K2: 145 montanhistas no topo em um único dia – Montante é metade do que em toda a história

No montanhismo a prática turística para exploração de fama efêmera criou o termo “Everestização” para locais de montanhismo e locais icônicos. O Monte Everest (8.848 m) tornou-se destino obrigatório endinheirados “alpinistas sociais” que usam o montanhismo como trampolim para carreira de palestrante motivacional de vendedores desmotivados e sem perspectiva de carreira.

Muitos destes pseudo-palestrantes (e montanhistas) podem ser vistos em programas de qualidade discutível em canais a cabo que dizem se dedicar a esportes outdoor. Este ano de 2022 o mundo assiste calado ao movimento dos sherpas do Nepal moverem o citado modelo de negócios do Monte Everest para a segunda montanha mais alta do planeta, o K2 (8.611 m).

Ao menos no montanhismo (diferentemente do mundo do marketing) todos sabem que a dificuldade de subir o Monte Everest não é a mesma que o K2. Até mesmo o nome da montanha, K2, que não é no idioma nativo da região, deu-se por esta diferença de dificuldade de subida e acesso.

Localizado na cordilheira do Karakoram, o K2 possui uma seção técnica, severa e perigosa conhecida como “bottleneck” (gargalo em português) que, desde sua conquista em 1954 era temida por montanhistas experientes e consagrados (incluindo o maior de todos os tempos Reinhold Messner). Portanto, até bem pouco tempo atrás, somente montanhistas profissionais tinham verdadeira capacidade de enfrentar o K2, relegando os “turistas montanhistas” a fazer fila no Monte Everest (muitas vezes rebocado montanha acima com direito a lambida no olho).

Isso não é uma lenda, mas sim um fato. Fato este que pode ser conferido no Himalayan Database, que o Monte Everest teve 10.658 cumes confirmados enquanto o K2 apenas 377 até 21 de fevereiro de 2021. Entretanto, algo mudou (para pior) desde que foi denunciado aqui mesmo na Revista Blog de Escalada o processo de “everestização” do K2.

É justamente no bottleneck que pode estar sendo armada uma espécie de bomba relógio para uma tragédia.

A “Everestização” do K2

A história do montanhismo no K2 foi alterada quando uma equipe de 10 nepaleses assinou sua primeira ascensão de inverno, em janeiro de 2021. Na época, as equipes Nirmal Purja e Mingma G uniram forças: eles não estavam apenas procurando um lugar na história, mas também uma expansão de seus negócios.

Para isso copiaram a tática do Everest: grande quantidade de material e trabalhadores sherpas altamente qualificados para garantir cordas fixas no topo e, principalmente, no bottleneck, a citada seção que abre ou fecha as portas para a chegada ao topo. O que antes era considerado uma montanha para montanhistas profissionais e relegado ao montanhismo autônomo foi substituído, em sua rota normal, tornando a temida montanha em uma cópia do Monte Everest.

Assim, este ano é possível ver Purja e Mingma G subindo o K2, levando pela mão um considerável número de clientes. Nas suas redes sociais, Nirmal Purja mostra com orgulho que colocou 33 dos seus clientes no topo em um mesmo dia.

Neste semestre de 2022 já existem filas para acessar o cume a segunda montanha mais alta do mundo, causando uma enxurrada de cumes nunca antes vistos na história: 145 em um único dia. Pode parecer pouco, mas este número representa nada menos que o mesmo montante que aconteceu entre 1954 e 1996 na mesma montanha.

A “Everestização” criou a já conhecida fila para chegar ao topo do K2, mas, segundo relatos de veículos como o site explorersweb, ela está no pior lugar possível: uma passagem estreita e vertical dominada por um serac pendurado (enorme massa de gelo) que a qualquer momento pode desabar pelo peso excessivo ao longo dos dias.

É como ficar na fila para comprar pão debaixo de um edifício com problemas em sua estrutura. Lembrando que a passagem conhecida como bottleneck (que significa gargalo em português) sempre houve avalanches, quedas de gelo, cordas cortadas enquanto montanhistas comemoravam o cume, etc…

O vídeo no topo do artigo é do sherpa Mingma G, que “denuncia” a situação (apesar dele mesmo fazer parte do processo de “Everestização”) com imagens coletadas em 22 de julho, mesmo dia em que 145 pessoas chegaram ao ponto culminante do K2.

Para reduzir a dificuldade da montanha, interesses comerciais, relatórios meteorológicos confiáveis, quilômetros de cordas fixas, centenas de garrafas de oxigênio e um grande número de sherpas nepaleses foram implementadas na região.

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