Ginásios de escalada: Qual o futuro para um esporte em expansão?

Desde que foi promovida a esporte olímpico, a escalada indoor (também chamada escalada competitiva) tem vivenciado um interesse do público sem precedentes na história recente do esporte. No Brasil a escalada é ainda considerada um esporte de nicho, mas já começa a despertar o interesse de empresários em explorar a escalada indoor como negócio.

Desde que alguns veículos de comunicação como o The New York Times, nos EUA, e o britânico The Guardian, a consideraram uma nova maneira divertida de praticar fitness ou Crossfit, a escalada indoor está explodindo no exterior. Já há, inclusive, franquias nos EUA para deste tipo de estabelecimento.

No mundo, o ano de 2019 ficará marcado pelo número de salas de escalada se expandindo. Diante da demanda, mais e mais salas estão inaugurando espaços e raras serão as grandes cidades que não terão uma sala de escalada. Mesmo no Brasil, vários espaços voltados à escalada foram inaugurados em 2019. O que o futuro reserva para o esporte?

O custo Brasil

Quando se pensa em negócios, sempre aparece o principal dos empecilhos em território brasileiro: o Custo Brasil. É muito comum ouvirmos ou falarmos sobre isso, mas, na prática, poucas pessoas sabem o que é de fato.

Quando se fala em Custo Brasil, as pessoas se referem ao custo inerente de se viver, ou fazer negócios no Brasil. Ao contrário do que muita gente pensa, o Custo Brasil vai muito além de impostos e burocracia.

Faz parte do conceito do que é de fato Custo Brasil, o resultado de um conjunto que faz parte a má gestão pública, a corrupção e subdesenvolvimento histórico, a infraestrutura precária, falta de segurança, saúde, educação e uma completa ausência de senso de excelência. Enfim, tudo isso também está no Custo Brasil.

O custo Brasil é, resumidamente, a consequência imediata da cultura brasileira de privilégios, de não nos enxergarmos como sociedade e acreditar que o governo tem de resolver todos os nossos problemas sem darmos nenhuma contrapartida.

Em resumo, o Custo Brasil é pagar muito mais caro para receber algo pior e que, na soma de tudo, gera um efeito cascata atingindo o bolso de todo mundo. Empreender no Brasil não é uma das tarefas mais fáceis, pois é necessário passar por muita burocracia até abrir as portas da empresa.

O Brasil é um dos países mais dificultosos para que um cidadão abra um negócio e consiga ser bem-sucedido. Por este motivo é que a escalada, assim como qualquer outro esporte que não tenha destaque na mídia de massa, passa por dificuldades de investidores.

Sim, o Custo Brasil atrapalha o crescimento da escalada e de todos os outros esportes.

Interior cresce, metrópoles caem

No ano de 2019 no Brasil, curiosamente grande parte dos ginásios de escalada inaugurados foram fora das grandes metrópoles. Vários novos endereços, por exemplo, foram inaugurados no interior do estado de São Paulo: Ribeirão Preto, Jundiaí e Marília.

A maior cidade do país, São Paulo, com 12 milhões de habitantes é responsável por 11% do PIB brasileiro (R$ 6 trilhões) e 34% do PIB do Estado de São Paulo. Entretanto, a cidade possui apenas quatro empreendimentos dedicados à escalada. Na cidade há ainda duas associações com muros de escalada, mas estão longe, em termos de infraestrutura, de poderem ser considerados um ginásio.

Um número substancialmente inferior, proporcionalmente falando, que outras cidades como Curitiba, Belo Horizonte, Brasília e Joinville.

Sendo São Paulo tendo o maior número de habitantes do Brasil, e também potenciais investidores na modalidade, São Paulo deixou, há muito tempo, de ser o local com as melhores infraestruturas de ginásios de escalada.

Mesmo com a prefeitura promovendo eventos como a virada esportiva, a escalada permanece ignorada pelo poder público como opção esportiva, sem haver grandes eventos como o Master de Boulder do Chile.

Na cidade do Rio de Janeiro, há dois endereços dedicados à escalada, apesar de possuir a maior proporção de escaladores de todo o país.

Portanto, analisando as cidades onde empreendedores apostam no esporte, as grandes metrópoles brasileiras ainda permanecem inertes. O custo Brasil tem boa parcela de culpa nisso, mas o passado recente de desleixo administrativo dos estabelecimentos também. Pode-se incluir nisso o comportamento niilista dos escaladores.

Mas também grande parte deste desinteresse é a ausência de destaque e protagonismo em competições internacionais de atletas brasileiros. Fruto da omissão de todos, federação, associações e os próprios escaladores, em renovar a geração de praticantes do esporte.

A renovação da geração de praticantes

Foto: Acervo Pessoal Amanda Criscuoli

Skate e Surfe, modalidades que também foram promovias à olimpíada, possuem atualmente grande destaque na mídia e investimentos de peso de patrocinadores, exatamente por possuírem protagonismo no cenário internacional. A ausência deste protagonismo na escalada pode ter uma explicação: a ausência de renovação de atletas.

Importante lembrar que tanto o Skate, quanto Surfe, terão atletas classificados para as Olimpíadas de 2020. Dos esportes “novos” que a Olimpíada apresentará, somente a escalada não terá atletas brasileiros.

Na escalada, os atletas que se destacavam há 15 anos atras, são praticamente os mesmos que hoje ambicionam uma vaga olímpica. Não houve competições por um longo período (somente há 5 anos atrás voltaram a acontecer). O hiato é apontado por quem vivencia o esporte como dos principais motivos. Mas não é o único.

À época, a Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME) era a responsável por organizar as competições. Por vários motivos, internos e externos à entidade, as competições não mais eram organizadas. Poucos foram os que reclamaram formalmente deste desinteresse em organizar campeonatos.

A falta de identidade dos praticantes com a entidade, e com os eventos promovidos por ela, foi colaborando para o desaparecimento dos campeonatos. Sem competições, não surgiu um volume considerável de novos atletas. Sem novos atletas, não houve renovação.

Mas o problema não foi somente o desaparecimento de competições. A ausência de uma preocupação por promover a introdução de jovens talentos e novos praticantes foi determinante.

Foram vários os fatores que causaram descontentamento e que provocou a cisão de uma parte integrante da CBME. Os dissidentes criaram uma liga independente para organizar os campeonatos de escalada.

Prova disso é que posteriormente, a CBME sequer organizou mais eventos competitivos, mesmo alegando à época que este tipo de organização “fazia parte do estatuto”. Ainda hoje há pouca preocupação com a criação de uma nova geração de escaladores por parte da entidade.

Qual o futuro?

Prever o futuro não é uma tarefa fácil. Nem simples. Mas é possível imaginar o rumo que algumas decisões estão sendo tomadas. Um deles é arregaçar as mangas e correr atrás do tempo perdido em não dedicar atenção a atletas juvenis. Há dois anos a citada liga independente que administra os campeonatos de escalada no Brasil está fazendo.

Entretanto, a quantidade de campeonatos regionais e nacionais para o público jovem ainda é insuficiente. Por ser o Brasil um país com dimensões continentais, a realização de torneios regionais seria a saída mais estratégi a ser adotada. Países como EUA e Canadá apostam na fórmula.

O uso racional de recursos financeiros também. Apostar em megalomania e se recusar a fazer parcerias com cidades do interior do Brasil é dar um tiro no pé. Iniciativas como a Liga Nescau, que sequer considerou colocar a escalada fazendo parte do evento, deveria ligar um sinal de alerta.

Inegavelmente o desenvolvimento da escalada passa por competições e formação de talentos no interior do Brasil. No momento que for percebida este tipo de tendência, o esporte poderá deixar de ser o “patinho feio” da olimpíada brasileira, para ser um orgulho, como acontece na Eslovênia, Argentina e Chile.

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