola e eu por cordas fixas, depois continuava Damaris outra cordada mais. Depois ia Paola na ChangingCorners e a cordada 25. Depois fui eu nos largos 26 e 27.

Finalmente Damaris escalou a enfiada final que sai no cume. Fizemos cume no dia 22 de abril de 2019 ás 23:30. Nessa dia comemos entre as três uma maçã com aveia, meia tortilla com atún cada ma, meia barrinha e uma cenoura. Isso graças a quem deixou esta latinha de comida no cime. Sei que não está em deixar coisasna montanha, mas nos salvou da fome.

Dormimos em um delicioso bivac no cume e descemos no dia seguinte caminhando por uma parte muito exposta. Quando chegamos ao Camp 4 no Vale de Yosemite, estávamos muito felizes de ter escalado toda a parede e nunca ter pensado em descer. Nunca pensamos que não poderíamos, pois empre fomos positivas e com boa atitude. Isso foi o mais importante para ter uma relação saudável com a cordada na escalada, especialmente em situações que tem fome, frio e cançasso.

Agradecimentos

Foto: Cortesia Andre Castillo

Queria agradecer a nosso time: Daniel Carrión “El Bagre, José Cobo, Claudia Molestina e Chiristian Llivicura por ter nos acompanhado estes dias na parede. Nós estávamos em uma cordada independente deles, mas sempre estavam lá gravando nas enfiadas mais críticas. Suas palavras de apoio nos ajudaram a ter mais força.

Parabéns a Claudia Molestina por subir o “the Nose” pela primeira vez, subindo de top hope nas cordas fixas e nos gravando.

Paola Bravo e Damaris Jaramillo, queria agradecê-las por ser tão bom uma equipe de mulhere e não poderia estar mais feliz com o resultado. Isso porque ahra virão mais aventuras com o time.

Obrigada vida.

Foto: Cortesia Andre Castillo

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