Graus de escalada: A história de uma medida empírica (e polêmica)

Como muitos devem ter notado, o jornalismo esportivo brasileiro é, na verdade, dedicado quase que exclusivamente ao futebol. Além disso, faz parte do fetiche do jornalista especializado em futebol (mas autointitulado esportivo) criar polêmicas a respeito de assuntos recorrentes.

Dentre estes assuntos estão a queda de um técnico de uma equipe “em crise”, a “má fase” de um certo futebolista, entre muitos outros. Quando o assunto de futebol começa a faltar, como em tempos de pandemia ou nas férias dos jogadores, há o assunto de “qual time é melhor” ou “quem jogou mais”, para inflar os ânimos de quem acompanha as intermináveis jornadas esportivas (dedicadas 100% ao futebol) e mesas redondas.

Fazendo um exercício de imaginação, em um universo paralelo no qual a escalada é um esporte de massa e o mais popular do país. Qual seria o assunto mais recorrente e polêmico que seria recorrente nos programas esportivos desta realidade alternativa?

Seguramente haveria discussões intermináveis a respeito da graduação de alguma via. Comentaristas discutiriam furiosos que ‘escalador X acredita que a via Y está com a graduação errada”. Além disso, teriam também debates furiosos discutindo se a graduação brasileira deveria ser esquecida e adotada a francesa (onde estão os campeonatos e principais escaladores).

A história completa da graduação, assim como a evolução e criação da graduação brasileira, pode ser lida em artigo exclusivo aqui na Revista Blog de Escalada.

Vale a pena ficar valorizando o grau?

Um flash do que seria esta discussão sobre a graduação das vias de escalada foi dada na semana passada pelo melhor escalador esportivo da atualidade: Adam Ondra. O tcheco falou abertamente o que pensa sobre graduação e qual a importância que ele dá a ela.

Ondra é um dos escaladores mais talentosos de todos os tempos e foi o primeiro ser humano a escalar uma via graduada em 9c francês (13a brasileiro), o maior grau alcançado na escalada esportiva. Provavelmente, não haveria nenhum entusiasta enfurecido dizendo que Ondra “nunca fez nada”.

Adam Ondra é uma verdadeira referência da disciplina e sua trajetória inspira muitas gerações a colocar a cadeirinha e a imaginar seus próprios sonhos verticais. Então, quando o escalador fala, todos os fãs de escalada devem ouvir.

Principalmente se você se atirar de cabeça na reflexão sobre um dos aspectos mais polêmicos, a graduação de vias. Desde o primeiro oitavo grau francês (9c brasileiro) alcançado por Tony Yaniro em 1979 até Silence, Ondra, no vídeo (que pode ser assistido no topo do artigo) tenta explicar por que a progressão diminuiu gradualmente após a popularização dos anos 1980, e quais fatores são levados em consideração ao colocar um grau em uma via.

A historia dos graus de escalada

Quantificar algo não é exclusividade de montanhistas e escaladores. A necessidade de medir é muito antiga e remete à origem das civilizações. Por longo tempo, cada povo teve o seu próprio sistema de medidas, a partir de unidades arbitrárias e imprecisas como, por exemplo, aquelas baseadas no corpo humano: palmo, pé, polegada, braça, etc.

As unidades de medida são importantes pois servem para eventuais cálculos e comparações de específicas grandezas. Tratando-se de montanhismo, onde reina o relativismo e o ego dos praticantes são tão grandes quanto as montanhas que sobem, não demorou muito que se quantificasse rotas e vias.

A necessidade de quantificar a dificuldade nasceu no próprio berço do montanhismo: Os Alpes. Considerado o pioneiro da ideia de mensurar as ascensões, para qualificar qual seria difícil e qual seria fácil, foi Fritz Benesch.

Nascido na Morávia (região da Europa central que constitui atualmente a parte oriental da República Tcheca), Benesch estudou na Universidade de Viena, onde viveu boa parte de sua vida. Nos arredores da capital austríaca desenvolveu a sua carreira, na qual se destacou como montanhista e fotógrafo.

Fritz foi editor-chefe de uma revista alpina entre 1920 e 1928 e publicou guias impressos das montanhas da região que foram a referência por cinco décadas. O austríaco também publicou sobre as Dolomitas e outras áreas de montanhismo da Europa.

Como a atividade estava se colocando na moda, surgido a necessidade de organizar um sistema de graduação que permitisse comparar diferentes escaladas. Assim o austríaco criou uma escala de medida.

A escala de Fritz Benesch, criada em 1894, tinha a particularidade de ser descendente. O nível VII correspondeu às subidas mais fáceis e o nível I às mais difíceis. Porém, a rapidez na evolução da dificuldade logo tornou a sua graduação obsoleta, apesar da posterior incorporação de mais níveis como 0 ou 00.

Porém, é importante que todo e qualquer montanhista tenha em mente de que não houve necessariamente um criador, mas uma evolução cultural e de consenso coletivo sobre os valores. Uma vez estabelecido o consenso, ele permanecia sem alterações ou revisões radicais. Como o montanhismo estava ainda se desenvolvendo como atividade, diversos montanhistas estabeleceram suas leituras e escalas.

Hans Dülfer

Foi aí que o lendário montanhista Hans Dülfer entra em cena. Dülfer começou a estudar medicina a partir de 1911 em Munique e depois mudou para o direito e depois para a filosofia. A proximidade dos Alpes o levou a fazer 50 primeiras ascensões nas montanhas da região.

A influência de Hans Dülfer no mundo da escalada também inclui a invenção de técnicas como o rapel Dulfer ou “estilo alemão”, que não requer nenhum outro elemento além da corda, e o desenvolvimento da escalada de oposição. Dülfer criou sua escala de graduação, consolidada em 1913 e baseada em cinco níveis:

  • Fácil
  • Médio
  • Difícil
  • Muito difícil
  • Extremamente difícil

Com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, Hans Dülfer alistou-se no exército alemão e morreu na Batalha de Artois (França) em junho de 1915.

Willo Welzenbach

Willo Welzenbach e o grau de escalada

Wilhelm “Willo” Welzenbach, geralmente conhecido por Willo Welzenbach, era filho de uma família de funcionários públicos em Munique. Welzenbach ingressou na Associação Acadêmica Alpina de Munique no semestre de inverno de 1921/1922 e foi presidente dela em 1925 e 1926.

A escala de Welzenbach para avaliação das dificuldades de escalada, só foi substituída pela escala UIAA na década em 1967. Inicialmente, em 1913, Hans Dülfer apresentou uma escala de cinco pontos (fácil, médio, difícil, muito difícil, extremamente difícil). O salto no desempenho da escalada forçou a escala a se expandir e Welzenbach introduziu uma nova escala de seis pontos.

Welzenbach foi membro da segunda expedição alemã ao Nanga Parbat de 8125 metros de altura, a expedição alemã Nanga Parbat em 1934. Junto com Willy Merkl , Ulrich Wieland e os sherpas Nurbhu, Pinzo, Taschi, Dorje e Gay-Lay, Welzenbach morreu de exaustão em uma tempestade de neve enquanto recuava na crista leste.

A escala francesa

Quando criada, em 1923, a Welzenbach Scale introduz uma escala de seis valores: de fácil a extremamente difícil (6 valores (I a VI)). Mas em 1946, René Ferlet propõe a adotar o 7º e 8º parâmetro e esta notação sofre várias alterações.

Assim, desde 1947, na França, a graduação de vias de escalada adota três letras (a, b, c) para substituir a anterior classificação (VI-, VI, VI+). Foi Pierre Allain, apoiado por Lucien Devies, propõe para abrir a escala de graduação para além do sexto grau, acrescentando as letras, VIa, VIb e VIc substituindo os antigos VI−, VI e VI+.

A evolução do nível de desempenho dos escaladores, a partir da década de 1970, revelou a necessidade de abrir a escala de classificação. O primeiro 7a francês foi escalado em 1970, o primeiro 8a francês em 1983 na França e o primeiro 9a francês em 1991 (“Action Directe” de Wolfgang Güllich)

Essa herança explica porque podemos encontrar citações do tipo IV−, IV ou IV + para métodos antigos (ou estilo antigo), o que equivale, neste exemplo, a 4a, 4b e 4c respectivamente.

Outra classificação é imaginada no início da década de 2010: o 9z. Isso pode aparecer nos croquis para especificar que a via é um projeto do grau a se estabelecer, mas sem mais detalhes. Isso foi usado principalmente para o Petzl RocTrip 2013.

Comente agora direto conosco

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.