A história dos ginásios de escalada: como nasceu a modalidade indoor

Se alguém pretende evoluir na escalada, esportivamente falando, é imprescindível que treine duro. Não há fórmula mágica. Até mesmo os “tocados por Deus”, se confiarem somente nas habilidades natas que possuem, não vão progredir no esporte. Há cerca de 15 ou 20 anos atrás, muitos praticantes acreditavam que somente estar sempre escalando na rocha, bastaria para uma evolução.

Com o passar do tempo, os ginásios de escalada começaram a se multiplicar pelo mundo e este pensamento acabou sendo esquecido. Neles, vários escaladores treinaram e encontraram a evolução de maneira bem rápida. A própria evolução do grau máximo de escalada esportiva e boulder encadenado evoluiu muito, graças aos ginásios e academias de escalada.

Popularidade das academias

Ao contrário do que alardeiam os maus administradores, uma academia ou ginásio de escalada não é um empreendimento deficitário. Mas, como qualquer estabelecimento comercial existente no mundo, a longevidade e sucesso empresarial estão ligados diretamente às habilidades gerenciais de quem dirige o negócio. Nem mesmo o negócio mais lucrativo do mundo resiste a uma administração desastrosa, pois quando for mal administrado acabará por fechar as portas e decretar falência.

Por isso, a cada dia, mais empresários vislumbram que um ginásio de escalada é uma boa oportunidade de investimento. Uma prova disso está no crescimento acentuado deste tipo de negócio no mundo inteiro, incluindo no Brasil.

Somente no Brasil, que faz parte de nossa realidade, foram abertos cinco novos ginásios de escalada em 2017. No início de 2018, em Belo Horizonte inaugurou um novo espaço, em São Paulo inaugurou um após dez anos e se prepara para outro até o final do ano. Muito deste crescimento é devido ao interesse pelo esporte, impulsionado pela inclusão da escalada nas Olimpíadas de Tóquio em 2020.

Foto:: http://www.thegoodlifedenver.com/

Segundo o último levantamento feito pela associação das academias de escaladas dos EUA, existem aproximadamente 4,5 milhões de escaladores em todo país. No total, os EUA possuem 311,6 milhões de habitantes. No Brasil não há este tipo de levantamento, mas praticamente todas as capitais das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste possuem ginásios de escalada. O que leva a crer que o número de escaladores em terras brasileiras tenda a ser proporcionalmente igual ao dos EUA.

Ainda de acordo com a associação norte-americana, aproximadamente 1.000 pessoas dão entrada em um ginásio de escalada nos EUA, todos os dias. Até mesmo no tradicional jornal americano The New York Times, a escalada e os estabelecimentos de escalada foram destaques em suas reportagens nos últimos dois anos.

A origem

Foto da parede de Leeds

O objetivo de um ginásio ou academia de escalada é simples: permitir que seus frequentadores possam treinar suas habilidades no esporte. Portanto, socialmente falando, onde há um escalador inquieto porque não consegue escalar, há potencial para um ginásio a ser aberto.

Para um estabelecimento ser um ginásio de escalada, necessariamente tem de haver um muro. Portanto a história das academias de escalada passam pela história do muro. Na história, os primeiros muros de escalada que se tem notícia, eram aproveitando superfícies de concreto de médio porte. Nelas eram colocadas pedras que podiam ser seguradas em diversas posições. Muitos creditam que a primeira parede de escalada da história foi montada nos EUA em 1939 na cidade de Seattle. Na verdade a estrutura erguida neste ano não foi criada para este princípio, mas convertida a isso ao longo do tempo.

Detalhe das agarras da The Leeds University Climbing Wall

Portanto, historicamente falando, a primeira estrutura de parede de artificial para a escalada no mundo, foi construída em 1960 na The Ullswater School in Penrith, na Inglaterra. A parede foi construída no então novo ginásio de escalada e usava tijolos e pedras para as agarras de pé e mão. A estrutura possuía uma barra no topo do muro, para treinamento em top-rope.

Entretanto, uma das estruturas mais famosas, a qual carrega o mito de ter sido a primeira, data de 1964 na cidade britânica de Leeds. A estrutura foi montada pelo professor de educação física Don Robinson, em um corredor da Universidade de Leeds. Este “mito” foi disseminado por Robinson, para que ele fosse entendido como o “pai da matéria” e posteriormente poder colher dividendos com isso.

Muito antes da parede de Don Robinson, outras duas estruturas foram inauguradas na Inglaterra: Royal Wolverhampton School em West Midlands (1961) e The Meadow Boys Club em Nottingham (1962). Ambas as estruturas seguiam a lógica da Ullswater School. A parede de Nottingham foi a primeira a utilizar estrutura metálica e seguia a mesma lógica de um telhado.

As paredes de escalada rapidamente se popularizaram. Mostrando ser um bom nicho de negócio a se explorar. Mais tarde, em 1975, o britânico Don Robinson (aquele mesmo da “primeira estrutura do mundo”) fundou a DR International Climbing Walls. Por volta do mesmo ano, 1975, uma outra empresa especializada em paredes de escalada também foi criada: Bendcrete Climbing Walls Ltd.

Mas uma das maiores invenções das paredes de escalada, as agarras de resina, somente foi desenvolvida em 1983 pela empresa francesa Entre Prises. Pouco tempo depois a empresa norte-americana Metolius também começou a produzir agarras de escalada de maneira mais industrial. Os moldes eram feitos em argila, para depois serem preenchidas com resina.

Foto: Rafael Alchieri

Algumas empresas, no início dos anos 1980, tentaram vários tipos de metodologias de fabricação de agarras. Porém nenhuma conseguia bons formatos. Algumas agarras de escalada eram inspiradas em rochas de verdade, mas estes formatos acabavam lesionando muitos os escaladores. Com o tempo, as principais empresas utilizaram o sistema que é usado até hoje: molde da agarra feita em espuma, para posteriormente ser reproduzida em uma resina de poliéster. Entretanto, um dos grandes perigos destas primeiras agarras de escalada, eram os vapores de resina de poliéster, que são altamente tóxicos e poluentes. Atualmente, com a evolução dos materiais construtivos, as principais empresas começaram a utilizar o poliuretano.

Como explicado no parágrafo anterior, a grande mudança na evolução da fabricação de agarras de escalada não foi somente o tipo do material utilizado, mas a metodologia de construção. A empresa Straight Up Holds criou um sistema de construção implementado por um estudante da Rhode Island School of Design. O estudante, acostumado com as maquetes e protótipos feitos no laboratório da faculdade, introduziu o uso de modelagem em espuma expandida de alta densidade. Assim foi criado o método que existe até os dias de hoje.

Com o tempo os designers de agarras começaram a se preocupar também com a ergonomia. Desta maneira o número de lesões de escaladores em ginásios de escalada diminuiu, além de proporcionar maior desenvolvimento atlético dos escaladores. Atualmente a principal preocupação dos shapers (designers que desenvolvem agarras de escalada), é proporcionar o mínimo de dor e máximo de conforto, possibilitando a todos uma escalada mais divertida.

Foto: Jackie Hueftle | https://spotsettingblog.wordpress.com

Uma outra grande evolução da escalada indoor, foi a possibilidade de troca das agarras. Quando as primeiras agarras de resina começaram a aparecer, criou a possibilidade de serem parafusadas na parede. Desta maneira, a superfície de uma parede de escalada era toda furada de maneira matricial, permitindo uma infinidade de variações. Assim surgiram os route setters.

Quase 15 anos mais tarde do desenvolvimento dos muros com estruturas, a primeira academia de escalada da história foi inaugurada na própria Inglaterra, na cidade de Sheffield em 1975. A cidade é considerada um dos grandes centros de escalada em rocha da Inglaterra. O primeiro ginásio de escalada dos EUA, somente chegou em 1987, na cidade de Seattle: Vertical World. No Brasil, a primeira academia de escalada, Academia 90 graus, apareceu somente em 1994 na cidade de São Paulo. O estabelecimento funciona até hoje no mesmo endereço.

Primeiras competições

Fotos: https://www.innsbruck2018.com/

Com a comodidade de haver uma academia de escalada, começou a aparecer também a rivalidade entre os estabelecimentos. Cada estabelecimento possuía o seu “herói local”, que sempre aconteciam acaloradas discussões sobre isso.

A melhor maneira de resolver isso seria fazer uma “acareação” entre os interessados. Mas curiosamente as primeiras competições de escalada eram feitas na rocha. Na época existia muitas áreas de escaladas ainda pouco desenvolvidas. Assim, a abertura de uma via era um evento que parecia ideal para um campeonato, pois forçaria os escaladores a trabalharem a escalada à vista.

As primeiras competições em locais fechados e em paredes de escalada aconteceram na extinta União Soviética, no início da década de 1980. Grande parte delas tinha como principal atrativo a velocidade. Como o país era fechado para muitas pessoas, não há muita informação disponível sobre resultados e atletas.

No ano de 1985 foi realizada a primeira competição de escalada na Itália na cidade de Bardonecchia. A única modalidade disputada era a de vias guiadas. A grande vencedora da competição foi Catherine Destivelle, na categoria feminina, e Stefan Glowacz, na categoria masculina. No ano seguinte, 1986, a federação francesa organizou na cidade de Lyon a sua primeira competição de escalada do país, também aberta a todos.

Somente no ano de 1989 é que foi realizada a primeira copa do mundo de escalada. O primeiro campeonato mundial foi realizado em 1991. A modalidade de boulder somente foi introduzida nos eventos competitivos em 1998.

À época os campeonatos eram organizados pelo UIAA. Somente no ano de 2007 é que as competições de escalada começaram a serem organizadas pelo IFSC.

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