Existe sim escalada de performance em família – Como ser pai e criar a próxima geração de escaladores

A hora está chegando…

Lembro com se fosse hoje o dia em que a Faby (Fabiane Criscuoli), minha esposa, chegou e me disse que achava que estava chegando a hora de aumentarmos a família. Vale aqui um pequeno contexto, haviam se passado oito anos de uma linda relação, até o presente anúncio. A Faby é uma mulher forte daquelas que não deixam muitos espaços para entrelinhas, dúvidas e interpretações diversas, e sem dúvida aquela conversa era séria!

Estávamos no início da construção da nossa empresa (somos empresários da área de tecnologia e marketing digital atualmente) e, pode ter certeza, nossas vidas passavam por um turbilhão. Trabalhando de 10 a 12 horas por dia, fora nosso apartamento que, fazia pouco, havíamos adquirido em intermináveis parcelas e que, pela total falta de recursos financeiros (o pouco dinheiro que tínhamos ia todo para a empresa e foi o que deu para poder dar a entrada), se manteve por longos 8 anos em um estado natural de “construção”.

Leia-se: nosso quarto tinha um colchão de casal no chão, os armários eram feitos de caixas de papelão, luz de teto direto na fiação, uma televisão de 14 polegadas que mais parecia um objeto de decoração e assim por diante.

Foto: Deivis R Tavares

Depois do baque inicial e de muita reflexão (caras leitoras, me desculpem mas homens são assim mesmo), arrisquei um pedido de vida ou morte: – Faby, veja bem… Concordo contigo que a hora está chegando, mas nossa vida está um caos… O que acha de nos dedicarmos um ano para organizarmos um mínimo possível na empresa e em casa para recebermos a nossa filha ou filho?

Certamente serei eternamente grato à ela por este tempo, além de entender como um gesto incrível, pois todos nós, pais, sabemos como uma mulher se comporta nestas horas de desejos, filhos…

Claro que só visualizamos com clareza esta máxima DEPOIS ou DURANTE o processo de se tornar pai, nunca ANTES. Hoje, olhando para trás tenho certeza que o pedido para organizar a nossa vida, na verdade foi mais um pedido para eu organizar a minha cabeça para o que vinha pela frente.

A resposta… EVOLUÇÃO

Foi, sem sombra de dúvida, um ano de absoluta transposição de um estado de vida para outro. Busquei informações, “entrevistei” meus pais, falei com amigos que já eram pais, comprei livros sobre o tema (que tenho e recomendo até hoje para os amigos).

Fiz cursinho para aprender a trocar fraldas, cuidados com bebês, estudei tudo o que iria acontecer na gravidez e os primeiros anos, enfim, me preparei com o que podia para o desafio que viria. Continuo fazendo isto nos dias atuais, ano após ano, fase após fase.

Foto: Deivis R Tavares

A maior pergunta que existe nesta hora, é: Será que eu estou preparado? Será que estou pronto? Realmente é a hora? No fundo a resposta para esta pergunta só pode ser encontrada quando buscamos, não em alguém ou fora, mas sim quando conseguimos, com serenidade, olhar para dentro de nós.

Depois de muito refletir sobre a vida e o estágio que eu me encontrava na minha jornada, me veio a mente, aquela que entendo ser a verdadeira pergunta das nossas vidas: Por que estamos aqui? Qual o sentido da vida? Qual é o meu papel neste mundo? Para mim a resposta está contida numa palavra muito simples, mas cheia de significado… EVOLUIR!!

Em todos os sentidos, como seres espirituais que somos, seres humanos que somos, pertencentes a um mundo que segue a mesma lógica o tempo todo e se encontra sempre em um processo de EVOLUÇÃO.

Temos a obrigação e a responsabilidade de EVOLUIR… com tudo

Mas o que isto tem a ver com o fato de eu me tornar pai? Esta foi a forma, a lógica pela qual baseei e baseio tudo o que faço em relação a paternidade. Simplesmente tenho a OBRIGAÇÃO e a RESPONSABILIDADE de EVOLUIR com tudo o que vivi, vi e aprendi sobre a vida e paternidade.

Falando assim parece simples, mas é um processo constantemente desafiador, enriquecedor e motor de todas as minhas atitudes.

Foto: Deivis R Tavares

Para simplificar, era preciso olhar para a minha criação, para as criações que eu pude vivenciar (de amigos, irmãos, vizinhos…), “desconstruir”, no bom sentido, para poder separar o que deveria ser levado para frente. Como ensinamento positivo, daquilo que eu JAMAIS poderia aplicar na minha paternidade, para não correr o risco de levar adiante anos de erros, equívocos, seja por simplesmente aplicarmos as mesmas lições que recebemos, seja por pura ignorância.

Na prática foi olhar e transformar pequenas gestos e atitudes diárias em algo realmente importante como: jamais oferecer e ter em casa uma garrafa de refrigerante (acredito seriamente que algum momento em nosso futuro, algumas bebidas serão rotuladas seriamente para avisar a todos o que ali está contido).

Alimentação balanceada e saudavel (não fazemos fritura e nem usamos óleo para cozinhar por exemplo, entre tantas outras coisas). Alguns até engraçados como ter cinco aparelhos de televisão e não ter TV a cabo (este pequeno gesto foi milagroso para eliminar da nossa família a frase – “pai compra”), ter um celular somente após os 10 anos, mas sem a possibilidade de efetuar uma ligação maior que 3 minutos (ainda não temos a comprovação do que provoca no cérebro de uma criança as ondas eletromagnéticas durante o uso destes aparelhos), ou seja somente para uso familiar para facilitar nossas vidas.

Conversas de outro tipo, somente em viva-voz ou fone de ouvido com o aparelho afastado. Limite de horas para assistir filmes, NUNCA assistir qualquer noticiário de televisão e NENHUM programa de TV aberta, nunca jamais utilizar qualquer equipamento eletrônico como telefones e tablets na natureza.

Não ter videogame; tempo livre é tempo para brincadeiras, jogos lúdicos (damas, uno, banco imobiliário…) ler livros, ouvir músicas…

Foto: Deivis R Tavares

Aquelas onde tivemos que reunir os avós para repassar, como: sairemos no frio, cabelo molhado não da gripe, vento não da gripe, andar de pés descalço e literalmente “comer terra” aumentam a imunidade e também não gripam. Até algumas mais sérias: nunca estar alcoolizado.

Dar uma surra, uma palmada ou algo similar, somente e verdadeiramente somente, se esgotassem absolutamente todas as formas de se educar sem usar da força ou seja, praticamente nunca.

Meu pai me surrou algumas vezes quando criança e não o julgo ou culpo por isto, era outra época, outra condição de vida, outros conhecimentos e sei que tudo o que ele fez foi para me transformar no melhor homem possível. Me orgulho de nunca ter precisado recorrer deste recurso.

A lista porém é interminável e muito grande para o propósito deste texto.

Foto: Deivis R Tavares

Mas era chegada a minha vez de ser pai, então eu tenho a responsabilidade de estancar com este e tantos outros erros do passado. Eu tenho mais informações que meu pai e os pais do passado, eu tenho mais acesso a informação que eles, então eu tenho a RESPONSABILIDADE e o dever de EVOLUIR, portanto para mim, as coisas seria assim deste momento para frente. Este foi o primeiro passo como pai, compreender que a minha responsabilidade é com a EVOLUÇÃO da paternidade e daquele pequeno ser que estávamos para receber.

Lição por lição, a cada dia, a cada idade, sem fim, por que a paternidade é uma dadiva que nos é atribuída e que nunca nos será tirada. A clareza sobre isto é fundamental. Paternidade não é para um período da vida, nem por um momento dela, nem por um estágio. Ela tem início e não tem fim, independe da condição social, de união entre os familiares, independe de qualquer coisa que nós adultos possamos inventar como desculpas.

A escalada como refúgio, um lugar sagrado

Morei um breve período de oito meses em São Paulo com meu irmão Dionis Tavares. Foi através dele que vim a conhecer o mundo incrível dos esportes radicais (não gosto muito deste nome, mas… enfim). Praticávamos cascading (rapel em cachoeira) na região de Brotas, quase todo o final de semana.

Quando retornei para Porto Alegre, onde resido até hoje, estava meio entediado daquela atividade. Embora fantástica, queria algo maior, que me desafiasse de outro modo, não sabia direito qual, mas algo era preciso mudar.

Foto: Deivis R Tavares

Foto: Deivis R Tavares

Fiz um curso de escalada em rocha e, sem dúvida nenhuma, aconteceu naquele momento algo parecido com a minha descrição da paternidade. Algo como se um novo mundo, uma nova forma de viver e entender a vida se descortinasse a cada via feita, cada final de semana na natureza, cada novo local, cada novo amigo(a)…

A partir daquele momento a escalada passou a fazer parte da minha vida e nunca, absolutamente nunca, deixou de se afastar de mim e nem eu dela. Em absolutamente todos os momentos, de conquistas, alegrias e dificuldades, sempre tive ela como um refúgio, um oásis, um lugar sagrado e segue assim nos dias atuais.

Logo após o curso de escalada, conheci a Faby e até a dadiva da paternidade, fizemos muitas descidas de cachoeiras, escalamos, vivemos muitos momentos ao ar livre, na natureza e isto sempre nos revigorou, nos manteve unidos, próximos e fortes para enfrentar os desafios de uma vida metropolitana com as escolhas que fizemos.

A escalada como base para a educação e o desenvolvimento de valores

Nasci e cresci numa cidade muito linda e muito pequena (na época em que vivi lá, possuía entre 5 e 7 mil habitantes), chamada Iraí no interior do Rio Grande do Sul. A Faby nasceu em Porto Alegre mas passou a infância numa cidade ainda menor, chamada Candiota, também no interior do Rio Grande do Sul.

Assim a segunda maior pergunta que a gente se fazia, especialmente no período da gravidez era: como conseguiríamos educar nossa filha na Capital Porto Alegre, não da mesma forma, mas com as coisas simples que vivenciamos no interior e que formaram a base dos nossos valores? (Brincadeiras ao ar livre, banhos de rio, vida ao ar livre…).

Onde estava a resposta para esta pergunta? Mais uma vez lá estava ela, a escalada como, além da resposta, a base para que nossos desejos de educação e valores pudessem ser aprendidos, refinados, desenvolvidos e por fim aplicados.

Foto: Deivis R Tavares

A Faby escalou até o quinto mês da gravidez e mesmo depois do quinto mês, seguiu fazendo segurança para mim. Como? Escalávamos em lugares que tinham árvores grossas por perto para poder montar a segurança ali e ela somente operar o freio auto-blocante e todo o sistema, sem precisar ficar de cadeirinha e correr o risco de se bater.

Da para perceber que nesta fase, performance passa a não ter muito significado? Você escalador, aspirante a pai, realmente está preparado para isto? Já pensou nisto? Existem formas de se contornar a situação, mas sem a sua companheira de escalada.

Como este não é e nunca foi meu objetivo… Não vejo sentido em ser um grande escalador se a minha companheira não evoluir junto. Assim algo iria mudar.

O que vale é VIVER a via e não MANDAR a via

Para todos os pais que estão ou irão iniciar esta fase nas suas vidas, uma das lições importantes que desenvolvemos e sempre tivemos muito claro: o grau da via realmente importa? Para que? Para quem?

Tenha uma visão mais ampla sobre este tema e perceba que é o viver e experimentar tudo o que a escalada pode proporcionar que importa e não o grau da via.

Foto: Deivis R Tavares

Claro que ele é importante para nós escaladores como uma forma de medir nosso desempenho, esforço, capacidade de realização, etc. Mas é só, e na minha opinião não deve passar disto. O conjunto todo é o que realmente importa. Eu costumo dizer que o que vale é VIVER a VIA e não MANDAR a VIA!

Assim, naturalmente a escalada continuou em nossas vidas e não seria a presença de um bebê que mudaria aquilo que julgamos ser a base para o que iríamos construir. Muito pelo contrário, ela seria a peça fundamental deste maravilhoso cenário.

A resposta está no QUE e no COMO você introduz sua filha ou filho na escalada

Escrevo este texto exatamente um dia antes da nossa querida Amandinha (Amanda Criscuoli Tavares) fazer 11 anos, e pensar no que a escalada conseguiu nos proporcionar como base para desenvolver uma vida rica em momentos de convívio, de cumplicidade, de capacidade de desenvolver o verdadeiro amor entre pessoas.

Vivenciar experiências que nem mesmo a minha vida simples do interior conseguiu proporcionar, encontrar pessoas extraordinárias, conhecer e vivenciar lugares inimagináveis e passar a ter uma visão MUITO diferente do que realmente o nosso mundo é e significa, realmente foi ir além do desejo inicial.

Foto: Deivis R Tavares

Esperamos os três primeiros meses da vida dela, para irmos para a rocha e de lá para cá, sempre estamos em contato com o esporte e a natureza. Neste ponto cabe uma pergunta que muitos pais e amigos me fazem: como vocês conseguiram fazer com que a Amanda gostasse tanto de escalar? As outras crianças que conheço não são assim, querem outras coisas?

Tenho certeza que a resposta está no “QUE”, e no “COMO” fizemos com a nossa escalada e a introdução da nossa filha neste esporte.

Primeiro, nunca, nem a Faby nem eu, escalamos sem a presença dela. Ponto! Ou a família vai escalar ou a família não vai escalar. A palavra aqui é o conjunto e nunca o indivíduo. Neste ponto se você é um escalador de performance vai se perguntar, tá mas e meus projetos…

Foto: Fabiane Criscuoli

Bom, como só posso responder pela minha vivência vou complementar lembrando do capítulo acima onde comentei sobre a paternidade. É uma dadiva, uma escolha intencional ou da vida, mas mesmo assim, uma escolha e tem outra escolha importante a ser feita, exatamente nesta hora: você vai escolher a SUA escalada ou a ESCALADA da SUA FAMÍLIA? e para aqueles que não levam a família para escalar eu diria: a SUA escalada ou a escalada da SUA FILHA(O) e SUA?.

Eu fiquei com a segunda opção. Agradeço a Deus todos os dias por esta escolha… Só quem escala com sua filha ou filho sabe compreender o que digo.

É absolutamente indescritível o que se vive numa rocha, na natureza, ao ar livre, e mesmo no ginásio, escalando com sua filha(o). Inúmeras vezes deito a cabeça no travesseiro com uma vozinha meiga gritando ao fundo: Vai Pai! Bóra Pai! Manda esta via Pai!

Foto: Fabiane Criscuoli

Ouça a sua voz interna, muito mais que as vozes externas

Foto: Deivis R Tavares

Segundo ponto importante: se vou levar minha filha(o) para os locais de escalada todo o final de semana, o que farei lá e como farei?

Não cabe aqui descrever tudo o que fizemos, mas posso garantir que me sinto uma pessoa abençoada por ter ouvido muito mais a minha voz interna que as vozes externas que me rondavam.

Aqui reside outro grande aprendizado. OUÇA A SUA VOZ INTERNA muito mais que as VOZES EXTERNAS. Isto é, o coração vai errar muito menos que os amigos, parentes, vizinhos…

Pode ter certeza disto! Absolutamente!

Assim, os locais de escalada, ao invés de serem locais que não se poderia levar uma criança, o que dirá um bebê, passou a ser “O” local de se levar a filha passear, brincar, se divertir no final de semana e… se fosse possível, os pais escalariam. Não soa agradavel isto? Invertemos a lógica reinante na época.

Para mim, para nós, soou e foi com esta visão que a Amanda se criou, brincando, pintando, montando, desenhando, correndo atrás das formigas, vendo os “bixos cabeludos” caminharem, enfim, levamos para a escalada o que faríamos em um parque, em casa, num pátio, e por todos estes maravilhosos anos, este realmente foi o parque de diversões dela.

Mas o mais importante foi que, durante este tempo todo, viu dois pais felizes, na maior parte do tempo sorridentes, realizando suas vidas, se revigorando em locais espetaculares, tendo a paixão pelo esporte como motor de suas vidas e a benção da natureza como proteção.

Somos espelhos de nossos pais, para o bem ou para o mal

Sempre acreditei que os filhos são espelhos dos pais, tenho isto no meu coração o tempo todo, para o bem ou para o mal do poder que isto tem sobre nossos filhos.

Lembra quando falei que deveríamos DESCONSTRUIR para EVOLUIR, era exatamente disto que eu estava falando. Quantas pessoas nos acharam loucos, que devíamos esperar ela crescer, que aquilo não era ambiente para crianças…

Se você está acostumado com crianças em ambiente de escalada saiba que a 5 ou 6 anos atrás, aqui no Brasil, aqui no Rio Grande do Sul e alguns outros estados que viajamos, esta não era a realidade e verdadeiramente me sinto muito feliz de ter podido influenciar esta mudança.

Quando começamos a escalar com a Amanda éramos somente nós com criança, hoje vejo com muita felicidade novos pais e mães com seus pequenos recheando de felicidade e luz nossos lugares de escalada.

Foto: Deivis R Tavares

Neste ponto quero deixar uma das maiores dicas para quem está trilhando este caminho: NUNCA mas NUNCA leve sua filha ou seu filho para um local de escalada pensando ou desejando que ele ou ela seja uma escaladora(r) no futuro, pense em estar proporcionando um dos ambientes mais incríveis e momentos mais ricos que sua filha(o) pode ter. O restante, o desejo, mantenha para si…

Certamente ele se realizará, como comentei, os filhos são exemplos e espelhos dos pais. Desejo deixar bem claro que o propósito, nesta fase não é escalar e o ponto de vista deve ser o da criança e não o seu, portanto, qual o ponto de vista de uma criança? BRINCAR! Esta é a ação e certamente não é ESCALAR.

Colocávamos a cadeirinha na Amanda para ela ficar de 20 a 30 min se balançando com a corda de cima em uma via. O que ela queria era sentir o prazer de ter aquele friozinho na barriga e se matar de tanto rir!! Só que para balançar na corda, era preciso escalar um ou dois “metrinhos”… Entendeu a lógica? Foram muitas, muitas brincadeiras, muito momentos assim e alguns de escalada adulta, dos pais. Mas tenha certeza, valeu cada minuto, cada segundo daquilo.

Abdique do EU frente ao NÓS

Quando a Amanda completou 5 anos, durante um treino meu e da Faby no ginásio de escalada, onde passávamos uma hora treinando, quando dava, claro, e a outra hora brincando, de se esconder,  correndo e se jogando nos colchões, de deslizar nos colchões, de escalar 4 ou 5 agarras e se atirar nos colchões – vamos combinar, uma área de boulder, do ponto de vista de uma criança,  é um lugar incrível para se brincar, melhor que qualquer local de festa infantil ou playground de parque.

Esta foi a lógica deste período. Fazer dos treinos e dos setores de escalada, os melhores locais para uma criança se divertir. E a escalada e a performance dos pais onde ficavam? Bom se você leu meu texto com atenção, então já sabe a resposta…

Bem mas após aquele treino que comentei, ela disse que queria escalar e queria que eu fosse o treinador dela!! Naquela época eu já tinha um treinador pessoal que me dava aulas. Pensa um pai feliz!! Lembro de ter chorado muito abraçado nela naquela noite… Ela meio assustada e eu dizendo que o pai estava feliz pela decisão que ela tinha tomado e que, claro eu seria o treinador dela.

Foto: Deivis R Tavares

Assim foi até fechar um ano de treino. Mais ou menos no final deste período percebi que algo estava se tornando sério, que algo estava para acontecer em outro nível, pela dedicação e motivação dela. Foi aí que tive outro insight e disse para ela que como havia alcançado um nível avançado de escalada era a hora de ter um professor dedicado à esta tarefa… claro se ela quisesse.

Os olhos dela brilharam e parecia que iria sair faísca!!

Outro momento importante nesta trajetória: novamente abdicar do EU frente ao NÓS e agora mais precisamente o ELA! Eu não poderia ser o treinador e pai ao mesmo tempo. Ao menos foi assim que vi e novamente acredito que acertei, meio por intuição, aliás como tudo até aqui, por que informação sobre isto não encontrei em local algum.

Com o treinador entrando, pude me dedicar a outros aspectos da escalada, especialmente o trabalho mental, o jogo do medo, a conquista da confiança, a construção da GARRA (daria um livro escrever sobre isto), a dedicação ao esporte, a importância da competição, quem realmente é seu adversário em um campeonato de escalada, o vencer aos poucos, o ser humano, o aprendizado da derrota, a celebração das conquistas, o aprendizado da via que não mandou, do medo que não superou, e do que superou, meu Deus, é um infinito de pequenas lições que diariamente aprendemos, tanto ela quanto eu, enfim, nós todos.

Não nos preocupamos muito com o futuro, nosso negócio é aqui e agora, é o presente

Assim a Amanda verdadeiramente começou a escalar como uma atleta deste esporte, aos 6 anos de idade.

Hoje possui uma rotina de treino três vezes por semana somado a escalada em rocha todo final de semana que as condições climáticas permitem, praticando ainda Natação desde os 4 anos de idade e Ballet desde os dois anos.

Foto: Deivis R Tavares

Inegavelmente um nível de dedicação destes, com apoio, suporte psicólogo, familiar, rotina, hábitos saudaveis, etc, etc e muita, mas muita prática e brincadeiras, iria em algum momento apresentar algo surpreendente, e aconteceu naturalmente.

O primeiro 6sup e 7A aos 9 anos e o primeiro 8a aos 10 foram conquistas significativas que mexeram com o que vinha acontecendo no cenário da escalada brasileira para crianças desta idade, tanto que a realização do 8a seu tornou um grande feito e isto mexeu com ela e certamente com todos nós.

Aonde isto pode chegar??

Sempre me perguntam sobre o futuro da escalada da Amanda e a resposta é sempre a mesma: não nos preocupamos muito com o futuro, nosso negócio é aqui e agora, é o presente. O futuro cria ansiedade e expectativas, algo que não conseguimos controlar.

Prefiro focar no que conseguimos executar e neste ponto continuamos estudando, treinando, praticando e lentamente buscando novos desafios, no ritmo e desejos DELA. Desafios para todos nós, diga-se de passagem. Pequenos desafios no dia a dia que resultarão em novas conquistas no futuro. Quais conquistas? A que me importa, como pai, são todas aquelas que envolvem o crescimento pessoal, as que envolvem o crescimento do ego… bom… estas só comemoraremos… e no dia seguinte seguirei cumprindo a missão que recebi com muito amor.

Desenvolvendo o melhor ser humano que pudermos

Certa vez estava em um campeonato de escalada uma pessoa se aproximou de mim e disse: – Nossa! Queria te parabenizar por estar com a tua filha tão novinha escalando, certamente verei ela nas Olimpíadas, começando assim tão cedo não tem como não ser uma grande escaladora.

Olhei para esta pessoa e disse: – Concordo contigo em relação a começar cedo e desenvolver constantemente as habilidades necessárias para ser bom em algo, claro que desde que seja feito com inteligência isto, mas só não concordo com o negócio das Olimpíadas.

Não iniciei minha filha neste esporte por um objetivo assim, até porque quando ela começou a escalada nem sonhava em ser um esporte olímpico, não que não o valha, muito antes pelo contrário, jamais recusaríamos um pedido de representar nosso país em um evento, seja ele qual for, se ela tiver condições e desejar isto.

Mas a Amanda não está na escalada para chegar às Olimpíadas, está aqui por que minha esposa e eu desejamos através da escalada poder DESENVOLVER O MELHOR SER HUMANO QUE PUDERMOS, disse a ela.

Foto: Deivis R Tavares

Desejamos entregar ao mundo, daqui uns anos mais para frente quando a maior idade dela chegar, um ser humano diferenciado, preparado para viver os desafios e alegrias de um mundo em EVOLUÇÃO. Nada mais do que isto, “simplesmente complexo” assim!!

Há e quanto as Olimpíadas, se Deus entender que a nossa família, através da Amanda, deva ser escolhida para isto, abraçaremos mais esta missão e empregaremos a mesma RESPONSABILIDADE que estamos empregando na construção da vida dela.

Existe sim escalada de performance em família

Em algum ponto deste texto você, escalador de performance deve estar se perguntando, mas e aí, como ficou a tua escalada? Simplesmente mágica! Quando a Amanda chegou, eu estava escalando 7c em projetos. Com a presença dela, já mandei vários 8a’s, alguns 8b’s, um 8c e estou trabalhando um 9a lindíssimo que sairá ainda este ano, além de outros oitavos que colocarei na conta.

Me tornei campeão Gaúcho de Boulder em 2015 (Categoria acima de 45 anos) e vice-campeão Brasileiro de Boulder (ABEE) também na mesma categoria e ano. E veja, estou as portas de fazer 48! E certamente vou entrar nos 50 com alguns bons nonos encadenados.

É pouco? Levando em consideração a minha vida, empresa com quase 100 colaboradores, 30 a 40 viagens à negócio pelo Brasil por ano, 20 a 30 palestras… Acho que está adequado. E realmente o que acredito é nisto. Se para você é mais, ótimo, busque isto, com serenidade e respeitando a escalada de todos do seu convívio.

Foto: Fabiane Criscuoli

Sim, existe a possibilidade de ter performance em família, o que você precisa fazer é compreender que o tempo é o rei e não mais a sua vontade desesperada de mandar tudo… no próximo final de semana. Que se respeitarmos ele (o tempo), você terá junto, a melhor torcida, o maior incentivo que alguém pode ter para mandar um projeto. Sua filha ou filho gritando embaixo para você blocar “a muerte” e encadenar aquela via.

Vai por mim, faz muita diferença! Sem contar o prazer de poder hoje, entrar em um projeto JUNTO com a minha filha. Bom, isto é papo para outro texto… mas se você está neste caminho, já podes imaginar o prazer de poder ler uma via junto com a tua filha e melhor, ver ela mandar antes de ti!!

Foto: Acervo Pessoal Amanda Criscuoli

Este dia, meus amigos, está muito, mas muito próximo de chegar e vou adiantar, vou chorar demais!! Da mais profunda felicidade!

Um mundo novo está surgindo e precisamos nos preparar para abraçar com sabedoria, serenidade e discernimento o que está chegando.

FELIZ DIA DOS PAIS a todos aqueles que como eu abraçam e seguem abraçando as dadivas da vida (ESCALADA, PATERNIDADE, TRABALHO…) com responsabilidade e estão constantemente transformando as suas vidas, buscando EVOLUÇÃO para si, para seus filhos e suas famílias e especialmente para que tenhamos um mundo melhor a cada dia.

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