História do movimento hippie: Como a contracultura moldou a cultura de esportes outdoor

Você já deve ter escutado sobe o movimento hippie. O que a escalada livre, viagens de mochilão, alimentação vegetariana e vegana, uso de medicina holística, movimento vanlife e trekkings de longa distância tem em comum?

Se você respondeu o movimento hippie, que apareceu em meados de 1950, ganhou força nos 1960 e entrou em decadência em 1970, acertou. A cultura hippie, também soletrada hippy por alguns historiadores da Inglaterra, começou seu desenvolvimento como um movimento juvenil nos EUA durante o início dos anos 1960 e depois se desenvolveu em todo o mundo.

Quando se pensa em impacto cultural, o movimento hippie foi responsável por propor mudanças no comportamento social de maneira profunda.

O movimento pregava pelo rompimento com as formas tradicionais de organizar a vida cotidiana da sociedade pós segunda guerra mundial. Como resultado, de certa maneira, moldou o comportamento dos jovens de toda a sociedade a partir de então.

Os movimento beat

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Há várias teorias sobre as origens do movimento cultural hippie. A mais aceita é a de que suas origens podem ser atribuídas a movimentos sociais europeus no século XIX e início do século XX, como a boemia. O movimento boêmio também teve forte influência da religião e da espiritualidade orientais.

A boemia (bohemianism) é a prática de um estilo de vida não convencional, alegre, simples e despreocupado, muitas vezes na companhia de pessoas com afinidades iguais. Os boêmios tinham como filosofia estabelecer poucos laços permanentes e envolver-se em atividades musicais, artísticas ou literárias.

Neste contexto, boêmios poderiam ser ser pessoas errantes, aventureiros (como praticantes de atividades outdoor) ou vagabundos.

O escritor norte-americano Mark Twain incluiu a si mesmo e a Charles Warren Stoddard na categoria boêmia em 1867. Grande parte dos escritos de Twain são relatos de viagem, que fundamentou nos jovens da época a vontade de viajar.

O escritor francês Honoré de Balzac ao escrever “Um Príncipe da Boemia”, faz rasgados elogios a tal comportamento: “A palavra boemia diz tudo. Ela não tem nada e vive de tudo. Todos esses jovens são maiores do que o seu infortúnio, abaixo da sorte, mas acima do destino”.

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Após a Segunda Guerra Mundial, a maior potência mundial eram os EUA. No país, boa parcela da geração de jovens do pós-guerra possuíam profunda sensação de pessimismo em relação à cultura ocidental.

Esses jovens norte-americanos, denominado hipsters, foram buscar respostas no existencialismo francês, no niilismo de Spengler, Nieszcthe e Dostoievski.

Paralelo a esta busca por obras existencialistas e niilistas, os jovens encontravam no Jazz, estilo em evidência na época, nas drogas e nos becos da cidade, entre vagabundos e prostitutas, um estilo de vida possível para tempos tão sombrios.

Neste ambiente, existente no fim da década de 1940, transitavam os amigos Jack Kerouac, Allen Ginsberg, e William Burroughs: Os três maiores escritores da Geração Beat.

O nome hippie é derivado de “hip”, um termo aplicado ao movimento beat, movimento social e literário norte-americano originário dos anos 1950 e centrado nas comunidades boêmias de artistas de San Francisco, Los Angeles e Nova York. Seus seguidores eram denominados pejorativamente beatniks.

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Allen Ginsberg e Jack Kerouac

Os beatniks expressavam sua alienação do convencional, adotando um estilo particular de vestir, boas maneiras e vocabulário recheado de gírias emprestadas de músicos de jazz. Os beatniks defendiam a libertação pessoal, a purificação e a iluminação, através da consciência sensorial aumentada, que poderia ser induzida por drogas, jazz, sexo ou pelas disciplinas do zen-budismo.

Os maiores ícones deste movimento foram os escritores Allen Ginsberg e Jack Kerouac, que geralmente são considerados os precursores dos hippies. O livro “On the Road” (escrito em apenas três semanas) é considerada a narrativa mais influente da segunda metade do século XX e transformou o amigo de Kerouac, Neal Cassady, em um herói dos jovens.

Além disso, o livro “Os vagabundos Iluminados” é praticante um tratado do praticante de esportes outdoor viveria. O livro trata da dualidade na vida e nos ideais de Kerouac, examinando a relação que a vida ao esportes ao ar livre, o montanhismo, as caminhadas e a escalada possuiria com clubes de jazz, recitais de poesia e festas de bebedeira.

Ginsberg também foi muito influente na geração beat, hippie e também na música de sua época. O cantor da banda The Doors Jim Morrison era seu fã assumido do poeta. Morrison dizia escrever suas músicas sempre após ter lido algum dos poemas de Allen Ginsberg.

No Brasil, o cantor Cazuza também era um grande fã de Ginsberg e o citou na canção “Só As Mães São Felizes”. Jack Kerouac, inclusive, foi quem introduziu o termo “Beat Generation” em 1948, visando caracterizar o movimento jovem anticonformista nova-iorquino underground.

Tudo passou a ser questionado, principalmente no que se refere às injustiças sociais, colocando os jovens como os interlocutores. O movimento beat ajudou a deixar a sociedade mais moderna.

Os hippies

O pontapé inicial do movimento hippie não foi somente o movimento beat, mas também o existencialismo de Jean Paul Sartre, na década de 1940, que era um pensamento separatista da percepção e da imaginação, como o marco inicial da contracultura.

Os movimentos estudantis e a onda hippie dos anos 1960, herdaram do movimento beat causas como a ecologia e o amor livre. Portanto, unindo o movimento beat com o existencialismo de Sartre, estava criada a base para o movimento hippie.

Na década de 1960, o movimento hippie se tornou o principal e mais influente movimento de contracultura (também conhecida como cultura underground) já existente. Entenda como contracultura uma forma de mobilização e contestação social utilizando novos meios de comunicação em massa.

Através da contracultura, são inovados estilos de vida prioritariamente para chocar pessoas conservadoras. O principal marco histórico da cultura hippie foi “Woodstock,” um grande festival de música ocorrido no estado de Nova York em 1969, que contou com a participação de artistas de diversos gêneros musicais, como o folk, o rock e blues.

Todos esses elementos ,de alguma forma ligados às críticas e à contestação característico do movimento, formaram o movimento hippie.

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Embora o movimento tenha surgido em parte como oposição ao envolvimento dos EUA na Guerra do Vietnã (1955-1975), os hippies muitas vezes não estavam diretamente envolvidos na política. Quem possuía forte engajamento político eram os ativistas conhecidos como “Yippies” (Partido Internacional da Juventude – Youth International Party).

Uma característica clara da contracultura e do movimento hippie é que, a princípio, não se baseava na luta de classes. O motivo é relativamente simples de compreender: grupos de jovens brancos da classe média urbanas foram que iniciaram o movimento. Portanto, eram pessoas que tinham acesso aos privilégios promovidos pelo status quo existente.

Boys of Southern California adotaram um estilo de vida voltado para a natureza, e a geração beatnik do renascimento de São Francisco buscou se reconectar com a natureza. Os beatniks iniciaram a cruzada psicodélica que explora estados alterados de consciência.

O estilo hippie

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A filosofia de vida fundamental dos hippies incluía harmonia com a natureza, vida em comunidade, experimentação artística, particularmente na música, e uso generalizado de drogas recreativas. O estilo de vida se espalhou pelo mundo durante a contracultura da década de 1960, que se tornou intimamente associada à subcultura.

Os hippies se opunham radicalmente aos valores culturais ocidentais considerados importantes na sociedade: o trabalho intenso e diário, o patriotismo e nacionalismo, a ascensão social e até mesmo a “estética padrão”. O principal choque entre gerações eram os tabus morais e culturais, os costumes e padrões vigentes e as instituições sociais.

Foram estabelecidas novas maneiras de pensar, sentir e agir, criava-se outro universo com regras e valores particulares.

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Os hippies preferiam cabelos compridos e roupas casuais, muitas vezes não convencionais, às vezes em cores “psicodélicas”. A palavra “psicodélico” (inventada pelo psicólogo britânico Humphry Osmond) significa “manifestação da mente”. A arte psicodélica refere-se sobretudo aos movimentos artísticos de contracultura do final dos anos 1960.

Muitos homens cultivavam barbas, e homens e mulheres usavam sandálias e miçangas. Vestidos esvoaçantes eram populares entre as mulheres e óculos sem aro entre homens e mulheres. Os hippies geralmente adotavam arranjos de vida comunitários ou cooperativos.

Frequentemente os hippies adotavam dietas vegetarianas baseadas em alimentos não processados ​​e praticavam medicina holística. Para muitos, o “Whole Earth Catalog” (WEC), era uma fonte para as necessidades da vida. WEC era uma revista de contracultura americana e catálogo de produtos publicado várias vezes ao ano entre 1968 e 1972, e ocasionalmente depois até 1998.

Os hippies tendiam a abandonar a sociedade, abandonando empregos e carreiras regulares, embora alguns tenham desenvolvido pequenos negócios que atendiam a outros hippies.

A trilha hippie

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Os hippies promoviam o uso recreativo de drogas alucinógenas, particularmente maconha e LSD, nas chamadas viagens pela cabeça, justificando a prática como uma forma de expandir a consciência.

Conversas sobre o paraíso, praias e drogas legalizadas despertaram o interesse da contracultura e os jovens ansiosos por romper com as estruturas da sociedade. A viagem dos Beatles à Índia, em 1968, alimentou ainda mais o desejo de explorar o Oriente por parte dos hippies. Foi o início da Indomania.

Além disso, na época, a maconha estava livre para o consumo no Afeganistão, Caxemira e Nepal até 1973.

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Hippies no Afeganistão em 1977 – Foto: Bruce Barrett | https://allthatsinteresting.com/

Com a onda de contracultura e do movimento hippie, as empresas independentes de ônibus começaram a oferecer transporte e muitos compraram minivans e motos para fazer esta longa jornada. Alguns nunca voltaram, pois a viagem era de 10.000 quilômetros e, às vezes, atravessava montanhas e desertos.

No ano de 1972, Maureen e Tony Wheeler viajaram por terra de Londres para a Austrália. Depois de chegar a Melbourne, Tony escreveu o guia “Across Asia on Cheap”, o primeiro guia da editora Lonely Planet. Os autores listaram, com alguns detalhes, a qualidade da droga oferecida ao longo da rota e deu conselhos sobre os melhores lugares para os viajantes doarem sangue por dinheiro se estiverem com pouco dinheiro.

A “trilha hippie” terminou em 1979, quando a revolução iraniana e a invasão soviética do Afeganistão fecharam a rota. Mas a Ásia ainda é o lugar mais popular para os mochileiros.

A influência da cultura hippie no universo outdoor

Talvez a maior influência do movimento hippie tenha sido a preocupação com o meio ambiente e em uma diminuição generalizada da formalidade. Ao propagar a importância de estar em contato com a natureza, várias gerações de pessoas começaram a prestar atenção em modalidades esportivas que promoviam este contato.

Foi justamente nesta época, anos 1960 e 1970, que pessoas influenciadas pelo movimento hippie foram para Yosemite escalar, criou-se a ruptura com a maneira “velha” de escalar, evoluindo para a escalada livre como a conhecemos hoje. Na época também, foi quando pessoas largaram tudo, para ficar somente escalando.

O costume de colocar tudo em uma mochila, para um trekking de longo percurso, apenas com o objetivo de diversão, quem estabeleceu foram os hippies. Grandes inovadores dos equipamentos e grandes marcas de equipamentos outdoor surgiram de pessoas que viviam intensamente este movimento.

Maioria das grandes marcas que existem até hoje, como The North Face, Patagonia, Osprey e Black Diamond foram fundadas no auge do movimento hippie. Vários proprietários, inclusive, criaram a empresa para conseguirem sustentar seu estilo de vida.

O interesse em alimentos naturais, remédios fitoterápicos e vitaminas é generalizado com o movimento hippie, e as pequenas lojas de “comida saudável” hippie das décadas de 1960 e 1970 são agora empresas lucrativas em larga escala.

Além disso, toda a cultura pregada por muitas das pessoas que alardeiam que seu esporte “é um estilo de vida”, é um resquício do sentimento e mentalidade do movimento hippie. A única diferença é que agora, no século XXI, possui uma roupagem nova. Mas à luz da razão nasceu há pelo menos 60 anos.

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